Em conversa com o traficante, Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, outro líder famoso do crime organizado no Brasil, isentou o PCC (Primeiro Comando da Capital) da responsabilidade por execução cinematográfica na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, a de Jorge Rafaat. O áudio inédito foi captado durante banho de sol no presídio federal de Porto Velho (RO), em 2016, logo após o assassinato do “Rei da Fronteira”.
Lideranças do Comando Vermelho, facção que domina o tráfico no Rio de Janeiro e é rival comercial do PCC, Marcinho e Beira-Mar debatiam os rumos que os negócios tomariam após a queda do comando na fronteira sul-mato-grossense, uma das principais rotas do envio de drogas do Paraguai para o Brasil.
Conforme a transcrição do áudio, divulgada pelo Portal Uol, nesta segunda-feira (18), Beira-Mar atribui a “Siciliano”, um dos apelidos de Gerson Palermo, outro “chefão do tráfico” que assim como ele, já ficou preso em Campo Grande (MS), a ordem para matar Rafaat. O carioca diz para “VP” que Palermo era aliado do “Rei da Fronteira”, mas que se uniu a Sérgio Lima dos Santos, para executar o até então parceiro comercial. Acusado de ser o autor dos disparos de metralhadora calibre 5 contra o carro blindado de Rafaat, Sergio foi condenado a 35 anos de prisão pelo assassinato, em 2018.
Para a investigação policial, a execução, na verdade, foi planejada em conjunto, pelo PCC e pelo Comando Vermelho. Num determinado momento da conversa, Beira-Mar até diz que um “irmão” – ou seja, integrante da facção da qual é líder – foi baleado na ação.
Os dois comentam também das relações que tinham com Rafaat. Marcinho VP reclama da postura do “Rei da Fronteira”, que cobrava “pedágio” para que outros traficantes passassem as cargas pela área dominada e Beira-Mar conclui que o assassinato será bom para os negócios.
Confira a transcrição da conversa, divulgada pela reportagem de Herculano Barreto Filho, do Uol:
Fernandinho Beira-Mar - Aí! O “Siciliano” não está mexendo com chá [tráfico de maconha, segundo os investigadores], né?
Marcinho VP - Não.
Beira-Mar - Lá [fronteira], agora, tá o seguinte (...). Tem muita gente lá. Brasileiro lá tá igual mato. Tá, tipo assim, tem muito amigo nosso que tá (...). [O Siciliano está] morando lá mesmo e, fora nós [Comando Vermelho], deles tem muito lá. Mas é muito grande. Então, dá pra todo mundo viver lá. Cada um na sua lá, tá ligado? Cara, é o seguinte. Eu não tenho nada contra ele [Rafaat]. Ele me respeita e tal, quando eu estava lá. Mas é o seguinte: ele é comerciante, ele trabalha com quem compra dele. Seja 15 [em referência ao PCC], seja lá quem for. Ele trabalha, mas a informação que eu tive é que ele estava junto com o Siciliano e mais um S [Sérgio Lima dos Santos]. Eles estavam junto na caminhada e se uniram lá, entendeu?
VP - Nós estava [sic] ciente disso aí também e jogaram na conta dos [trecho incompreensível].
Beira-Mar - O “Samura” [Jorge Teófilo Samúdio Gonzalez, líder do Comando Vermelho preso desde março de 2021] falou pra mim como é que foi, contou que inclusive rodou um amigo. Um irmão nosso baleado lá, entendeu? Tá lá baleado, tá preso lá. Falou que o bagulho foi cinematográfico. O que chegou pra gente é que ele se uniu com o “S” [Sérgio Lima dos Santos] e o “Siciliano” tomaram essa atitude. Mas quem levou a fama foi o pessoal do 15 [PCC], entendeu? Quem ganhou a fama de ter feito foi o pessoal do 15.
VP - O Rafaat, quando eu cheguei lá [no Paraguai], ele trabalhava com negócio de pneu. Nem era bandido nessa época, ele trabalhava com negócio de pneu. Mas ele sempre teve sede de poder. E, depois que puxou uma cadeia lá, ele saiu da cadeia querendo dominar. Ele entrava no caminho dos outros, querendo cobrar pedágio. Eu não tinha inimizade com ele, não. Mas a postura dele era postura de alemão [inimigo].