Enquanto economistas e agentes do mercado financeiro indicam que o governo federal dificilmente cumprirá a meta de resultado primário já no ano inaugural do novo marco fiscal, o governo federal reitera que é possível, sim, zerar o déficit em 2024.
O governo deve enviar o Orçamento de 2024 ao Congresso até a próxima quinta-feira (31). A peça vai prever déficit primário zero. O marco fiscal projeta que, para o exercício atual, receitas e despesas devem se anular (com banda de tolerância de 0,25 ponto percentual para mais ou menos).
Nos cálculos do governo, para atingir a meta é necessário que a arrecadação federal tenha elevação entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões. Desde a apresentação da nova regra, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admite que o ajuste depende do avanço da receita.
Há outras projeções sobre o quanto a arrecadação deve ser alavancada. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado, prevê déficit de 0,9% do PIB em 2024. Com isso, o governo precisaria elevar a receita em R$ 105 bilhões para atingir as metas.
O Boletim Focus, publicação do Banco Central (BC) que divulga medianas de projeções entre economistas do mercado, indica que o déficit será de 0,8% do PIB. O Prisma Fiscal, sistema de coleta de expectativas de mercado gerido pela Fazenda, também prevê resultado negativo de 0,8%.
Para zerar o déficit primário, o governo vem propondo o que chama de “medidas saneadoras” — que incluem a revisão de gastos tributários e a taxação de rendimentos da parcela mais rica da população.
Parte das medidas já está em vigor. A principal delas parte de julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que permitiu a tributação de IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais do ICMS. A expectativa da Fazenda é de incremento entre R$ 80 bilhões e R$ 90 bilhões com a decisão.
Nas contas do governo, o projeto de lei que muda regras para preços em transações internacionais entre empresas relacionadas, sancionado em junho, pode arrecadar cifra entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões.
As mudanças nas regras para varejistas asiáticas como Shopee e Shein devem trazer incremento em torno de R$ 8 bilhões. Já a taxação das apostas online, que ainda tramita no Congresso, tem impacto avaliado em R$ 12 bilhões (há uma MP em vigor, e a Câmara deve avaliar um PL na próxima semana).
Uma das prioridades do governo no primeiro semestre, o PL que devolve o voto de qualidade ao Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) deve trazer arrecadação extra de R$ 60 bilhões. O tema já foi aprovado pela Câmara e tramita no Senado.
As principais trincheiras que enfrenta o governo no momento dizem respeito a medidas que taxam rendimentos dos mais ricos. A expectativa é de que a MP que muda regras para fundos exclusivos acarrete arrecadação anual de R$ 10 bilhões.
Para a tributação de offshores e trusts, a expectativa inicial da Fazenda era de arrecadação por volta de R$ 13 bilhões. Todavia, o governo negocia termos para tornar o texto (de projeto de lei que será enviado em breve) mais palatável à Casa; com isso, o potencial arrecadatório deve cair.
De acordo com as projeções, seria possível zerar o déficit primário em 2024. As receitas mencionadas, contudo, para se concretizarem dependem de uma série de variáveis — que podem diminuí-las, mas também elevá-las.
Críticos do modelo escolhido pela Fazenda de ajustar o fiscal por meio das receitas indicam falta de transparência em relação a estes cálculos e indicam que é possível que as cifras estejam superestimadas.
“O problema é que a gente não consegue ter confiança nos números. Não temos uma planilha de cálculo, uma estimativa. Há mudanças o tempo todo. O que está preocupando é essa falta de confiabilidade”, disse em entrevista à CNN o ex-secretário do Ministério da Fazenda e presidente do Insper, Marcos Lisboa.
Além disso, parte das propostas ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso. O governo trabalha junto às casas para aprovar as medidas, mas vem encontrando resistências.