Diante da perspectiva de uma batalha judicial que pode durar anos, o médico americano Christopher Brann decidiu recorrer ao Congresso dos Estados Unidos para tentar conseguir a volta ao país de seu filho N., de 6 anos, com uma brasileira. Em julho de 2013, o garoto foi passar férias no Brasil com a mãe, Marcelle Guimarães, e não voltou. Naquele ano, a brasileira obteve a guarda do filho na Justiça da Bahia.
No mês passado, Brann relatou seu caso em uma audiência na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos sobre a aplicação da lei que estabelece punições aos países que desrespeitarem a convenção internacional sobre a guarda de menores. No Congresso, ele também se reuniu com assessores do senador Ted Cruz, que foi derrotado na disputa pela candidatura do Partido Republicano à presidência dos EUA.
Dias depois do encontro, Cruz bloqueou o processo de aprovação do novo embaixador americano no Brasil, Peter McKinley. O Congresso americano está em recesso e o gabinete do senador não revelou a razão da decisão. Mas uma fonte ligada ao caso disse ao Estado que a suspensão da nomeação foi motivada pelo descumprimento, por parte do Brasil, dos dispositivos da Convenção de Haia. Cruz é senador pelo Texas, mesmo Estado onde vive o pai do garoto.
Além da pressão sobre o Congresso, Brann e pais de outras sete crianças levadas ao Brasil enviarão carta ao secretário de Estado, John Kerry, na qual pedirão a aplicação das penalidades previstas no ato Sean Goldman. Aprovado em 2014, esse ato foi batizado com o nome do garoto que esteve no centro da mais célebre de disputa sobre guarda de crianças entre os EUA e o Brasil.
Entre as sanções previstas estão o cancelamento de reuniões, cooperação ou visitas bilaterais e a suspensão de assistência nas áreas de segurança ou desenvolvimento. “O governo do Brasil permitiu que o país se tornasse um porto seguro para o rapto de crianças, em flagrante violação de suas obrigações internacionais”, afirmam os pais na carta.
A Convenção de Haia estabelece que disputas sobre guarda de menores devem ser resolvidas pela Justiça do país onde a criança tem seu domicílio habitual. Os pais de N. se divorciaram no Texas em 2012, e a Justiça local estabeleceu na época que a guarda da criança seria compartilhada.
Em setembro de 2013, o advogado de Brann, Sérgio Botinha, iniciou no Brasil uma ação de busca, apreensão e restituição de menores, com base na Convenção de Haia. Apesar de o tratado estabelecer que os casos do tipo devem ser julgados em até seis semanas, a decisão final foi proferida quase dois anos mais tarde, em 15 de julho de 2015. Derrotado, o pai recorreu ao Tribunal Federal Regional da Primeira Região.
No Congresso americano, Brann espera repetir a estratégia usada em relação a Sean Goldman, levado ao Brasil em 2004 e entregue ao pai americano em dezembro de 2009, depois da morte de sua mãe brasileira. Naquele caso, o deputado de New Jersey Chris Smith apresentou projeto de lei que suspendia o Brasil do Sistema Geral de Preferências (SGP), um programa que dá isenção tarifária para exportações aos Estados Unidos.
No ano passado, esses embarques somaram 2,3 bilhões de dólares, o equivalente a 10% das vendas brasileiras ao país. Smith retirou a proposta depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a volta de Sean aos Estados Unidos, em dezembro de 2009.
Em entrevista, Brann disse que fez um apelo a parlamentares do Texas: “Eu quero que vocês façam por mim o que foi feito por Sean Goldman”. “A menos que o Brasil seja compelido financeiramente por meio de sanções ou pela revogação do Sistema Geral de Preferências, essas crianças não voltarão.”
O Departamento de Justiça dos EUA diz que o maior problema no cumprimento da Convenção de Haia pelo Brasil é a demora do Judiciário nacional em resolver as disputas. “Nós mencionamos repetidamente esses atrasos em nosso relatório anual sobre a abdução internacional de crianças”, disse uma fonte diplomática americana. A convenção determina o retorno imediato da criança ao país em que ela residia, caso sua remoção tenha contrariado os dispositivos do tratado.
Entre as exceções a essa regra estão o risco de o menor ser submetido a grave risco no país de origem e o fato de já estar ajustado a seu novo ambiente – mas esta última hipótese se aplica apenas se o pedido de restituição for apresentado em prazo superior a um ano. Brann iniciou o processo em dois meses.
Em nota, o Itamaraty informou que o caso é considerado “prioritário” pela Embaixada do Brasil em Washington e que tem mantido contato com as autoridades norte-americanas sobre o tema. Questionado sobre um eventual cancelamento do Sistema Geral de Preferências, o Itamaraty comunicou que “não comentará o cenário hipotético”.
A coordenadora-geral da Autoridade Central, Natália Camba, disse que considera que cabe ao Poder Judiciário brasileiro decidir, por mandato constitucional, “as controvérsias a ele submetidas com definitividade e sob o crivo dos princípios do contraditório e ampla defesa”. “Aguarda-se que brevemente seja proferida decisão pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, para que se possa obter posição, em 2ª grau de jurisdição, sobre o caso”, afirmou Natália. A coordenadora-geral da Autoridade Central destacou que tem atendido os requerimentos dos pais da criança, além de prestar às autoridades norte-americanas as informações solicitadas.
*Com Estadão Conteúdo
Mín. 23° Máx. 39°