"Sinônimos" é um clássico da dupla Chitãozinho & Xororó que está na abertura da novela "Terra e Paixão". Mas por muito pouco ela não entrou no repertório de Zezé Di Camargo e Luciano. A música ainda nem estava 100% pronta, mas a ideia era que ela fosse cantada pelos filhos de Francisco em parceria com Zé Ramalho.
Em conversa com Zezé e Luciano, os compositores Claudio Noam e Cesar Augusto sugeriram a gravação, mas a dupla já estava com o álbum pronto para ser lançado.
Claudio buscou inspiração no Salmo 91 e no livro de Coríntios para compor a faixa. César, que era produtor de Zezé e Luciano, completou a canção e incluiu seus versos em uma reunião em uma casa, em São Paulo, onde eles costumavam se reunir para compor entre churrascos e cervejas. "Sinônimos" ainda leva a assinatura de outro compositor conhecido no meio sertanejo, Paulo Sérgio.
Zezé gostou da música, mas repetiu: o álbum já estava pronto. A sugestão dele foi incluir "Sinônimos" no disco seguinte. Não deu para esperar. Chitãozinho e Xororó estavam selecionando canções para o álbum "Aqui o sistema é bruto" quando César mostrou um CD com dez faixas. Entre elas, estava "Sinônimos".
A música "reservada" não deveria estar lá, mas foi incluída por engano no CD. César, então, pediu para pular a faixa no momento da apresentação, mas Chitãozinho disse que queria ouvir. Ele amou.
O produtor tentou explicar que Zé Ramalho estaria prestes a gravar, mas a dupla disse que toparia gravar com o cantor. E assim foi feito.
"Quando uniu as três vozes, com o dueto, as partes separadas, ganhou uma beleza muito grande. Nós ficamos emocionados e sentimos que estava nascendo uma parceria de sucesso. Não deu outra! A partir do momento que foi lançada, 'Sinônimos' virou um hit e até hoje é tocada nas plataformas, pedida nos shows", conta Chitãozinho ao g1.
"Sinônimos" foi composta em 2003 e lançada em 2004. Agora, 20 anos depois, segue com letra atual e está na trilha sonora de sua quinta novela. A versão tocada em "Terra e Paixão" junta Chitãozinho, Xororó e Ana Castela.
"Essa música é de uma potência, de uma força tão grande, mas a gente não imaginava que fosse tanto. Ela é poderosa demais", elogia César. Ele tem 794 canções registradas em seu nome no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Entre elas estão clássicos como "Desculpe, mas eu vou chorar", "Festa de rodeio", "Minha estrela perdida" e "Um sonhador".
A versão original esteve em "Escrava Isaura" (2004) e "A Favorita" (2008). Em 2016, uma versão só com Zé Ramalho embalou "Além do Tempo". Dois anos depois, Paula Fernandes cantou em parceria com a banda Scarcéus para a novela "Orgulho e Paixão".
"A princípio, me chocou um pouco porque eu estava acostumado com o Zé Ramalho, mas me acostumei, achei bacana. Achei que ela deu o toque dela", conta Cesar ao g1, comentando a participação de Ana Castela.
"Eu pego carona no que disse o César. Não tem como a gente não concordar da surpresa que a gente teve", disse Cláudio, completando que a participação da cantora renova o público da música.
Cláudio e César conversaram com o g1 e, além de relembrar a história da faixa, eles:
g1 – Queria que vocês contassem de onde veio a ideia para a composição de "Sinônimos". Foi inspirada na vida ou na história de alguém?
Cláudio - Eu comecei a escrever ela buscando uma inspiração em alguma coisa, porque eu precisava fazer alguma coisa que tivesse um link com Zé Ramalho. Como a ideia era de Zezé Di Camargo gravar, eu falei: 'vou fazer uma coisa mais com a cara do Zé Ramalho, e o César vai lá e já dá um 'toque Zezé Di Camargo''. Porque a ideia era essa desde o começo.
O meu conceito foi buscar elementos do Salmo 91, que é um Salmo que eu gosto, e de Coríntios. Então eu fiz o meu entendimento acerca disso aí. E deixei assim. Vamos falar agora de um amor profano'. E aí, ninguém melhor do que o papa da música sertaneja, que é o César.
César - O Cláudio chegou já com uma parte da música pronta, parte da letra e parte da melodia. E quando ele mostrou esse pedaço de música, eu fiquei encantado. E aí eu fiz parte da letra e finalizamos a melodia do refrão. Fizemos juntos. Foi ali no Jardim São Bento, na Casa Verde, aqui em São Paulo.
g1 - Tem uma coisa muito bacana quando vocês estão falando desse processo de composição e comentam da forma como, por exemplo, César, escreveu para a voz de Zezé, e o Cláudio, para o Zé Ramalho. Então vocês já escrevem colocando o toque do artista para quem vocês vão endereçar a música também?
César – Em muitos casos, sim. E na maioria das vezes, a música nasce espontaneamente sem uma direção. Depois de pronta, é que a gente diz assim: 'olha, essa música tem a cara, tem o jeito de determinado artista'.
g1 - E nesses casos que tem direção, como que vocês trazem o artista para aquela letra?
Cesar - Acho que aí é a sensibilidade mesmo do compositor, é uma coisa que vem de um outro universo. É meio inexplicável isso, porque não existe uma fórmula de composição. É muito espontâneo, é espiritual, é de outro universo.
Cláudio - É meio psicográfico, né, César?
César – É meio psicográfico. Eu acho que a gente às vezes escolhe: 'vamos fazer uma música para mandar para o fulano'. E aí vem Deus e diz assim: 'não, é cicrano quem vai gravar'. E aquilo acaba virando um sucesso com aquele artista que não foi o nosso alvo. Mas, às vezes, é.
"O próprio Zezé falou uma vez para mim que, talvez se ele tivesse gravado [Sinônimos], não tivesse feito o sucesso que fez com Xororó."
É uma coisa que a gente não consegue imaginar, né? Então Deus é quem escolhe, Deus é quem determina.
g1 - Zezé falou isso depois, mas, na época da gravação, ele ficou bravo?
Claudio – Não, não. De jeito nenhum.
Cesar – Ele é encantado com a música. Ele só diz assim: 'Puxa vida, deixei passar'. Coisas da vida, acontece mesmo. Por exemplo. Eu tenho uma música que foi gravada pelo Zezé Di Camargo, que é "Nem Dormindo Eu Consigo Te Esquecer". É um dos maiores sucesso da carreira do Gian e Giovani. Foi gravada com Zezé, não virou sucesso, e Gian e Giovani foram lá e regravaram, e virou um dos grandes sucessos da carreira deles.
g1 - E você escreveram desde o começo para Zé Ramalho cantar. E agora, temos uma versão com Ana Castela. O que vocês acharam do resultado?
Cesar - Eu vou ser sincero. Eu nem sabia que ela havia gravado isso daí. Eu só fiquei sabendo quando era tema da novela e que ela tinha participado cantando. Pra mim, foi uma grande surpresa, porque trata-se de uma de uma cantora nova, mas que tá atravessando um momento especial aí dentro da música sertaneja. Eu não conhecia bem também a carreira da Ana Castela. Foi surpresa pra mim. Achei diferente, vamos dizer assim.
"Me chocou um pouco porque eu estava acostumado com o Zé Ramalho. Mas me acostumei, achei bacana. Achei que ela deu o toque dela."
Cláudio - Pego carona aí no que disse o César. Não tem como a gente não concordar na surpresa que a gente teve, que eu tive também. Ao mesmo tempo, é um mix de felicidade porque a gente vê uma obra nossa... E a Ana Castela traz essa renovação de público para música com essa jovialidade dela. Canta bem, é bonita. Enfim, como dizia Belchior, endossado por Elis Regina, "o novo sempre vem".
g1 - Vocês já tinham trazido o 'novo' numa outra época da música sertaneja, que foi esse sertanejo de Zezé e Luciano, de Chitão e Xororó...
César – De Leandro e Leonardo...
Cláudio - Principalmente o César, né, com o [produtor, músico e compositor] Piska, que foi parceiro do Cesar, donos de obras fantásticas. Que trouxeram as guitarras mais pra frente...
César – É, com Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó, Bruno e Marrone, tudo com produções que eu fiz e que a gente foi inserindo instrumentos usados muito no pop e no rock e que era meio inadmissível para o público sertanejo raiz. Eles não aceitavam, de forma nenhuma, que se colocasse guitarra com drive, com distorção, tecladeira moderna misturada, terceira voz, vocais pesados, arranjos de cordas.
E tudo isso a gente foi inserindo dentro das produções e foi o que modernizou mesmo a música sertaneja, e aproximou a juventude.
g1 - E dentro do que vocês ouvem do sertanejo atual, vocês gostam?
Claudio - Quando eu sou arguido a respeito desse assunto, eu falo: 'eu gosto de música boa'. Se música for boa, eu certamente vou gostar. Não é só a questão do segmento, do ritmo. Porque o segmento é sertanejo.
Tem coisas desse sertanejo novo, que é o New Sertanejo -- se tem que dar um rótulo, que seja esse, porque o sertanejo vem sofrendo constante variações e mudanças ao longo dos anos – que eu gosto muito. E tem coisas que eu sinceramente não curto. Isso vai desde a música gravada ao artista que tá cantando.
César - Eu sou, assim, bem objetivo na forma de enxergar isso daí. Eu acho que tem coisa boa e tem coisa ruim, que é o que o Cláudio já falou, e também acho assim. E tem coisa que é uma mesmice, é uma coisa tão repetitiva de arranjos e de letras. Os temas são muito iguais. É muita bebida, é muita cachaça, é muita traição, é muita vingança. E isso não me agrada, não é o tipo de coisa que me deixa feliz.
Agora, existem coisas boas. Existem bons artistas, existem boas músicas, mas eu diria que a maioria delas não me agrada.
Cláudio - É muito palavrão. Eu não aprendi a fazer música assim de forma tão apelativa. Agora, isso pro mercado de música, dá resultado. Isso gera receita para o mercado do entretenimento. E o grande desafio que eu acho que a gente sofre com isso, -- eu, o César e os autores da nossa época -- é em tentar fazer uma coisa que seja unir o entretenimento com arte.
g1 - A maioria das músicas de vocês foi escrita para homens [cantarem]. Como que é ouvir as mulheres cantando também as músicas de vocês? Tem a Ana Castela Castela, que já citamos, a Marília Mendonça... [a cantora regravou "Não era para ser assim", que tem o Cláudio Noam como um dos compositores, e "Você não é mais assim", composta por César Augusto e Piska].
César – Olha, eu sou apaixonado por Marília Mendonça, porque é uma das coisas, dessa modernidade, dessa nova geração de música sertaneja...eu acho uma artista espetacular, de uma beleza, de uma voz assim única. Fiquei muito triste com a ausência dela. Era uma artista que eu tinha e continuo a ter uma admiração muito grande.
"Quando Zezé enviou para mim a gravação dele com a Marília [de "Você não é mais assim"], eu até chorei de emoção que eu senti."
Acho a Marília um espetáculo. Eu espero que outras cantoras gravem músicas minhas.
Cláudio - [Marília tinha] uma voz única, que era dela. E essa personalidade autoral, que o Cesar há de concordar. Era uma excelente autora também. Escrevia muito bem.
"Infiel" me remetia muito a Núbia Lafayette, que cantava aquelas músicas fortes, com letras fortes, pesadas, era meio que um jab no queixo, sabe? E ela muito nova, então era meio díspar. Uma garota muito menina cantando letras de arregaçar, muito maduras, aquela de você rasgar o peito.
g1 - A gente conversou um pouquinho no começo sobre o processo de composição de vocês. Mas queria saber o que que vocês acham do processo de composição com grupos de compositores que se reúnem diariamente para escrever músicas.
Cesar - Eu sei que eu vou tomar uma porrada pelo que eu vou falar aqui, mas eu acho que é muita gente junta para fazer coisa ruim. Eles se juntam em 6, 8, 10 pessoas para fazer musiquinha descartável. Eu acho ridículo isso daí
É música que vai tocar dois meses e ninguém vai lembrar mais. E vai sobrar uma mixaria também para cada um, porque é muita gente para fazer uma porcaria só. É meu pensamento. E um cara que ficou do lado ali, que botou uma palavra na música, já virou parceiro. Eu acho ridículo.
g1 - É bem diferente da forma como vocês faziam ou fazem, né?
Cláudio - Eu acho que a gente tem um jeito de escrever, um tipo de música que é nosso, é do nosso jeito. E eu sinceramente não tenho muita disposição para fazer. Talvez eu não tenha nem competência de fazer esse tipo de música.
Porque a gente tá vivendo meio que um momento em que o que a gente entendia que era bom, parece que agora não é mais. E o que é ruim é que está em voga. Então eu tenho que falar da bunda, do peito, tem que falar palavrão para caramba. E é isso? Eu sou da época "É o amor", "Nem Dormindo Consigo Te Esquecer", "Detalhes", "Meu ciúmes", "Deslizes". Eu gosto disso.
g1 – Imagino que vocês tenham várias histórias marcantes e impactantes ao longo da carreira de vocês, mas tem alguma que tenha marcado bastante e que possam compartilhar com a gente?
Cesar – Tem um caso que eu já falei em alguma entrevista, mas eu vou voltar a repetir porque é uma forma de eu me perdoar, de me desculpar com o que aconteceu.
Eu tava produzindo o disco do Leandro e Leonardo, que foi o disco do "Pensa em mim", e essa música em particular era uma música que eu não gostava e que eu não queria que entrasse no disco. Quando eles me mostraram a música num violão, eu achei muito ruim.
Aí eu falei: "Leandro, eu não gosto dessa música, eu acho que essa música é a mais fraca do disco". E o Leandro foi incisivo. Ele disse: "Olha, Cesar, é o seguinte. Nós vamos gravar essa música e essa música vai ser um grande sucesso".
E gravamos. Depois que ficou o playback pronto, o Leonardo botou aquela vozinha maravilhosa dele na música. No que ele entrou na técnica, eu disse: "Quero pedir desculpas, vocês têm toda razão. Ainda bem que vocês não tiraram do disco porque a música realmente é muito boa". E a música virou o sucesso que virou. Se fosse por mim, teria ficado de fora do disco e eu estava errado.
Cláudio - Não tenho [uma história] nessa linha, mas a gente fez uma música que, em princípio eu comecei porque eu queria falar um pouquinho da minha avó, que me criou, e da minha mãe. E eu sei da relação imensa do César com a mãe dele, essa ligação espiritual dele com a saudosa Dona Nair, né?
Em princípio, a gente tinha a ideia de mandar essa música para o Samuel Rosa, pro Skank. E acabou que não dava também. Aconteceu uma coisa engraçada, igual ao Zezé: o disco tava pronto, não dava mais tempo. Eu acabei entrando em contato com o Wendel, que é um dos empresários do Jorge e Mateus. Eu tinha vontade de gravar com Jorge, e nem falei nada para o César de autorização, porque se ele tivesse outros planos para música...
E mandei para o Wendel, o Wendel mandou para o Jorge. O Jorge na mesma hora falou: 'pelo amor de Deus, não passa para ninguém porque a gente vai gravar essa música'. E gravaram e ficou maravilhosa, uma obra chamada "Ciclos". Isso não foi uma vez só que aconteceu. A música é uma coisa ainda, para mim, misteriosa por conta dessas nuances que ela propõe para a gente.