Lidar com a Geração Z é desafio para 68% do mercado de trabalho, aponta relatório

Conflito geracional não é novidade no mercado; especialistas dão dicas de como lidar com questões

Freepik Lidar com a Geração Z é desafio para 68% do mercado de trabalho, aponta relatório Dificuldades podem afetar saúde mental do trabalhador

Seja dentro da família ou em redes sociais, os conflitos geracionais eventualmente ficam evidentes entre denúncias de que uma geração não é compreendida pela outra. E uma pesquisa aponta que essas queixas também são vividas no mercado de trabalho.


O relatório “Tendências de Gestão de Pessoas”, produzido pela consultoria internacional Great Place To Work (GPTW), mostra que 51,6% do mercado de trabalho afirma ter dificuldade para lidar com as diferentes gerações e suas expectativas no mundo corporativo.


Contudo, a média é claramente puxada por uma geração específica: a Geração Z. Nascidos entre 1996 e 2010, o match com esses trabalhadores mais jovens não aconteceu para 68,1% dos entrevistados.


A diferença é gritante comparada com os Baby Boomers — a segunda colocada do ranking, composta pelas pessoas nascidas de 1945 a 1964 — que geram entraves para 11,4% do mercado.


De acordo com a pesquisa, “a GenZ tem sido responsabilizada pelas outras gerações pela falta de comprometimento e impaciência na carreira”.


Daniela Diniz, porta-voz da pesquisa, no entanto, pontua que a situação já ocorreu há não muito tempo, quando integrantes da Geração Y (nascidos entre 1981 e 1995 — também chamados de Millenials) começaram a ingressar no mercado de trabalho.


“Ela era tachada de insubordinada, infiel, mimada e descomprometida. Quando ouço e leio hoje tudo que se fala da Geração Z é como um déjà-vu. O fato é que toda geração que entra no mercado do trabalho vai causar um certo barulho”.


Hoje, a geração Y é a segunda mais “aceita” no mercado, com apenas 6,2% dos entrevistados relatando ter queixas.


Para promover um ambiente de trabalho mais harmonioso, a GPTW reforça que as empresas pratiquem o diálogo.


“Ao olharmos para o futuro, vale espiarmos o passado e perceber que as mudanças provocadas pela chegada de novos profissionais fizeram as organizações evoluírem. E este é o momento de aprendermos com a Geração Z.”


A professora da FIA Business School, Lina Nakata, que foi uma das responsáveis pela pesquisa “Lugares Incríveis para Trabalhar”, explica que a GenZ tem uma tendência maior a procurar empresas cujos valores se identifica.


“A Geração Z tem seus propósitos mais claros, evitam trabalhar em empresas que não se preocupam com sustentabilidade ou diversidade, e não querem estar vinculados com empresas antiéticas”, detalha.


“Dessa forma, quando a geração mais jovem entra no mercado de trabalho e encara inúmeras situações, muitas vezes se sentem menos satisfeitos”.


Além disso, Diniz nota uma urgência da nova geração por maior flexibilidade.


“Afinal, é uma geração que entra no mercado de trabalho num momento em que entendemos que é possível trabalhar de qualquer lugar, ter seu próprio ritmo e numa era digital que me permite fazer as coisas do meu jeito e na hora que eu quiser”, diz.


Enquanto isso, ela aponta que “com os mais velhos, o que costuma dificultar é a falta da escuta ativa, que não era algo comum anos atrás, e nem sempre estão dispostos a se abrir para novas ideias”. E é nesse ponto onde as gerações batem cabeça.


Nakata aponta que mesmo que não tenham uma oportunidade próxima, esses jovens tendem a pedir demissão ou realizar o chamado “quiet quitting” (demissão silenciosa), fenômeno quando o profissional vai se afastando “silenciosamente” de suas funções, fazendo o mínimo do que é encarregado.


“A Geração Z está mais propensa a desistir do seu emprego à medida que [os jovens] se sentem sobrecarregados e estressados, com a saúde mental afetada”, conclui a pesquisadora.


O relatório da GPTW aponta que, em 2023, pela primeira vez em sua série histórica, — iniciada há seis anos — a saúde mental foi o principal desafio para a gestão de pessoas no ano, indicada por 36,9% dos respondentes.


A pesquisa revela que 96,9% das pessoas consideram a saúde mental e emocional um tópico importante na gestão de pessoas.


Contudo, a percepção é de que menos da metade (47,2%) das empresas investe em maneiras de tratar seus funcionários, o que, por sua vez, reforça o movimento de saída da empresa.


“Desde o início da pandemia, os casos de ansiedade, depressão, burnout e outras questões mentais passaram a aumentar muito. E isso afetou mais gravemente as gerações mais jovens; os mais velhos já haviam vivido outras crises e problemas e puderam se superar melhor. Com isso, a saúde mental vem sendo também um fator de saída das pessoas das empresas”, explica Nakata


A GPTW reforça que a capacitação dos profissionais é um caminho para quebrar esse tabu nas empresas.


“Muitas pessoas ainda têm dúvidas, e até mesmo preconceitos, sobre o tema que só podem ser combatidos com conhecimento e dados. Já o treinamento de líderes também é fundamental para a construção de uma cultura de saúde mental”, aponta o relatório.


Além de permitir que a empresa como um todo lide melhor com a questão da saúde mental, a capacitação de lideranças permite a maior integração entre as equipes e por tanto entre as gerações. Não obstante, o desenvolvimento de líderes é apontado como prioridade para 2024 por 43,6% dos respondentes.


“Os líderes, independentemente da sua própria geração, também precisam estar alertas e prontos para essa multiplicidade de grupos”, pontua Nakata.


A especialista ainda ressalta que gerações mais experientes resistem em lidar com mais jovens diante das diferenças de valores e visões de mercado.


“Os profissionais mais jovens são entendidos como difíceis porque colocam seus princípios pessoais como muito importantes, e não querem se submeter ao que já é praticado pelas empresas, como sua cultura organizacional, trabalho com sobrecarga e pressão, hierarquia, entre outros elementos”, diz.


Para preparar os funcionários para o conflito e evitar divergências, a especialista em gestão com pessoas, Manu Pelleteiro, defende “uma maior aproximação entre as gerações. É essencial reconhecer as habilidades e experiências únicas que cada grupo traz para a mesa”.


A troca pode ser promovida por meio de “mentorias reversas”, pelas quais, segundo explica Pelleteiro, “os mais jovens podem ensinar habilidades tecnológicas, e os mais velhos podem compartilhar suas experiências e vivências práticas”, quebrando barreiras e estereótipos.


“O estigma de que as pessoas mais velhas são inflexíveis pode dificultar a comunicação e a colaboração intergeracional. No entanto, é importante não generalizar, pois muitos profissionais mais velhos também podem ser adaptáveis e abertos a novas ideias, além da experiência ser um fator que pode colaborar muito ao enfrentar novos desafios”, aponta.


Lina Nakata reforça a ideia da prática de dinâmicas.


“Já vi numa empresa, por exemplo, a aplicação de uma dinâmica tipo escape, em que os desafios eram todos variados, com o objetivo de que cada tarefa só seria resolvida por alguém de alguma geração. Isso mostrava que cada geração tem seu valor e sua solução, sendo muito rico para criar integração e sinergia”, exemplifica.


*Sob supervisão de Gabriel Bosa