(*) Comercialização e uso ilegais nos EUA
Fonte: Centros para o Controle de Doenças e Prevenção (CDC) Nem todas as mortes dessa epidemia envolvem traficantes, drogas ilegais e julgamentos. Cerca de 23% das overdoses fatais registradas em 2016 envolviam drogas para uso médico.
Nos Estados Unidos, é bastante comum médicos e dentistas receitarem opioides para que seus pacientes possam controlar a dor, mesmo depois de procedimentos comuns, como extração de um dente do siso ou pequenas cirurgias realizadas em consultório.
Esse hábito pode contribuir para que um paciente desenvolva dependência a opioides.

James e Dennis (no colo, irmão que morreu por complicações de saúde relacionadas ao vício em opioides)
James e Dennis (no colo, irmão que morreu por complicações de saúde relacionadas ao vício em opioides) (Arquivo Pessoal/Arquivo pessoal)
“Eles parecem não se importar muito com isso. Sempre que tenho algum procedimento médico, fico me alertando que não posso receber esse tipo de droga, apesar de ninguém perguntar nada”, diz James McG, um ex-dependente de drogas que, há mais de uma década, superou o vício.
O irmão mais jovem de James morreu em 2006, aos 38 anos, de problemas de saúde relacionados ao uso de heroína.
Esquecimento
A atual crise de opioides não pode ser explicada como um fenômeno de uma sociedade cada vez mais conectada ao mundo virtual, assoberbada pelas novas tecnologias e com menos interações pessoais. Os americanos já tiveram de enfrentar o mesmo problema algumas vezes em pouco mais de 100 anos.
No fim do século XIX, o país viveu uma epidemia praticamente idêntica à atual, com cerca de 313.000 americanos viciados em morfina injetada e em ópio. A Guerra Civil Americana (1861-1865) provocou a popularização da morfina. Os médicos da época não hesitavam em receitá-la, pois era uma droga lucrativa para o setor de saúde e muito eficaz no combate da dor dos pacientes, submetidos a procedimentos torturantes. Assim nasceu a primeira geração de americanos viciada em opioide.
No começo do século XX, foram aprovadas diversas legislações para combater esse primeiro surto, como a Lei de Alimentos e Drogas Puras (1906), a Lei Harrison Antinarcóticos (1914) e a Lei da Heroína (1924). As novas normas meramente contiveram o problema, e a crise latente ressurgiu com força no final dos anos 1950, e acompanhou o auge do rock clássico, nos anos 1970. Uma das músicas que melhor representa a relevância da droga em sua época é
Sister Morphine (Irmã Morfina), dos Rolling Stones, lançada em 1971.
“Usar drogas fazia parte da cultura dos roqueiros de Nova York e ainda parecia chique nos anos 1990”, diz James, colecionador de guitarras que tem como ídolo Keith Richards, dos Rolling Stones, o mais famoso viciado em heroína do planeta. “Keith hoje é totalmente limpo, o que prova que sempre é possível vencer o vício”, completa o colecionador.
A crise atual tem suas raízes nos anos 1990, quando a indústria farmacêutica convenceu a comunidade médica de que os opioides não traziam um risco significativo de dependência. Assim, os passaram a ser receitados largamente, levando ao uso indevido desses medicamentos.
Cerca de 25% dos pacientes que recebem tratamento para dor com opioide usam o medicamento erroneamente, segundo o Instituto Nacional de Abuso a Droga (NIDA), e aproximadamente 10% deles desenvolvem um distúrbio relacionado ao uso de opioide.
O instituto também alerta que cerca de 5% dos pacientes que usam indevidamente opioides receitados por médicos passam a usar heroína. Aproximadamente 80% dos usuários de heroína começaram pelo uso indevido de opioides para uso médico.
O aumento das mortes por overdose de opioides deixou claro que essas drogas representam um alto risco de dependência para os usuários, que não se encaixam no estereótipo de pária da sociedade. Um exemplo disso é Cindy McCain, mulher do senador John McCain, candidato republicano à Casa Branca derrotado por Barack Obama em 2008 que morreu de câncer neste mês.
Cindy começou a usar oxicodona para aliviar a dor que passou a sentir depois de duas cirurgias na coluna realizadas em 1989. A loira bela e milionária – herdeira da Hensley & Co., uma das maiores distribuidoras da Anheuser-Busch – desenvolveu aos poucos a dependência à droga. Na década de 1990, ela chegava a ingerir vinte cápsulas por dia.
Em 2015, cerca de 2 milhões de americanos sofriam de distúrbios relacionados ao uso de medicamentos analgésicos com opioide, enquanto 591.000 apresentavam distúrbio por uso de heroína. Ambas as condições podem ser concomitantes. Com a crise agora evidente, os americanos não podem mais ignorá-la.
Combate abrangente
Os especialistas alertam que, para superar a epidemia e afastá-la de vez da sociedade americana, é fundamental a adoção de um plano de ataque abrangente. Com isso em mente, o Departamento de Serviços de Saúde e Humanos (HHS) está focando seus esforços em cinco prioridades: aumentar o acesso de adictos a tratamentos e serviços de recuperação, promover o uso de drogas capazes de reverter overdoses, aprofundar o conhecimento sobre a epidemia, apoiar mais as pesquisas de ponta sobre dor e dependência e promover melhores práticas no controle da dor.
A comunidade médica também está discutindo estratégias para prevenir a dependência dos pacientes em opioides. Entre elas estão diretrizes sobre a prescrição médicas desses medicamentos, a duração do tratamento e as doses adequadas para cada caso tratado.
“Acabou o tempo em que se escreviam receitas para cobrir trinta dias”, diz Mark Bicket, anestesista e diretor do Programa de Bolsa em Medicina para Controle Multidisciplinar da Dor da Universidade Johns Hopkins.

Kristina Lutz
Kristina Lutz (Arquivo pessoal/Arquivo pessoal)
A mãe de Kristina é prova de que, mesmo os momentos mais trágicos, pode ser necessária uma atitude generosa e pragmática em favor do combate a essa epidemia. Menos de 24 horas depois da morte de sua filha, Lisa recebeu um telefonema dos Institutos Nacionais da Saúde (NHI) pedindo que ela doasse o cérebro de Kristina para um programa de pesquisa sobre doenças mentais e dependência a substâncias químicas.
“Foi uma decisão muito difícil. Mas, no dia seguinte, eu disse sim. Sinto pelos pais que têm filhos sofrendo de dependência e que nunca sabem quando vão receber uma notícia ruim”, afirmou ela”. “É preciso mais pesquisa médica sobre o que funciona para combater isso. Queremos que algo positivo venha do que aconteceu com Krissy.”
*Veja