O número de casamentos homoafetivos deve ser recorde neste ano. É o que mostra um levantamento exclusivo do g1 com dados fornecidos pela Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais). A previsão é que 2021 tenha mais de 10 mil casamentos de pessoas do mesmo gênero. Com isso, a marca de 2018 deve ser superada.
Até agora, foram 8.607 casamentos de janeiro a outubro de 2021. Considerando a média mensal, a estimativa é passar dos 10 mil casamentos homoafetivos neste ano. Em 2018, foram 9.520.
Dois fatores também podem elevar ainda mais esses números: dezembro costuma ser o mês com mais casamentos e a melhora na pandemia, com alta taxa de vacinação.
Há 10 anos, em 2011, um julgamento no Supremo decidiu a favor da união estável de casais homoafetivos. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça publicou uma resolução que ampliou a decisão para todo o país e exigiu que os cartórios realizassem os casamentos.
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Para Thiago Amparo, professor de direitos humanos da FGV Direito SP, o caso do Brasil é bastante atípico. Segundo ele, a solução encontrada é um indicativo da dificuldade do reconhecimento dos direitos LGBTs no país e da resistência de parte da sociedade.
"O STF reconheceu que houve omissão do Legislativo e que deveria ter o reconhecimento da união estável para casais homoafetivos. Depois, o CNJ entendeu que precisava uniformizar a atuação de cartórios no país. Havia uma bagunça de alguns lugares aceitando e outros não, o que abria margem para discriminação e insegurança jurídica."
"A grande vantagem é que o casamento deixa muito claro o início e o fim do regime de bens e isso evita a discussão se houve ou não união estável. Ali tem uma manifestação expressa que traz segurança jurídica para a questão de filhos ou mesmo se eventualmente acontecer um acidente", afirma a diretora da Arpen Andreia Ruzzante Gagliardi.
Em entrevista ao g1, Victória Martinez e Leticia Gonzalez contam por que escolheram se casar em 2018, após a eleição de Jair Bolsonaro. “A gente ficou com medo de perder os nossos direitos, de não poder casar, de as coisas retrocederem, de os nossos filhos não terem os mesmos direitos”, diz Leticia.
Legenda: Leticia Gonzalez e Victória Martinez se casaram em 2018, após a eleição de Jair Bolsonaro — Foto: Celso Tavares/g1
A festa estava planejada para 2020, mas foi adiada por causa da pandemia. “A gente já tem os vestidos, estão guardados em uma caixa. Depois, a gente tem que colocá-los na mala e viajar pelo mundo. Vacinadas”, afirma Victória.
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Não foi fácil se abrir e contar sobre a orientação sexual para a família, contam Willian e Thiago. Ambos são de família evangélica e tiveram dificuldade ao descobrir que se interessavam por homens. “Eu era da igreja evangélica. Eu tinha 15 anos, fiquei uma semana chorando e dizendo para Deus me levar”, conta Willian ao g1.
Legenda: Willian Alsan e Thiago Alsan vão completar 8 anos juntos em abril de 2022 — Foto: Celso Tavares/g1
“Começaram a falar que eu era homossexual, que eu estava ficando com meninos. Mas eu não estava ainda. E aí eu falei: quer saber? Eu já estou com a fama e não fiz nada. Eu estou curioso, então eu vou testar para ver se é isso mesmo que eu gosto”, diz Thiago.
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Mesmo com a pandemia – a segunda onda atingiu o país com força no primeiro trimestre –, o número de casamentos homoafetivos deve bater recorde em 2021. Todos os meses com mais casamentos foram no segundo semestre. Havia uma melhora na pandemia e a taxa de vacinados estava mais alta.
Em 2020, isso não foi diferente. Dezembro teve o pico de casamentos do ano (1.150). Já abril de 2020, mês seguinte ao anúncio da pandemia, registrou apenas 301.
O mês com mais casamentos na série histórica foi dezembro de 2018. Naquele momento, 3.098 casais homoafetivos subiram ao altar. A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 provocou uma corrida aos cartórios. Todos os meses seguintes ao pleito registraram grande alta no número de casamentos.
Na época, advogados afirmaram que havia chance de perda de direitos para casais homoafetivos e recomendaram a oficialização do matrimônio. Alguns casais também optaram por oficializar a união como uma forma de protesto diante do cenário político.
No Brasil, os casamentos homoafetivos foram mais de mulheres (54%) do que de homens (46%). Desde 2013, o número de mulheres foi superior ao de homens em quase todos os anos. A exceção foi 2020, quando pela primeira vez os homens se casaram mais. Não há dados sobre o gênero dos casais para os anos de 2011 e 2012.
O mês mais cobiçado pelos casais homoafetivos e também pelos casais héteros é dezembro. "Apesar de todo mundo falar que maio é o mês das noivas, em dezembro tem o recebimento do 13º e as férias. Neste ano a gente ainda tem a demanda reprimida por causa da pandemia", diz Andreia Ruzzante Gagliardi.
Apenas em 2019 e 2011 o pico do ano não foi registrado em dezembro. O mês com mais casamentos em 2019 foi janeiro, ainda impactado pela debandada causada pelas eleições. Já 2011 teve a sua máxima registrada em julho, dois meses após a decisão do STF sobre a união de casais homoafetivos.
Em números absolutos, São Paulo é o estado que reúne o maior número de casamentos no país. Somente de 1º janeiro até 31 de outubro deste ano foram 2.788 casamentos homoafetivos em SP.
Considerando a população adulta de cada unidade federativa, porém, o Distrito Federal tem apresentado nos últimos anos a taxa mais alta do país. Em 2020, por exemplo, o Brasil registrou 5,1 casamentos homoafetivos por 100 mil adultos. Já a taxa do DF foi 13,8.
Os dados sobre o casamento homoafetivo foram fornecidos pela Arpen por UF, mês e gênero para os anos de 2013 a 2021. Para 2011 e 2012, a Arpen forneceu dados do Colégio Notarial do Brasil (CNB) sobre uniões estáveis para casais homoafetivos por UF e mês. O IBGE também publica esses dados na seção das Estatísticas do Registro Civil, mas com um atraso de cerca de um ano.
"Os dados compilados pela Arpen-Brasil são alimentados em tempo real pelos 7.565 cartórios de registro civil do país, que devem, obrigatoriamente, enviar seus dados de nascimentos, casamentos e óbitos para a central de informações, base de dados instituída pelo provimento nº 46 do CNJ e administrada pela Arpen-Brasil", diz a entidade, em nota.
"Os cartórios também informam trimestralmente o IBGE, que por sua vez realiza uma série de estudos populacionais com base nesses dados fornecidos, mas que só são divulgados no ano seguinte à sua compilação, em razão da metodologia adotada pelo instituto", afirma a Arpen.
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