Um mês e meio depois dos ataques às sedes dos três Poderes, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que o golpismo no Brasil “sofreu uma derrota, mas não foi extinto”.
Em entrevista ao Estadão, Dino afirmou que, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tiver problemas na economia, os atos antidemocráticos podem voltar à cena.
“A pergunta é: o governo Lula vai melhorar a vida do povo brasileiro? Se a resposta for sim, o golpismo tende a ser uma força declinante. Se o governo enfrentar dificuldades no resultado, aí abre espaço para a emergência do golpismo”, argumentou Dino.
O ministro revelou que um dos presos ainda em dezembro estava recebendo instruções para dar um tiro de fuzil no dia da posse de Lula, em 1º de janeiro, e comparou a extrema direita do Brasil ao movimento nos Estados Unidos.
“Assim como eles estão tentando retomar o espírito do Capitólio com (Donald) Trump, vão tentar retomar o espírito de 8 de janeiro com Bolsonaro”, disse Dino, numa referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está nos EUA há quase dois meses.
Esse ethos golpista, terrorista, do vale tudo, continua aí, num estado de latência, eu diria. Ele pode emergir de novo? Em curto prazo, não creio. Mais adiante, acho que a chave está nas nossas mãos. A pergunta é: o governo Lula vai melhorar a vida do povo brasileiro? Se a resposta for sim, o golpismo tende a ser uma força declinante. Se o governo enfrentar dificuldades no resultado, aí abre espaço para a emergência do golpismo.
Basta você olhar, por simetria, o que acontece nos Estados Unidos. É quase um efeito rebote, um eco. Essa extrema direita brasileira age quase como espelho do que se dá nos Estados Unidos. Assim como eles estão tentando retomar o espírito do Capitólio com Trump, eles vão tentar retomar o espírito de 8 de janeiro com Bolsonaro. Terão espaço social? Hoje, não têm. Mais adiante, depende do desempenho do governo.
Da economia, do social, da capacidade de distensionar relações, da cultura cívica. De uma forma geral, o governo deu boas respostas aos desafios que foram postos. Estamos atentos.
Não só. Tem algumas pessoas da cadeia de comando. O Anderson Torres (ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal) está preso. Sobre ele pesam acusações de que era um desses elos de comando.
A Polícia Federal fez uma petição ao Supremo Tribunal Federal que pede diligências em relação a militares. Foi ouvido um policial federal que responsabilizou militares da ativa. Estavam no Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro. A PF me consultou e disse: “E agora?” Bom, a gente não vai fingir que isso não existe. O assunto foi submetido ao relator, o ministro Alexandre de Moraes. A priori, a competência sobre militares é da Justiça Militar.
Há no governo uma polêmica sobre isso, com potencial para se transformar em foco de tensão com o ministro do STF Alexandre de Moraes. Quem deve julgar?
A princípio, a Justiça Militar. Mas, se há crimes comuns, é possível separar. Deixa os crimes militares na Justiça Militar e os que não estão previstos no Código Penal Militar no Supremo, por conexão.
Claro que hoje os cuidados são sempre maiores. Esse cidadão que está preso, da bomba do aeroporto no dia 24 de dezembro (George Washington de Oliveira Sousa), estava fazendo treino e obtendo instruções de como dar um tiro de fuzil de longa distância. Há um diálogo em que ele procura informações de qual o melhor fuzil, qual a melhor mira para tantos metros de distância.
Mas dias antes ele dá a entender, né? Porque pergunta: “Qual o fuzil que é mais adequado para tal distância?”; “E a tal mira?”. Aí o instrutor diz: “Não, essa mira é melhor”. Ou seja, havia atos preparatórios para a execução de um tiro, que ia ser um tiro no dia da posse de Lula.
É muito difícil antecipar esse debate. Seria desrespeitoso com o cargo que ocupo e pretensioso pretender arbitrar o que será o Brasil daqui a quatro anos. É aquela frase do (ex-ministro da Fazenda Pedro) Malan: “Até o passado é imprevisível, imaginem o futuro”. Eu não tenho esse planejamento e acho que, nas condições atuais, o nosso candidato em 2026 é o Lula. Aí em 2030 é outra história, antes que você me pergunte (risos).
O ministro do STF Gilmar Mendes foi consultado certa vez por um jurista da extrema direita que dizia que o artigo 142 autorizava um poder moderador. Ele respondeu: “Só uma hermenêutica de baioneta para dizer isso”. Se quiserem mexer para deixar mais claro, têm meu apoio, mas o 142 não admite a hermenêutica da baioneta. Agora, retirar totalmente a GLO me parece um pouco demais. Ela pode ter utilidade em crimes ambientais, por exemplo. Já a ocupação dos cargos civis pelos militares, para mim, é inconstitucional.
Elas são uma ameaça à democracia pela ausência da regulação. É como energia nuclear: salva vidas e também mata pessoas.
Eu sou contra. A imunidade, na Constituição, é restrita a opiniões, palavras e votos. Alguém vai dizer: “Mas hoje os mandatos são exercícios na internet”. O problema é que esses mandatos não estão no escopo da proteção constitucional. O projeto (das fake news) vai muito além. Espero que esse conteúdo não seja aprovado. Se for, acho que o Supremo Tribunal Federal vai voltar a uma interpretação mais restritiva, a do abuso da imunidade parlamentar. Uma coisa é imunidade para fiscalizar; outra é para cometer crimes, ameaçar ministros do Supremo, coisas que aconteceram no Brasil.
Se você disser para o cara: “Irmão, essa atividade vai ser legalizada e você vai ganhar um dinheiro de modo legal, lícito, sem risco de ser preso”, o cara topa. A abordagem policial não pode ser a única para o problema da Amazônia. Trata-se de região onde há os piores indicadores sociais do Brasil.
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