Se você tem alguma rede social, deve ter lido a palavra cringe nas últimas semanas. O termo em inglês, que se aproxima de uma gíria, quer dizer algo como “vergonha alheia” ou “mico” e é usado para denominar certas atitudes dos mais velhos que os mais jovens consideram vergonhosas.
Na lista tem de tudo: desde o tipo de calça jeans utilizado até o hábito de tomar café da manhã (confira o teste para saber seu nível de cringe nesta página). Porém, apesar do vocabulário e dos memes, a luta das gerações por poder é antiga e tem muito a ensinar.
“Ainda que tenha se colocado no campo do humor, é importante observar que estas ‘brincadeiras’ passam uma mensagem e estão carregadas de significados e de sentidos." explica Eduardo Ramirez Meza, bacharel em Ciências Sociais e mestrando do Programa de Pós-graduação em Estudos Culturais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
"Não podemos esquecer que, por exemplo, a fronteira entre juventude e velhice sempre foi um campo de disputa de poder, e isso tem sido assim em todas as sociedades. Ou seja, o conteúdo é novo, mas o jogo discursivo nada tem de novo”, pontua.
Sua pesquisa de mestrado é sobre as relações de poder entre pessoas idosas e jovens. “O fato é que, ao classificarmos as pessoas e as enquadrarmos em uma ou em outra categoria geracional, o que estamos fazendo na prática é impor ordem e limites, em que cada indivíduo deveria ocupar um lugar a ele projetado pela sociedade de acordo com o seu enquadramento”, completa.
Para compreender melhor, apesar de não existir um consenso no meio científico, a geração Y ou millennial seria, de acordo com o Pew Research Center, formada pelos nascidos entre 1980 e 1996, e a Geração Z a posterior, ou seja, formada pelos mais jovens, criadores do termo cringe.
A polêmica toda surgiu por meio de uma publicação no Twitter, que levantou a discussão sobre o que a população de 30 anos faz que é vergonhoso.
A lista tem gostar de “Harry Potter”, ser fã de “Friends” e da Disney e usar sapatilha e calça skinny (mais apertada).
O carinho pelos anos 1990 – em que a maioria da geração millennial foi criança e adolescente – também é motivo de vergonha alheia, assim como gostar de minimalismo e chamar a cerveja de “litrão”. Até gostar do meme da Pfizer é considerado brega pelos jovens.
A redatora, professora e influencer Mércia Santos (@m_casinha), 26 anos, está na fronteira entre as gerações, pois nasceu em 1995. Porém, para ela não há dúvidas de que seja millennial.
“Eu estou achando tudo muito engraçado, eu nunca tinha parado para pensar nos costumes dos adolescentes de hoje e em como tudo mudou, afinal, parece que foi ontem que eu tinha 17 anos e estava no Ensino Médio”, ri. Ela chegou a incluir uma enquete no perfil, em que compartilha receitas gastronômicas, com fotos que relembram momentos importantes da juventude, como a câmera digital e o início das famosas fotos no espelho, quando nem eram chamadas de selfies.
“Eu acho, sim, que são gerações diferentes. Nós pegamos o início da internet, quando ela estava começando a ser a febre do momento. Já eles nasceram com o mundo tecnológico bombando. De qualquer forma, eu acho que essa discussão que veio à tona foi maravilhosa para trazer as lembranças das modinhas da nossa época, com muito carinho e nostalgia, cada qual no seu tempo, sem embates. Hoje somos nós os cringe, logo mais serão eles”, brinca.
Do outro lado, Júlia Estevam Santos, 23 anos, nasceu em 1997. Do ponto de vista teórico, ela não crê muito na teoria das gerações, mas confessa que se assemelha em muitos pontos com os nativos da geração Z.
“As roupas e o vocabulário também. Eu sempre usei o termo cringe, mas porque para mim sempre foi vocabulário de internet mesmo. Não sou fã de Disney e ‘Harry Potter’ e encaixo exatamente na categoria de quem odeia que falem ‘pagar boleto’ e ‘beber litrão’”, pontua, também aos risos.
Júlia ressalta que entre os colegas da faculdade não há muitas semelhanças, mas em relação aos amigos da internet já é diferente.
“A gente nunca se definiu como gen [geração] Z e antes nem sabíamos que algumas características que tínhamos era [algo da geração]. Os amigos que eu conheci por causa da internet são mais parecidos, mas os amigos que eu tenho na faculdade e no trabalho, não”, confessa.
De acordo com Meza, as regras ditadas pela sociedade não se aplicam de forma igual a todos os indivíduos, por isso, há tantas pessoas afirmando que não se identificam com geração Y ou Z.
“Ainda que, do ponto de vista da subjetividade e da reconstrução de identidades, estas expectativas sejam, em larga medida, introjetadas pelos indivíduos, o imperativo social de que cada indivíduo ocupe, ou não, determinados lugares, bem como que se comporte de acordo com os padrões a ele ditados pela sociedade de acordo com sua categoria geracional, não se realiza da mesma forma para todos, indistintamente”, frisa.
Para ele, é interessante frisar que a internet mostra um discurso que está em disputa e negociação. “Do ponto de vista sociológico, poderíamos apontar inúmeras diferenças entre as pessoas, inclusive, entre aquelas que se encontram no mesmo grupo etário. O que reforça o entendimento de que estamos falando de discursos que se encontram em permanente disputa e negociação”, acredita.
Apesar de engraçado e interessante, é importante sempre ressaltar que somos semelhantes e singulares. “Eu gosto de lembrar que somos, todos nós, diversamente diferentes, mas que somos todos humanos e, neste sentido, somos todos semelhantes – embora singulares”, acredita.
*Correio do Estado
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