Em 5 de agosto de 2009, Jayme Netto Júnior iniciou a mais longa e dura prova de sua vida ao confessar sua parcela de culpa num dos maiores casos de doping da história do atletismo brasileiro. Treinador consagrado com duas medalhas em cinco Olimpíadas, Jayme Netto viu sua carreira desmoronar às vésperas do Mundial de Berlim, quando três de seus atletas foram flagrados em exames antidoping pelo uso de eritropoietina recombinante (EPO), substância que estimula a produção de energia aeróbica. Réu confesso, Jayme chegou a ser banido do esporte, depois de quase 30 anos dedicados ao atletismo, mas a pena foi reduzida. Entre diversas passagens por tribunais e dramas pessoais, o calvário de Jayme Netto chega ao fim depois de sete anos: termina nesta quinta-feira a punição a um dos treinadores mais vitoriosos do atletismo nacional. Aos 55 anos, o técnico quer deixar os problemas para trás e garante: voltará às pistas.
Jayme era treinador da seleção brasileira de atletismo de revezamento 4x100 metros, que faturou a medalha de bronze em Atlanta-1996 e a histórica prata em Sydney-2000. Seu status de mago das pistas sofreu o duro golpe quando Bruno Tenório, Jorge Célio Sena e Lucimara Silvestre, seus atletas da Rede Atletismo, de Bragança Paulista (SP), foram pegos no doping. Jayme alegou que as doses de EPO foram receitadas pelo fisiologista do clube, Pedro Balikian, mas admitiu que tinha conhecimento de que a substância era proibida e concordou com o tratamento mesmo assim. "Cometi o maior equívoco da minha vida.", conta, sete anos depois.
Ele e outro treinador da equipe, Inaldo Justino de Sena, foram condenados a quatro anos de suspensão pela Comissão Nacional Disciplinar (CND) da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt). No entanto, um recurso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) ocasionou o banimento vitalício da dupla, em caso contestado por Jayme. O treinador recorreu ao Tribunal Arbitral do Esporte e teve a pena mantida em quatro anos, que terminou em 2013. No entanto, uma nova suspensão, esta do Conselho Regional de Educação Física (Crefi), o manteve proibido de atuar como treinador até esta semana.
Os primeiros anos de afastamento foram sofridos. Jayme teve depressão, se divorciou e teve de superar a morte do pai. No período mais dramático de sua vida, o profissional formado em Educação Física e Fisioterapia chegou a ficar afastado da função de professor universitário por nove meses até ser readmitido (é professor do departamento de Fisioterapia na Unesp de Presidente Prudente). Jayme mergulhou nos livros, fez diversos cursos e se reinventou. Agora, diz estar animado para retornar à profissão, menos de cinco meses do início da Rio-2016.
Passados sete anos do caso de doping, ainda há algum tipo de remorso?
A repercussão foi exagerada, há muitos casos de doping e nunca houve nada parecido. Não inventei desculpa, não botei culpa na soja contaminada ou qualquer coisa do tipo. Assumi o erro e contei a verdade desde o início, mas parece que isso não é bem aceito nesse país. Paguei por isso, até mais do que deveria, porque houve excesso na minha punição.
Mas o senhor sabia desde o início que se tratava de doping?
Sim, mas quem receitou o EPO foi o doutor Pedro Balikian, que era meu colega, coordenador do departamento de Educação Física da Unesp. Eu sabia da competência dele como fisiologista, nossa relação foi se estreitando e ele sempre me sugeriu alguns tratamentos. Na época, dois atletas estavam com anemia e ele sugeriu um tratamento com eritropoietina. Na hora eu disse: 'Mas isso é doping'. Ele disse que não era doping de velocidade, era para ciclistas, maratonistas, para atletas de provas de longa duração. A função dessa substância era aumentar a hemoglobina e, com isso, tratar a anemia. Depois, ele me convenceu a aplicar um tratamento com doses moderadas, não para aumentar desempenho, mas para auxiliar no tratamento dos atletas. Eu estava extremamente sobrecarregado na época, e me deixei levar pela ambição, dei abertura, perdi o controle. Sabia que era uma substância proibida, mas via pela perspectivava do tratamento. Se quisesse fazer doping, não usaria EPO em velocista. Mas assumo meu erro e já paguei por ele.
Qual é a sua relação com Pedro Balikian hoje?
Quando eu soube do escândalo, ainda na Alemanha, tentei falar com ele para entender o que tinha acontecido. Mas ele nunca me atendeu. Ele foi demitido da universidade e não falei mais com ele.
O senhor se envergonha do que aconteceu?
Eu cometi o maior equívoco da minha vida, mas todos podemos errar, estamos sujeitos a isso. Vergonha é o que acontece no Congresso, no Senado. Na época eu era professor universitário havia 28 anos e nunca tive qualquer problema disciplinar. Fui afastado da universidade e tive de lutar muito para provar que o caso não tinha nada a ver com a função de professor para voltar a trabalhar.
Qual foi o momento mais difícil neste período?
Eu sofri muito, tive depressão, meu pai adoeceu e morreu de câncer. Minha filha também ficou doente, e me divorciei... Passei por muitas dificuldades. Hoje estou equilibrado, de cara limpa e muito mais preparado. Como dizia Nietsche, o que não mata, fortalece. Quando algo assim acontece, temos duas opções: a asa ou a muleta. Eu escolhi a asa.
(Fonte: Veja.com)
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