Um artigo, assinado por 42 pesquisadores de instituições de Mato Grosso do Sul, outros estados e até estrangeiras denuncia que os planos de tornar o Rio Paraguai uma “estrada” para exportação de produtos em comboio de barcaças é uma ameaça não apenas ao curso d’água mas também ao Pantanal. O texto foi publicado em uma revista estrangeira de artigos científicos trazendo uma série de argumentos de pessoas que estudam a região há décadas, como professores da UFMS, UFMT e membros da Embrapa.
A polêmica não é nova, já que intensificar a navegação no rio é proposta que vira e mexe volta à tona nas últimas décadas. No começo dos anos 2020, por exemplo, os autores do artigo mencionam que o Governo Federal rejeitou a investida, ao analisar vantagens e riscos do modal de transporte.
Logo de início, o artigo aponta que as medidas necessárias para ampliar a capacidade de navegação “desconectariam o rio de sua planície de inundação, encurtariam o período de inundação e reduziriam a área úmida, resultando em grave degradação da diversidade biológica e cultural do Pantanal.”
São 700 quilômetros de leito, com planos de dragagem de trechos para facilitar a passagem de barcaças com minério, grãos. Mineradoras já mantém estrutura própria de embarque na região de Corumbá, além de porto na região de Porto Murtinho que escoa grãos. Os produtos seguem pela Hidrovia Paraguai/ Paraná até o Rio da Prata, na Argentina e Uruguai e são enviados para exportação.
Conforme o artigo, “as fases úmidas e secas alternadas mobilizam partes dos nutrientes e do carbono armazenados na fase anterior, resultando em uma produtividade excepcional desses sistemas, tornando-os também berços de diversidade cultural”, daí a importância de não adotar medidas que interfiram na dinâmica do Pantanal. As cheias, mencionam os autores, produzem inundações que fazem parte da rotina.
Um dos autores, Carlos Padovani, da Embrapa, explicou recentemente à reportagem do Campo Grande News que o rio tem uma dinâmica de vazão lenta, transportando muitos sedimentos, explicando, por exemplo, que alterações em Cáceres (MT), pode demorar mais de mês para produzir efeitos no trecho Sul do curso e que dragar não resolve o problema quando a questão é redução do volume de água.
Em relação ao carbono, cuja preocupação atual é evitar a liberação, os autores mencionam que áreas úmidas são capazes de reter de 20% a 30% do carbono terrestre. Com a estiagem mais presente, uma consequência do aquecimento global, as inundações já reduziram 16% nos últimos dez anos. A alteração no rio aceleraria processos de queima de material orgânico e a liberação do carbono.
O artigo tem um tópico elencando cada um dos riscos que os pesquisadores estimam, como: o aprofundamento do leito mediante dragagem reduziria o nível d’água e impactaria no ecossistema da planície- para navegação seriam necessários pelo menos 45 metros de largura e 2,1 metros de profundidade em 90% do ano; a interferência poderia alterar estruturas ecológicas e da biodiversidade, como acabando com berçários naturais de espécies e proliferação de outras, exóticas, como mexilhões trazidos nas embarcações; impacto na vida dos guatós, indígenas que há séculos vivem na parte Norte, rumo a Mato Grosso, com perda de renda, segurança alimentar, acesso a territórios tradicionais e redes sociais; risco de redução de oferta de peixes e interferência no turismo; a descaracterização do Paraguai como uma esponja, na administração natural de seus sedimentos e rochas, que ajudam a controlar o fluxo da água; surgimento de erosões e desbarrancamentos, seja pelas dragagens ou o simples movimento de barcaças. Nesse ponto, os autores mencionam que o transporte em comboio, com rebocador, para aumentar o volume transportado, exigiria situação de desconexão das unidades e manobras em trechos sinuosos ou estreitos. E sugerem que isso ocorreu em outros rios de navegação, mencionando o Reno, que atravessa a Alemanha.
E o temor com o avanço da agropecuária também é incluído no artigo. Os autores apontam que, havendo a oferta de navegação e a perda de vegetação no entorno, atrairiam a monocultura e a pecuária intensiva cada vez mais pra perto do Pantanal.
Depois de toda a exposição, os autores deixam uma recomendação que era previsível: que os modais rodoviário e ferroviário sejam priorizados em vez de apostar na hidrovia como opção preferencial para o transporte.
Multimodais – Nesta semana, o uso da hidrovia foi alvo de uma discussão entre agentes públicos e representantes de setores empresariais em Corumbá. No evento, o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação, Jaime VerrucK, destacou que atividades econômicas locais precisam “de uma operação hidroviária segura e de qualidade". Segundo ele, é necessária a liberação de licença do Ibama para o DNIT realizar a dragagem de trechos do Rio Paraguai.
No primeiro semestre, o Ceca (Conselho Estadual de Controle Ambiental) autorizou empresa a criar um porto em Porto Esperança, que atuará conectado com outra unidade em Cáceres, para escoar grãos - essa autorização é mencionada no artigo científico. Além disso, Verruck afirmou que o Governo leve levar à B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, nos próximos meses, leilão para a concessão de Porto em Murtinho, que foi retomado da concessionária anterior. Houve sondagem que apontou potencial de transporte de 600 mil a 1 milhão de toneladas de grãos, uso para transporte de etanol, possibilidade de uso da estrutura para receber importados.
Antes desse porto, mais perto de Corumbá, as mineradoras também têm suas próprias estruturas para embarcar e enviar minério de ferro e manganês pela hidrovia; e na região de Murtinho também há outro porto privado que escoou este ano parte da produção de soja. "O Governo do Estado continua sua estratégia da hidrovia olhando para a intermodalidade. A meta do Governo é pegar estes grandes eixos (rodovia, ferrovia e hidrovia) e melhorar as conexões. Para isto terá investimentos de mais de R$ 9 bilhões nos próximos anos”, expôs o secretário no evento, conforme divulgou a assessoria.
Para os pesquisadores, a aposta é insegura, diante da dinâmica de cheias e estiagens do rio, como ocorre neste mês, quando o volume já chegou em um nível de alerta e logo deve ser paralisada a navegação de barcaças, com a necessidade de uso das rodovias, uma vez que a ferrovia está desativa. “O sucesso do projeto de navegação é duvidoso, enquanto enormes impactos ambientais, culturais e sociais podem ser previstos.”
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