Lula minimiza derrotas, mas Plano Safra vira novo embate com bancada ruralista

Plano Safra, que deve ser anunciado até junho, se consolida como um novo foco de disputa

Lula minimiza derrotas, mas Plano Safra vira novo embate com bancada ruralista Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva minimizou nesta quinta, 25, o esvaziamento das atribuições dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança Climática e dos Povos Originários, mas há um novo embate entre o governo e a bancada ruralista no Congresso. O Plano Safra, que deve ser anunciado até junho, se consolida como um novo foco de disputa. Integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) têm reclamado da falta de informações sobre o volume de recursos para a nova edição do plano, diante das altas taxas de juros, e mostram preocupação com o prazo exíguo para os repasses.

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), se reuniu ontem com o titular da Fazenda, Fernando Haddad, e disse ter levado à equipe econômica uma proposta para aumentar a verba destinada ao Plano Safra. "Quando olhamos para 2022 e 2023, o que compete ao Ministério da Agricultura ficou em torno de R$ 3,8 bilhões. O nosso pleito é pela equivalência do que foi 2014, pelo menos", afirmou Fávaro, numa referência a uma espécie de subsídio dado aos produtores rurais. Naquele ano da gestão de Dilma Rousseff (PT), as equalizações de juros, em valores nominais, ficaram em R$ 11,6 bilhões.

Foi a pressão da bancada ruralista no Congresso que impôs derrota para o governo na comissão especial formada por deputados e senadores para tratar da Medida Provisória (MP) dos Ministérios. O colegiado misto aprovou anteontem parecer que enfraqueceu as pastas chefiadas por Marina Silva e Sônia Guajajara. O texto retira a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Política Nacional de Recursos Hídricos da pasta do Meio Ambiente e passa para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. No caso do ministério comandado por Sônia Guajajara, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é transferida para a pasta da Justiça, do ministro Flávio Dino. O texto aprovado ainda precisa passar por votações nos plenários da Câmara e do Senado em um curto prazo. A MP tem validade até o dia 1.º de junho.

 

Em outro tema caro aos ruralistas, horas depois foi aprovada, na Câmara, a urgência do projeto de lei que trata da adoção de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas no País. O texto principal poderá ser votado na semana que vem, antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) retomar o julgamento de uma ação sobre o tema. A tese do marco temporal - que o STF pode e tende a derrubar - prevê que as demarcações só podem contemplar povos que já ocupavam as terras antes e até a promulgação da Constituição em vigor, em outubro de 1988.

Neste projeto, o líder do governo Lula na Casa, José Guimarães (PT-CE), liberou o voto da base aliada - ou seja, não orientou para que votassem contra a urgência na tramitação do marco temporal, contrariando inclusive discursos do então candidato Lula no ano passado. Já na comissão especial que analisou a MP dos Ministérios, quatro parlamentares do PT deram aval às mudanças.

'Resistir'

 

No dia seguinte aos reveses, Marina falou em "resistir" à situação e comparou o cenário atual ao de um violinista que permanece tocando em um concerto após as cordas de seu instrumento estourarem e, mesmo assim, encanta a plateia. "Eles estão transformando a MP da gestão do governo que ganhou na MP do governo que perdeu, em várias agendas, sobretudo a agenda ambiental e dos povos indígenas, mas temos de resistir e vamos resistir, manejando essa contradição, criando alternativas, buscando soluções e cuidando do legado", disse ontem, ao discursar durante a cerimônia de posse do presidente do ICMBio, Mauro Pires.

O Planalto também se mobilizou para tentar reduzir o impacto negativo dentro e fora do governo. Lula convocou para hoje uma reunião com Marina e Sônia Guajajara. Ao participar de cerimônia do Dia da Indústria na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na capital paulista, o presidente classificou a intervenção do Congresso como "normal".

"Tem dias que a gente acorda com notícias parecendo que o mundo acabou. Eu fui ver o que estava acontecendo, era a coisa mais normal", disse o presidente a empresários. "Até então a gente estava mandando a visão de governo que nós queríamos. A comissão no Congresso Nacional resolveu mexer", continuou. "Agora começou o jogo. Nós vamos jogar, vamos conversar com o Congresso, vamos fazer a governança."

 

A preocupação maior do governo é com a fragilidade política da ministra do Meio Ambiente, que também enfrenta desgaste na queda de braço com o Ministério de Minas e Energia sobre a proposta de exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, garantiu, em entrevista Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, que a saída de Marina da pasta não foi discutida na gestão Lula. Segundo ele, Marina tem um papel importante de "sustentar" a agenda ambiental do governo.

"Vamos debater com o Congresso", afirmou Padilha, destacando que o governo estará "com os instrumentos" preparados caso a decisão seja confirmada. "Para garantir o papel, a função dessas estruturas como a ANA e a política nacional de recursos hídricos extremamente sintonizada com o Ministério do Meio Ambiente e com a agenda da sustentabilidade."

Na mesma linha, Lula concluiu sua avaliação sobre as derrotas no Congresso afirmando que é preciso não "se assustar com a política". "Quando a sociedade se assusta com a política e começa a culpar a classe política, o resultado é infinitamente pior. É na política que se tem as soluções dos grandes e pequenos problemas do País."

FPA

O governo petista, contudo, enfrenta um embate permanente com a bancada ruralista. Sobre o Plano Safra, o ministro da Agricultura disse que o Executivo busca mecanismos para permitir que o mercado financie a agropecuária, sem a participação do Tesouro Nacional. Além disso, destacou que a liberação de uma linha de crédito rural em dólar, feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, é uma "política inédita".

Mas representantes do agro indicam preocupação com os recursos necessários para cobrir os juros e a liberação da verba a tempo de fazer o planejamento da safra. Ex-ministra da Agricultura, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) vai conversar com Fávaro na próxima segunda-feira. "Os valores do Plano Safra, pela nossa entidade, têm uma necessidade de R$ 25 bilhões para equalização de juros e R$ 400 milhões para operações", disse o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR).

Estadão apurou que existe uma disputa, nos bastidores, entre a Agricultura e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado por Paulo Teixeira (PT), pela divisão dos valores entre pequenos, médios e grandes produtores rurais.

Em funcionamento na Câmara, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Sem Terra (MST) também virou outro problema para o governo porque tem servido de palco para o confronto entre a bancada ruralista e o PT. (COLABORARAM GIORDANNA NEVES E LORENNA RODRIGUES)

Mais lidas