prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), mudou o discurso e recuou nesta quinta-feira da determinação dada para a Guarda Civil Metropolitana (GCM) de recolher colchões e papelões de moradores de rua da capital. Ele prometeu editar um decreto até este sábado, garantindo a esses cidadãos o direito à posse de artigos pessoais. A população de rua tem se queixado de ter os bens tomados mesmo em dias com recordes de baixas temperaturas.
Para responder às acusações de que mortes de moradoras de rua - foram cinco na última semana, segundo a Igreja Católica - poderiam ter sido precipitadas pelo clima e pela omissão das autoridades, Haddad anunciou também a instalação de tendas para atendimento da população de rua. A acolhida nessas estruturas foi a principal ação na área social da gestão Gilberto Kassab (PSD) para moradores de rua. Mas as estruturas foram desativadas na gestão Haddad e os modelos apresentam diferenças.
Ao anunciar as medidas, o prefeito procurou defender as ações da GCM, alvo de críticas. "Fizemos ampla investigação, de rotas e locais e não há nenhum vínculo entre os óbitos que ocorreram e a ação da Guarda", disse Haddad. "Com o decreto, entendemos que podemos superar eventuais constrangimentos em abordagens que podem ter ocorrido e estão sendo investigados."
Serão quatro tendas, cada uma com capacidade para atender até 250 pessoas. Ficarão na Sé, no Anhangabaú, no Glicério, na região central, e na Mooca, Zona Leste. Conforme dados de 2015, a capital paulista tem 15.000 moradores de rua.
As tendas só vão funcionar à noite, para que as pessoas com saúde em risco não fiquem ao relento. As tendas da gestão anterior consistiam em um local de convivência onde as pessoas passavam o dia. As abordagens de equipes sociais e encaminhamentos para outros programas eram feitos ali. "As tendas anteriores atendiam as pessoas muito precariamente e elas eram uma política de assistência social. Era uma ação permanente. Essas tendas que vamos abrir não são uma política de assistência social. É uma ação emergencial para salvar a vida das pessoas que não estão indo para as unidades de acolhimento por diversas razões. Agora se trata de salvar vidas", disse a secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana Temer.
As estruturas devem ser abertas daqui a duas semanas, quando a prefeitura prevê a chegada de nova frente fria mais intensa. Haverá canil para cães dos atendidos - uma das principais queixas de quem recusa abrigamento. Já o decreto determinará quais objetos podem ser levados por equipes de limpeza ou da GCM nas ruas e em quais situações. Colchonetes e carroças permanecerão com os sem-teto. "Há, talvez, milhares de abordagens por dia. Um decreto como esse é uma garantia de mais transparência para a cidade sobre o que deve ocorrer. Hoje, o controle social é muito fácil de ser feito. Qualquer um pode filmar uma abordagem", disse Haddad. A prefeitura também destacou quatro equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) para atender exclusivamente moradores de rua durante o inverno.
Há um mês, a Defensoria Pública do Estado enviou um termo de ajustamento de conduta (TAC) à prefeitura para suspender a apreensão de bens. Se não fosse assinado, ele se converteria em uma ação civil pública. A gestão Haddad disse que o decreto está sendo escrito de forma a se adequar aos apontamentos feitos pelos defensores públicos, que relatavam uma série de abusos.
"Essas pessoas têm direito de posse de objetos como quaisquer outros cidadãos. Mas, sob o manto da limpeza pública, os agentes públicos retiram os bens. É uma prática que já vem de outras gestões", diz a defensora Daniela Skromov de Albuquerque. "Apenas casos extremos, em que há um objeto não portátil em via pública [como um sofá ou um fogão], é que podem ser abertas exceções", afirma. "Mas isso tem de acontecer com respeito ao Código Processual. O procedimento tem de ser o mesmo que é usado quando se apreende um carro, quando o processado é de classe média", afirma a defensora.
Pedido de desculpas - Ao anunciar as novas medidas para lidar com a população de rua no frio, Haddad até pediu desculpas pelas expressões usadas ao explicar as ações de sua gestão. "Eu me desculpo com as pessoas que eventualmente tenham levado a mal o que eu falei."
Ao comentar ações da Guarda Civil Metropolitana (GCM), que apreendia colchões e papelões de moradores de rua - para, segundo o comandante do órgão, Gilson Menezes, evitar a "privatização do espaço público" -, o prefeito afirmou que a medida era para impedir a "favelização" de praças e pontos de convívio. "O que eu disse é que, quando assumimos, havia dezessete praças da cidade que tinham comunidades de barracas, onde a dificuldade de abordagem tanto da Guarda quanto da assistência e dos agentes comunitários de saúde se dava pela presença do tráfico", disse o prefeito.
Haddad afirmou que, em locais onde há presença de traficantes de drogas, os agentes sociais não conseguem interagir com o público-alvo e a presença de estruturas físicas nas praças e outros pontos facilitava a ação dos traficantes - e era isso que, segundo ele, se queria evitar. "As praças foram desocupadas sem confrontos", afirmou.
*Com Estadão Conteúdo
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