A forte onda de calor que atinge diversas regiões do País, incluindo Mato Grosso do Sul, já impacta pontualmente alguns itens da cesta de produtos e serviços considerados na inflação. Os efeitos da crise climática podem pressionar ainda mais alimentos e energia elétrica.
Na semana passada, a inflação oficial de outubro foi divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados regionais que já trouxeram alguns aumentos. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aponta que, em outubro, a batata-inglesa subiu 23,19% no Estado, a cebola, 18,12%, o tomate, 7,19%, e o arroz, 2,76%.
Destaque também para o item ar-condicionado, que subiu 9,63% no mês passado. Foi a maior alta em três anos, desde outubro de 2020 (10,54%).
Quando considerados os preços no acumulado dos últimos 12 meses, o tomate subiu 32,01%, o arroz registra alta de 16,75% e a energia elétrica residencial aumentou 8,73%.
O mestre em Economia Lucas Mikael destaca que, no caso dos alimentos, a falta de chuvas e o calor extremo têm provocado prejuízos nas lavouras de soja, com perdas de produtividade, necessidade de replantios e comprometimento da janela de semeadura do milho segunda safra 2023/2024.
"A temperatura elevada traz riscos para as plantações e também eleva o consumo de energia elétrica. Apesar de ser uma situação que acontece periodicamente, neste ano, o calor veio mais cedo e muito mais intenso, provocando alteração no setor".
O economista cita ainda que as altas temperaturas e o período sem chuvas no Estado podem aumentar os preços de alimentos mais sensíveis ao clima, como verduras, legumes e frutas.
"Essa classe de alimentos sofre mais com alterações climáticas, que são próprias desta época do ano, do fim da primavera e do começo do verão. Isso não é bom para a oferta desses alimentos, que, em efeito cascata, atingirá o consumidor", aponta Mikael.
O economista ainda aponta que um dos eventuais efeitos do calor ocorre sobre a tarifa de energia elétrica residencial.
"As altas temperaturas elevam o consumo e forçam o uso adicional de fontes de energia mais caras, como energia oriunda de carvão, diesel e gás. Isso pode gerar repasse das tarifas para o consumidor", afirma Mikael.
Conforme reportagem da Folha de São Paulo, o economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), André Braz, com a chegada do verão, a tendência é de que os efeitos se multipliquem.
"Mesmo que estivesse fazendo calor dentro da normalidade para esta época do ano, a venda de ventiladores e ares-condicionados seria grande. Todo ano tem isso, mas neste, pelo fato de o calor ter vindo mais cedo e estar muito intenso, pode ser que tenha provocado uma alteração nesses bens", explica.
Além da falta de chuvas em Mato Grosso do Sul, o excesso delas prejudica a produção de alimentos no Sul do País.
SAFRA
Conforme já publicado pelo Correio do Estado, na edição de 13 de novembro, a forte onda de calor em Mato Grosso do Sul já traz impacto negativo na agricultura, prova disso é a queda nas projeções para a safra de grãos 2023/2024.
De acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), divulgado pelo IBGE, o Estado pode apresentar redução de 7,4% na produção de grãos.
A falta de chuvas e o calor excessivo são apontados por especialistas como os principais problemas enfrentados pelos produtores rurais do Estado. Dados do Sistema de Informações Geográficas do Agronegócio (Siga MS) estimam que, até o início deste mês, a área plantada na safra de soja 2023/2024 alcançou 62%, inferior à da safra 2022/2023 em 5,4 pontos porcentuais.
A produtividade é estimada em 54 sacas por hectare, média que está dentro do potencial produtivo das últimas cinco safras do Estado, gerando a expectativa de produção de 13,818 milhões de toneladas.
A projeção da produtividade é 8% inferior à da safra passada, quando o Estado colheu cerca de 15 milhões de toneladas de soja.
"Quando falamos de MS, uma grande preocupação refere-se a um possível atraso na safra de soja, com reflexos sobre a qualidade dos grãos. É a principal ameaça daqui para a frente", enfatiza o mestre em Economia Lucas Mikael.
CLIMA
Passando pela terceira onda de calor, atualmente Mato Grosso do Sul vem registrando temperaturas acima de 40°C em boa parte dos municípios. Conforme nota técnica do Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima de Mato Grosso do Sul (Cemtec-MS), as mudanças severas na temperatura nesta primavera foram intensificadas pela atuação do El Niño.
"Ainda não é possível prever até quando a massa de ar quente permanecerá sobre a região", aponta o Cemtec-MS.
De acordo com o pesquisador agrometeorologista da Embrapa Agropecuária Oeste Éder Comunello, o fenômeno El Niño pode impactar negativamente o setor.
"Os efeitos indesejáveis do El Niño, como o atraso das chuvas e a ocorrência de ondas de calor, podem comprometer a viabilidade das lavouras ou pelo menos reduzir os ganhos do produtor", enfatiza.
Após sete anos de sua última passagem pela Região Centro-Oeste, onde comumente o El Niño eleva as temperaturas e o volume das chuvas, o evento climático ocorre em consequência do aquecimento das águas do Oceano Pacífico tropical, tendo efeitos significativos na agricultura.
"Apesar de a sua atuação ser benéfica para algumas culturas, o evento também está associado a outros efeitos, como a irregularidade hídrica, o aumento das temperaturas e a ocorrência de veranicos, que podem prejudicar a produção agrícola", reitera o agrometeorologista.