Era 1º de setembro quando o ministro Dias Toffoli elogiou reservadamente o desempenho de advogados que tentaram, da tribuna, convencer o Supremo Tribunal Federal (STF) a não permitir a execução de penas em segunda instância. “Belas sustentações”, disse o ministro, impressionado. “Bonitas, impressionantes”, emendou o então presidente do STF Ricardo Lewandowski. Instantes antes, o advogado Técio Lins e Silva, presidente nacional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), tinha acabado de defender a tese de que prender condenados em segunda instância massacraria de imediato pobres que lotam o sistema carcerário brasileiro. Por sua lógica, sem bons advogados, ou sem acesso a qualquer advogado, os detentos passariam a cumprir pena mesmo que ainda houvesse a possibilidade de recursos – ou na hipótese mais extrema, mesmo que inocentes.
“Ao contrário do que tem sido dito, os principais atingidos pela decisão desta Suprema Corte, que permitiu a execução da pena provisória de prisão após a confirmação da sentença pela segunda instância, são os pobres e negros que integram a população carcerária que lota o sistema penitenciário do país, e não uma meia dúzia de ricos presos pela Operação Lava-Jato”, disse. Lins e Silva é um dos signatários de um manifesto contra a Operação Lava-Jato, defensor da tese de que as investigações sobre o petrolão são “piores que a ditadura” e de que os procuradores que atuam em Curitiba nos processos relacionados ao rombo na Petrobras são “tarados” e “talibãs”. Técio Lins e Silva também atuou na defesa do ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar, amigo do ex-presidente Lula e responsável por acompanhar o petista em viagens para lobby internacional em favor da empreiteira.
A partir das 14h30 desta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal voltará a discutir se é constitucional ou não permitir o início do cumprimento da pena depois da condenação em segunda instância. Entre advogados, a expectativa é que seja possível reverter o placar de sete votos a quatro, que permitiu que o réu comece a cumprir a pena desde o segundo grau. Em fevereiro, seguindo o voto do relator, Teori Zavascki, outros seis ministros, entre eles Toffoli, entenderam que a pena já pode ser executada na segunda instância porque é nesta fase que se esgota a produção de provas. Aos tribunais superiores, caberiam discussões de Direito, com pouca possibilidade de reversão da sentença.
Hoje, a avaliação de advogados é que há um ponto de inflexão no Supremo, com a possibilidade de mudança dos votos de Dias Toffoli e de Gilmar Mendes. Ambos votaram favoravelmente à execução da pena em segunda instância. Outro voto aguardado é o da ministra Rosa Weber, que, quando o STF julgou o caso em fevereiro, disse que não tinha condições de “contra argumentar” o tema.
Naquele dia 1º de setembro em que o STF voltou a discutir o tema, os mais importantes criminalistas do país, com suas bancas atuando fortemente na defesa de empresários encrencados com a Lava-Jato, ocupavam o plenário do Supremo. Alegavam que derrubar a possibilidade de execução de pena em segunda instância “não é para defesa dos ricos”. “É para proteger a clientela anônima do sistema de justiça federal”, insistia Lins e Silva. Nenhum deles, por certo, tocou no ponto nevrálgico da discussão: permitir que recursos ad infinitum atrasem o cumprimento da pena garante sobrevida a praticamente todos seus clientes da Lava-Jato. E mais: trava de vez acordos de delação premiada negociados há meses com o Ministério Público.
O ex-presidente do Grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, por exemplo, dificilmente levariam suas delações adiante caso recebessem a certeza do STF de que as penas que receberam só começariam a ser cumpridas em um futuro longínquo. Ambos já foram condenados pelo juiz Sergio Moro, mas negociavam contar o que sabem do esquema de corrupção na Petrobras em troca de redução de pena. Outros delatores também aguardam o julgamento de hoje para definir se continuam ou não a discutir seus acordos de delação.
Desde a retomada do tema à discussão, uma proposta paralela ganhou força e pode ser a alternativa a ser apresentada hoje no Supremo: a de que a execução da pena possa ocorrer após o julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A iniciativa significaria que um tribunal superior teria confirmado a condenação do réu. Mas mais do que isso, esse “meio termo”, costurado também por advogados criminalistas que atuam na Lava-Jato, garantiria sobrevida aos réus do petrolão. Depois de os recursos se arrastarem na primeira e na segunda instância, seriam escrutinados pelo STJ, um tribunal que demora, em média, cinco anos para concluir o trâmite de uma ação penal. Com esse horizonte de um figurão de empreiteira temporariamente não correr o risco de expiar a culpa atrás das grades, não haveria, na avaliação de advogados, razão para os delatores de hoje correrem para fechar colaborações com a justiça.
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