No palco, as luzes se dividem entre o bailarino que segue o ritmo do canto e da intérprete de Libras que transmite a narrativa do mito. O Palco da Praça da Liberdade abre as cortinas para o espetáculo “Guadakan” de dança contemporânea e orquestra, do Instituto Moinho Cultural Sul-Americano, e arranca sorrisos e brilho nos olhos de quem pode assistir, pela primeira vez, ao festival.
Luzia, Thais, Élida e Lucimara são quatro mulheres surdas que, apesar de morarem em Bonito há anos, apenas agora, na edição do Festival de Inverno de 2023, se sentiram parte do público.
“Foi a primeira vez que senti toda a emoção do teatro. Foi muito especial, gostamos bastante. A comunidade surda achou super bacana e ficamos admirados de como teve toda essa clareza”, conta a estudante Lucimara Gonçalves Silva, de 42 anos.
No palco, a intérprete de Libras Larissa Duragon traduzia não só as palavras como o sentimento trazido pela música que, junto do cenário e da iluminação, ofereciam a experiência única de estar diante de um verdadeiro espetáculo de arte.
“Guadakan” foi concebido a partir de um mito guató, aprendido e ensinado de geração em geração, que o Pantanal tem um “dono” e suas regras.
“No princípio era a simplicidade. Os antigos aprenderam e passaram a ensinar aos seus que tudo tem um dono no Pantanal. Estes seres não são humanos, sobrenaturais ou divinos, que devem ser respeitados e exigem uma conduta ética para que ali todos possam viver em equilíbrio com os recursos por eles fornecidos. Quando se quebram regras, punições serão proferidas”, anuncia a apresentação.
Em cada ato, os bailarinos expressavam o que foi, o que é e, principalmente, o que o Pantanal deixou de ser.
É difícil imaginar como é a experiência de assistir a um festival contando com os outros sentidos, além da audição. Surda, Thaís dos Santos, de 23 anos, tenta nos explicar, e prova o quanto a arte deve ser inclusiva.
“A Libras ajuda a gente a conseguir perceber, nós focamos e por mais que a gente não tenha audição, é igual a um show. O sentimento, a sensação que a gente tem, não precisa ouvir para sentir”, descreve.
A felicidade no rosto das mulheres era tamanha que se mesclava com a emoção de um espetáculo que clama, usando a arte, para falar de natureza. Nascida em Bonito e com 34 anos de idade, Luzia Brand teve a primeira oportunidade de assistir a uma dança com acessibilidade somente na noite desta quinta-feira.
“Antigamente não tinha, agora consigo assistir. É a primeira vez que tem no festival essa acessibilidade”, assegura.
Ponte para que a comunicação chegue a todos, Larissa é a intérprete que trouxe ao palco duas reflexões: o apelo do Pantanal depois dos incêndios que destruíram parte do bioma, e da necessidade de fazer um festival acessível a todos.
“A gente tenta passar essa emoção, precisa sentir primeiro e depois transmitir. Cada pessoa sente a arte de uma forma diferente, mas acredito que todo espetáculo, a partir do momento que você tem o tradutor transmitindo ao mesmo tempo o que está rolando de imagem, as pessoas conseguem ter uma percepção melhor”, resume Larissa.
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