A nova Eletrobras privatizada terá condições de elevar sua capacidade de investimentos para R$ 15 bilhões ao ano, para torná-la num futuro próximo a maior empresa global em eletricidade renovável, disse à Reuters o novo CEO da empresa, Wilson Ferreira Jr.
Ele foi escolhido na sexta-feira (5) para voltar ao comando da companhia a qual presidiu entre 2016 e 2021 após a eleição de um novo Conselho de Administração da elétrica, que terá Ivan Monteiro, ex-presidente da Petrobras, como chairman.
No ano passado, Ferreira deixou a então estatal elétrica para assumir a presidência da distribuidora de combustíveis Vibra, mas recentemente anunciou que iria se desligar da empresa, a despeito de várias iniciativas que colocaram a ex-BR na direção do mercado de eletrificação e renováveis.
Ferreira, que toma posse em 20 de setembro, foi um dos idealizadores do processo de capitalização da Eletrobras, que foi consumado em junho deste ano depois de muitas discussões, em uma operação que movimentou mais de R$ 30 bilhões, transformando a companhia em uma corporação com múltiplos investidores.
“Agora, com uma governança privada, com capacidade de investir cerca de R$ 15 bilhões ao ano… É muito positivo”, disse Ferreira.
Essa capacidade de investimento anual citada, o triplo do investido em 2021, está associada ao novo perfil de investidores, a compromissos da empresa e ao nível de alavancagem relativamente baixo da companhia.
Desde que atuou como CEO da Eletrobras, a redução da dívida e o “enxugamento” da empresa, tanto em custos quanto em funcionários, estiveram entre os principais objetivos do executivo.
“Acho que a Eletrobras terá condições de aumentar os investimentos muito rápido, até porque a empresa está bem desalavancada”, disse ele.
A alavacagem da Eletrobras caiu de forma acentuada com o processo de reestruturação conduzido por Ferreira a partir de 2016, que incluiu a venda de distribuidoras deficitárias, melhorias de eficiência e corte de custos.
O índice de dívida líquida sobre Ebitda passou de 3,6 vezes em dezembro de 2016 para 1,0 vez em março deste ano.
No lado dos investimentos, a Eletrobras vinha investindo abaixo do necessário para manter sua relevância no setor elétrico brasileiro, e também aquém de seu próprio orçamento.
Em 2021, a companhia investiu cerca de R$ 4,7 bilhões, ante R$ 8,2 bilhões orçados, com frustrações relacionadas principalmente à usina nuclear de Angra 3, seu principal empreendimento.
Apesar de a discussão ter reacendido recentemente, não é a primeira vez que a privatização da Eletrobras vira tópico de debate na política e sociedade. Conheça a história da companhia, da sua criação até a MP 1.031/2021
Em 1961, o presidente Jânio Quadros assinou a Lei 3.870-A, que autorizava a construção das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. A instalação da empresa ocorreu oficialmente em 1962, pelo presidente João Goulart—nascia, então, a Eletrobras
Após a posse do presidente Fernando Collor de Mello em 1990, foi anunciado o “Plano Brasil Novo”, que instituiu, entre outras medidas, a MP 155/90. Ela implementava o Programa Nacional de Desestatização (PND) que, como o nome já diz, visava transferir atividades exercidas pelo setor público ao setor privado
A Eletrobras foi incluída no plano, e as reformas institucionais e privatizações na década de 1990 acarretaram a perda de algumas funções da estatal e mudanças em seu perfil. Ela só foi removida do PND em 2004 --e adicionada novamente em 2021
Em 2012, a MP579 mudou completamente o rumo da companhia. A medida provisória propunha a renovação antecipada de uma série de usinas hidrelétricas, com a condição do regime de cotas
Isso significa que a empresa passa a ser obrigada a vender energia pelo preço que cobria basicamente o custo de operação e manutenção daquelas plantas. Quando não estão submetidas a ele, o preço de mercado da energia elétrica cobrados pelas usinas chega a R$180/MWh. Nas usinas que estão sob o regime, o valor fica em torno de R$60/MWh. Na Eletrobras, cerca de 40% da energia vendida acabava saindo por esse preço
Além disso, a MP cortou cerca de 70% das receitas da companhia em transmissão. Isso provocou uma queda de R$10 bilhões no faturamento da Eletrobras, que somadas à crise econômica e ambiental, quase levaram a empresa à falência.
Em 2016, Wilson Ferreira Júnior, CEO escolhido pelo então presidente Michel Temer, melhorou o cenário da empresa com um projeto de "turnaround"
Ele demitiu cerca de 53% dos funcionários da companhia, reduziu para menos da metade o número de subsidiárias e ordenou a venda das distribuidoras de energia da empresa --a medida mais polêmica do projeto. Isso fez com que o PMSO— ou seja, as despesas gerenciáveis da empresa com pessoas materiais, serviços e outros— fosse de RS$ 12 bilhões em 2016 para RS$ 9 bilhões em 2020
Em 2018, a empresa volta a ser tópico de discussão em todo o país: Temer deu o primeiro passo legal para a privatização da empresa, enviando ao Congresso o PL 9463/2018. Ele argumentava que a Eletrobras estava perdendo espaço para a iniciativa privada e, diante do acúmulo de dívidas, tornava-se custosa para a sociedade. O projeto ficou parado e nem sequer chegou à fase de votação
O presidente Jair Bolsonaro (PL) reacendeu a discussão em 2019, com o PL 5877/2019. Esse projeto buscava demonstrar, assim como o anterior, o decaimento da estatal, sua perda de espaço no mercado e seus custos ao contribuinte. Mas ele também ficou parado no Poder Legislativo
Em 2021, em um cenário que o governo julgou de relevância e urgência, a MP 1.031/2021 foi editada. Na foto, vemos o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, o presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante declaração após entrega da MP
A ideia é a seguinte: a Eletrobras é uma empresa de capital misto. Como o governo detém 60% de seus papéis, ela é considerada uma empresa estatal. A MP propõe reduzir a participação da União para menos de 50%, por meio da venda de novas ações no mercado
A capitalização da Eletrobras foi aprovada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O processo foi finalizado em junho de 2022, em uma operação que movimentou mais de R$ 30 bilhões
Hoje, a Eletrobras é responsável por 1/3 da energia elétrica do Brasil. Ela detém 43% das linhas de transmissão, e cerca de 29% da geração de energia do país –fazendo dela a maior companhia do setor elétrico da América Latina
Com a dívida “sob controle” e livre de ativos deficitários, a Eletrobras vai mirar numa expansão baseada em energia renovável, disse Ferreira Jr..
A empresa tem um robusto parque de geração hidrelétrica, mas uma tímida participação em ativos eólicos e solares.
Um dos alvos do plano de investimentos da empresa será o retorno aos leilões de energia. Quando estatal, a Eletrobras perdeu fôlego para investir e ficou de fora de certames de geração e transmissão promovidos pelo governo.
“A Eletrobras não vinha participando dos leilões do setor porque não tinha capacidade financeira para investir. Agora, com a privatização, vai poder voltar a participar”, adicionou ele, ao citar que a participação da empresa aumentará a concorrência, abrindo espaço para eventuais reduções nos preços da energia.
“Nós teremos condições de demonstrar o acerto da privatização –via a capitalização no mercado de capitais–, criando a maior empresa de energia brasileira de energia renovável do mundo”, afirmou, acrescentando que o objetivo é ter também as melhores práticas ESG (ambientais, sociais e de governança).
Atualmente, o parque gerador da Eletrobras é composto majoritariamente por hidrelétricas, com 49 usinas somando 46,3 gigawatts (GW) de capacidade instalada.
Já as tecnologias eólica e solar, que têm maior potencial de crescimento na matriz, compõem apenas 0,7 GW do portfólio atual da Eletrobras, enquanto o parque térmico (excluindo nuclear que passou à nova estatal) soma 1,5 GW.
A possibilidade de uma expansão internacional da companhia também poderá ser avaliada, de acordo com o executivo, citando que o novo conselho deve ditar o rumo.
Ele disse estar confiante na valorização das ações nos próximos 12 meses, “fruto das evidências de sua melhora de performance e transparência”.
O processo de privatização foi consumado a poucos meses das eleições presidenciais que podem mudar os rumos do país, incluindo a política energética brasileira.
Mas Ferreira acha “quase impossível uma reversão” dos rumos da Eletrobras, citando mecanismos que tornam muita cara uma recompra de ações pelo Estado.
Ele citou as chamadas “poison pills” incluidas nas regras da privatização para proteger acionistas minoritários.