As cenas de babar de “Terra e Paixão”, novela da Rede Globo considerada sucesso de audiência, foram gravadas em propriedade rural de Mato Grosso do Sul que, por trás das câmeras, acumula lista de violações ambientais, como desmatamento, armazenamento e despejo ilegal de agrotóxicos, desvio de curso d’água para a piscicultura e a criação de animais sem licença ambiental.
Locação paradisíaca para o desenrolar do enredo construído em torno de Antônio La Selva, o cruel e inescrupuloso latifundiário vivido por Tony Ramos, a Fazenda Annalu, em Deodápolis, está na mira do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) ao menos desde 2016, quando o Nugeo (Núcleo de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto) do órgão identificou, por meio de imagens de satélite, percentual de reserva legal aquém do exigido por lei – apenas 7,45%, Código Florestal manda preservar 20% da área total.
Alvos de inquérito instaurado em 2018, donos da propriedade assinaram TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) em 31 de março de 2022, menos de um ano antes do início das gravações da novela. Todos os problemas foram constatados por equipe do Daex (Departamento Especial de Apoio às Atividades de Execução) em 2019. Parte deles, porém, ainda não foi resolvida, conforme as últimas movimentações em procedimento aberto pelo MP para acompanhar o cumprimento do acordo.
Conforme o relatório do Daex, em junho de 2019, quando o imóvel de 1.628,52 foi inspecionado, parte do território (315 hectares) era ocupado por lavouras de soja e milho, enquanto outras áreas estavam destinadas aos tanques de peixes escavados, pecuária bovina em pasto e confinamento. A fazenda é uma das nove propriedades rurais comandadas pelo Grupo Valor, que administra um total de 50 mil hectares em Mato Grosso do Sul.
Na vistoria, foi constatado que “a piscicultura desenvolvida na propriedade ocorre em 37 tanques escavados, com uma área inundada de aproximadamente 46 hectares”. As tilápias eram criadas, contudo, com autorização ambiental para aquicultura expedida em 2007 e que estava vencida desde janeiro de 2010 – há 9 anos, portanto.
Depois, em audiência, ainda segundo registros do MP ao longo do inquérito, os proprietários da fazenda admitiram responsabilidade pelo desvio do curso do Rio Dourados, um dos limites geográficos da propriedade, pela instalação de 54 drenos para captação d’água sem autorização dos órgãos ambientais.
A pecuária também não era desenvolvida dentro dos conformes já que o MP verificou a presença de gado na área de reserva legal e determinou a imediata suspensão da atividade no espaço a ser recuperado.
Relacionada à produção de grãos, os problemas encontrados foram no uso e armazenamento de agrotóxicos. O galpão usado para guardar as embalagens vazias de veneno antes do descarte correto tinha irregularidades, como ser “construído com madeira e alambrado, com apenas sua base edificada em alvenaria” e com “cobertura de telhas de fibrocimento, que estavam quebradas ou ausentes em determinados pontos”.
Além disso, o documento mostra que há casas da fazenda a 15 metros da lavoura, que podem ser atingidas pela pulverização de veneno, embora a visitinha tenha sido feita fora do período de aplicação dos pesticidas.
Lazer – Durante a investigação, o MP observou ainda que além do desmatamento visto por satélite em 2016, a faixa de APP (Área de Preservação Permanente) do Rio Dourados tinha apenas metade da largura exigida pelo Código Florestal – 100 metros para um curso d’água de médio porte, como é o caso. A faixa de proteção evita o assoreamento de rios, mas na Fazenda Annalu, parte da vegetação foi subtraída para a construção de um quiosque com churrasqueira, banheiros e estacionamento – sem autorização prévia.
Providências – No acordo firmado com o Ministério Público, a Fazenda Annalu se compromete e providências todos os licenciamentos ambientais necessários, construir novo depósito para as embalagens de agrotóxicos e recuperar as áreas de vegetação degradadas, além de compensar o desmatamento feito para a construção da área de lazer à beira do Rio Dourados. Em troca, o MP comprometeu-se a arquivar o inquérito instaurado contra a propriedade e assim o fez.
Acontece que várias cláusulas do TAC, que deveriam ter sido cumpridas até agosto de 2022, constam como “atrasadas” no sistema de consulta processual do MPMS. Em janeiro deste ano, Anthony Állison Brandão Santos, solicitou que o Daex elabore novo relatório sobre a situação da Fazenda Annalu.
O portal De Olho nos Ruralistas trouxe à tona nesta quarta-feira (17) detalhes da investigação do MP. O site especializado informou que enviou questionamentos aos representantes do Valor, mas não obteve retorno. O Uol, que divulgou o material do observatório, também tentou, sem sucesso, contato com o grupo empresarial e a Rede Globo.
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