Durante a vida, não é preciso uma pesquisa profunda para ver que mulheres são maioria em muitos cenários. Primeiro é no cuidado com os filhos, na fila da vacina, na reunião da escola. Depois quando surgem as tretas da adolescência e até mesmo as primeiras conquistas. Mas a prova vem quando alguém que essas mulheres amam enfrenta desafios. Seja um familiar, amigo ou um grande amor.
Não é à toa que já mostramos aqui no Lado B que as mulheres são maioria das escolas até à fila dos presídios. Hoje vamos mostrar alguém que na estrada da vida, é feliz ao estar presente no começo, meio e fim da jornada do ser humano.
O nome dela é Núbia Daniela De Souza Calaça, de 39 anos. O substantivo guerreira caberia bem no seu sobrenome. Quem olha o sorriso largo e tem a sorte de ouvir de perto sua gargalhada gostosa, nem imagina os perrengues que ela já viveu. Mesmo assim, nada é capaz de fazer Núbia desistir das pessoas, mesma que muitas se sintam no fim da estrada.
Há alguns anos, ela se tornou cuidadora de idosos e passou a transformar a vida de seus pacientes, mostrando que é possível viver e ir contra ao sentido tão difundido por aí do que é ser velho.
É claro que na maioria dos casos, os pacientes de Núbia se encontram em um cenário repleto de limitações, mas ela não deixa que a barbárie do abandono seja potencializada pela indiferença aos mais velhos.
Núbia é mais que uma cuidadora. Tornou-se ao longo do tempo amiga e confidente de seus pacientes, ainda que muitos nem falem mais por conta do Alzheimer e de diferentes limitações. No entanto, o diálogo da cuidadora é feito com o olhar e com o toque.
Independente do cenário, seja a sala de casa ou um restaurante, ela não se acanha em abraçar, conversar durante horas, fazer as mesmas perguntas ou até mesmo sentar no chão para tirar do idoso um sorriso que há tempos vem sendo escondido.
Núbia é do tipo que pega um carro e leva o paciente para tomar um ar fresco ou sentar numa lanchonete para tomar o suco preferido em uma tarde qualquer.
Os anos de experiência também levaram a cuidadora ao patamar de combatente. “Já denunciei muita família por abandono e maus-tratos”, conta. “Também já bati muita boca com familiar que ousava falar mal e menosprezar o idoso. Eu não tenho medo de ninguém, o que eu tenho é amor pelos meus idosos. E na profissão de cuidadora, nossa missão é cuidar do idoso da melhor forma. E o primeiro caminho é o amor”.
Núbia sai de casa de mala pronta para ser mulher, mãe, amiga e cuidadora
A admiração pelo ofício começou em 2000, lembra Núbia, quando esteve acompanhando o pai internado durante 27 dias no Hospital Universitário.
“Eu via assistentes sociais de um lado para o outro à procura de familiares de idosos que ali se encontravam sem acompanhante. Nesse período, eu saía do leito do meu pai para ajudar, dar um banho, trocar uma fralda, dar uma comida, porque via o quanto os enfermeiros estavam corridos e se desdobravam para atender os pacientes”.
Após 27 dias o pai faleceu, mas antes de morrer fez um pedido à filha. “Ele queria que eu fizesse uma faculdade, Matemática ou Economia. Optei pela economia e consegui me formar para realizar o sonho dele. Meu pai foi uma pessoa ausente, mas consegui resgatar mais de 20 anos de vida em 27 dias. Só que, anos mais tarde, eu decidi fazer Técnico em Enfermagem e me apaixonei pela área”.
À época, Núbia era casada e vivia um relacionamento conturbado com o ex-companheiro. Chegou a sofrer violência doméstica antes de conseguir o divórcio. Sozinha, ouviu que não teria condições de criar os filhos. “Naquela época afirmei que eu poderia ficar sem comer, mas meus filhos nunca passariam fome”.
Núbia trabalhou na área da limpeza, depois em uma rede de supermercados até conseguir ser indicada para cuidar de idosos. “Eu abracei uma família que chegou da Polônia com familiar acamado e assim eu consegui me inserir no mercado”.
Sem nada que desabone os seus cuidados, Núbia viu seu nome rodar hospitais e consultórios de Campo Grande. “Passei a ser indicada por muitos médicos e enfermeiros a diversas famílias”.
Hoje ela trabalha quase todos os dias, encara plantões de 24 até 72 horas. Divide o tempo com os filhos, o lar e os idosos que cuida. “Tem gente que me pergunta como eu aguento, lembro então que sou sozinha e preciso cuidar dos meus filhos. Isso é minha maior força”.
O trabalho nem sempre é fácil. “Às vezes, fico mais tempo na casa dos idosos, que hoje são minha segunda família. Mas, o meu maior prazer é vê-los todos bem cuidados, ainda que alguns tenham perdido suas referências ou estejam acamados. Todos merecem ter uma rotina de cuidados, amor e carinho”.
A maior dor é a despedida. “Tenho muitas lembranças de idosos que já partiram e outros mudam para outro estado. Meu coração morre de saudade. Lembro-me das histórias, dos aprendizados, dos desafios, do crescimento”.
Se alguém acha que a velhice de alguns não tem mais nada a acrescentar, Núbia bate o pé e discorda. “Eu aprendo muito com eles, todos os dias. Em cada retorno para casa vivo um renascimento”.
Toda essa força para cuidar idosos e transformar uma fase tão sensível da vida, Núbia também atribui à mãe.
Nossa mãe sempre nos ensinou que a arte de ensinar não é só através de um certificado, mas também do amar, tocar e olhar. Ela sempre nos ensinou olhar com o coração e não pela forma rentável. Nós mulheres somos a massa capaz de fazer a diferença em qualquer lugar e temos de lutar juntas por isso. Cuidar é que me torna uma mulher mais feliz ”.
Além de Núbia, uma irmã e duas sobrinhas também são cuidadoras experientes. Agora, até a filha de 18 anos decidiu encarar a mesma jornada, orgulhosa da transformação feita pela mãe.
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