O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar, nesta quarta-feira (2), o julgamento do processo que discute a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. O caso é o primeiro item da pauta do dia.
O processo chegou a constar na pauta na reta final do primeiro semestre, mas não foi discutido.
Iniciado em 2015 e paralisado desde então, o julgamento já tem três votos para deixar de se considerar crime o porte de maconha para consumo próprio.
Votaram neste sentido os ministros Gilmar Mendes — que entendeu que deveria valer para todas as drogas —, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, que restringiram seus posicionamentos ao uso da planta.
O julgamento será reiniciado com o voto do ministro Alexandre de Moraes. Isso porque o magistrado “herdou” um pedido de vista — mais tempo para análise — de seu antecessor na Corte, Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em 2017.
Em discussão está a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006. A norma estabelece que é crime adquirir, guardar ou transportar drogas para consumo pessoal.
O caso tem repercussão geral reconhecida, ou seja, o entendimento firmado pelo STF neste julgamento deverá balizar casos similares em todo o país.
Especialistas ouvidos pela CNN disseram que a Corte tem a possibilidade de aliviar os efeitos negativos da chamada “guerra às drogas”, ao definir a descriminalização do porte para consumo. A medida, avaliam, é adotada em outros países e pode contribuir para aprimorar o combate à criminalidade organizada e a tratar usuários pelo viés da saúde pública.
Essa posição, no entanto, não está dada, seja porque há dúvidas quanto aos votos de outros ministros ou mesmo pelo fato de que algum magistrado pode pedir vista e interromper a análise mais uma vez.
Apesar de haver em casos de vista um prazo de 90 dias para o processo ser devolvido, a retomada do julgamento ainda fica condicionada à colocação na pauta de alguma sessão, o que depende de uma decisão da Presidência da Corte.
Há, ainda, a percepção de ministros de que definições mais específicas sobre o tema deveriam ficar com o Congresso Nacional. Nessa espécie de “vácuo” legal, a discussão é se caberia ao Judiciário estabelecer parâmetros, ainda que provisórios, para diferenciar traficante de usuários, por exemplo.
Segundo o advogado Renato Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), se a ideia da lei brasileira que prevê como crime o tráfico de substâncias entorpecentes é a proteção da saúde pública, “não há sentido algum em punir aquela pessoa que faz uso pessoal, causando, se tanto, mal a si mesma”.
“Além de respeitar o direito de autodeterminação de cada pessoa, o reconhecimento da inconstitucionalidade de se tratar como crime o uso de substâncias entorpecentes para fins próprios acarretará um desafogamento sensível do insuportável número de prisões no Brasil, impulsionadas pela falta de parâmetros que definam o que é tráfico e o que é consumo”, prossegue Vieira.
O especialista disse que, em crimes dessa natureza, além da discricionariedade na abordagem policial, “praticamente inexiste investigação após as prisões em flagrante”.
“Nessas condições, o processo penal se define a partir das palavras de quem efetuou a prisão em flagrante e materialidade do que foi apreendido”, afirmou.
Conforme o advogado criminalista Leonardo Magalhães Avelar, sócio fundador do Avelar Advogados, o porte de drogas para consumo pessoal não leva para prisão, embora seja considerado crime.
“Os processos correm em juizados especiais e as punições aplicadas normalmente são advertência, prestação de serviços à comunidade e aplicação de medidas educativas”, afirmou.
Ao votar pela descriminalização, Gilmar Mendes propôs que não haja mais consequências penais a quem usar droga. O ministro, no entanto, defendeu a manutenção de sanções administrativas, com exceção da pena de prestação de serviços à comunidade.
Na avaliação do ministro, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos, além de gerar uma punição desproporcional.
Gilmar ressaltou que a descriminalização do uso não significa a legalização ou liberalização da droga.
“Embora a conduta passe a não ser mais considerada crime, não quer dizer que tenha havido liberação ou legalização irrestrita da posse para uso pessoal, permanecendo a conduta, em determinadas circunstâncias, censurada por meio de medidas de natureza administrativa”, explicou.
O magistrado afirmou em seu voto que a lei no Brasil conferiu tratamento distinto aos diferentes graus de envolvimento na cadeia do tráfico, mas não foi objetiva em relação à distinção entre usuário e traficante. “Na maioria dos casos, todos acabam classificados simplesmente como traficantes”, disse.
Uma eventual definição do Supremo para descriminalizar o consumo pode trazer, como consequência, a necessidade de fixar parâmetros objetivos para diferenciar usuário de traficante – algo que a legislação atual não faz.
Até o momento, só Barroso avançou nessa direção. Ele propôs que seja adotado como referência para diferenciação o porte de até 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis mudas. Esses critérios valeriam até que o Congresso regulamentasse o assunto.
Fachin também foi no sentido de delegar a outros poderes a função de definir algum parâmetro. Ele propôs que o STF declarasse como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante, e que órgãos do Poder Executivo emitissem parâmetros provisórios de quantidade para a diferenciação.
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