Ambientes naturais delicados e de fundamental importância ecológica para a biodiversidade da Serra da Bodoquena e do Pantanal, os banhados do rio Formoso e do rio da Prata, localizados em Bonito e Jardim, vêm sofrendo degradação ao longo dos anos, causando prejuízos para o turismo, principal gerador de empregos da região.
A prefeitura de Bonito, por sugestão da Fundação Neotrópica do Brasil e do Conselho de Meio Ambiente do Município, está empenhada, desde o início deste ano, em transformar essas áreas úmidas em unidades de conservação, mas proprietários rurais das fazendas afetadas, representados pelo Sindicato Rural, tentam barrar a proposta judicialmente.
Enquanto o imbróglio jurídico aguarda um desenrolar, pesquisadores de várias áreas são consensuais quanto à necessidade de tornar as áreas úmidas da Serra da Bodoquena efetivamente protegidas, já que o Código Florestal permite o uso do solo nessas áreas, desde que o órgão ambiental estadual - o Imasul - conceda o licenciamento.
Para o botânico Arnildo Pott, professor da UFMS, aos olhos dos leigos, essas paisagens não são representativas, mas guardam verdadeiros tesouros da biodiversidade. “Quem olha de fora, pensa que é somente um capinzal. Parecem áreas monótonas, mas nessas áreas há mais de 500 espécies de vegetais e uma diversidade de vida animal associada às plantas: insetos, aves que fazem ninhos ou se alimentam ali, além de mamíferos de grande e pequeno portes”, diz Pott.
Ele reforça que o mau uso dessas áreas, que são cabeceiras dos rios Formoso e da Prata, afeta diretamente o Pantanal: “Esses brejos acumulam uma terra preta encharcada que são restos dos vegetais. O acúmulo dessa matéria orgânica funciona como estoque de água, como uma esponja que armazena água para o ano inteiro. Essa água flui limpa e é a razão da perenização dos rios. A drenagem desses sistemas rebaixa o nível de água do solo, ele fica arejado e esse material orgânico se oxida. Ou seja, ele se queima sem chamas e não funciona mais como esponja”.
“Ainda vemos os proprietários rurais deixarem gado beber água nos córregos. Isso vai solapando, entupindo, estragando as plantas que protegem as áreas úmidas. Daí a necessidade de conservá-las. As valas de drenagem devem ser fechadas para que o ecossistema de nascente possa se recuperar”, sublinha Pott.
Para José Sabino, biólogo e coordenador do projeto Peixes de Bonito, que estuda a ecologia e o comportamento de peixes da Serra da Bodoquena, os banhados são ecossistemas vitais para a manutenção da biodiversidade ao longo do curso dos rios:
“Esses ambientes são áreas de alta produção primária, porque a lâmina d’água é muito pequena, então há muita exposição à luz, o que gera grande produção de microalgas e organismos da base de cadeias alimentares. Há peixes de pequeno porte, uma fabulosa diversidade de invertebrados que vive associada às plantas e ao leito desse tipo de ambiente, e todo esse conjunto fornece um aporte de energia. Do ponto de vista alimentar, os banhados são a base de grandes cadeias alimentares.”
Sabino descreve como o ciclo de chuvas regula a entrada e saída de água dos banhados e que, embora não tenham sido mensuradas consequências nas áreas em questão, o conhecimento científico sobre o assunto indica que os drenos devam causar impacto negativo:
“Drenando rapidamente a água, há o risco de secar e matar totalmente a várzea. Inundá-la excessivamente alteraria a lâmina d’água, diminuindo a penetração de luz e por consequência a fotossíntese. Por precaução, o correto seria manter a dinâmica natural dos sistemas, sem drenos que possam acelerar ou diminuir o fluxo, estando a montante ou a jusante do banhado”, finaliza.
*Correio do Estado
Mín. 22° Máx. 34°