O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), ampliou as decisões que restringem o alcance dos acordos de leniência assinados com empresas acusadas na Operação Lava Jato e atendeu ao pedido da Odebrecht (atual Novonor), suspendendo o pagamento das parcelas da multa da empreiteira.
É o segundo acordo de leniência suspenso por determinação de Toffoli. Ele já havia beneficiado a J&F com decisão semelhante. O ministro determinou, em setembro do ano passado, a anulação de todas as provas que embasaram o acordo de leniência da Odebrecht, assinado no fim de 2016.
Como parte da leniência - uma espécie de delação premiada para pessoas jurídicas -, a construtora abriu ao Ministério Público Federal as planilhas da contabilidade paralela, com registros de propinas a agentes políticos e funcionários públicos.
A empreiteira mencionou 415 políticos de 26 partidos em seu acordo. Uma das condenações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no caso do sítio de Atibaia - depois anulada -, teve como base provas obtidas a partir dos anexos entregues pela Odebrecht.
As decisões monocráticas de Toffoli têm como base mensagens da Operação Spoofing - apuração sobre a invasão de celulares do ex-juiz Sérgio Moro e dos procuradores da antiga força-tarefa da Lava Jato - e o julgamento que declarou a suspeição de Moro e considerou que havia "vícios" nas provas.
A empresa afirmou no seu pedido de suspensão da multa que foi pressionada a fechar o acordo para garantir sua sobrevivência financeira e institucional. Toffoli reconheceu que há "dúvida razoável sobre o requisito da voluntariedade". "A declaração de vontade no acordo de leniência deve ser produto de uma escolha com liberdade", escreveu o ministro.
Prazo
Os pagamentos foram suspensos enquanto a empresa analisa documentos da Spoofing. A Odebrecht assumiu o compromisso de pagar R$ 2,72 bilhões ao longo de 20 anos. As autoridades responsáveis pela negociação, homologada em 2016, projetaram que o valor corrigido chegaria a R$ 6,8 bilhões ao fim do período.
A suspensão foi decidida no momento em que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, estuda recorrer do ato do ministro que favoreceu a J&F e interrompeu, em dezembro, o pagamento da multa original de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência do grupo. O chefe do Ministério Público Federal e equipe avaliam quais seriam os termos da contestação a ser remetida à Corte.
Como mostrou o Estadão, outras empresas que admitiram corrupção e se comprometeram a pagar cifras bilionárias para escapar da Lava Jato avaliam recorrer ao ministro do STF. O movimento faz parte de uma corrida para tentar a revisão dos acordos de leniência. Já houve tentativas frustradas de repactuação das multas fixadas.
As empreiteiras alegam que os valores foram arbitrados considerando um faturamento que já não é mais realidade no setor das grandes construções e que, apesar dos esforços para honrar os compromissos, o risco de inadimplência é iminente.
A Controladoria-Geral da União (CGU), que gerencia os acordos de leniência, tem sido inflexível diante dos pedidos de repactuação O órgão afirma que não há margem para a alteração dos valores, apenas de cláusulas sobre prazo e formas de pagamento. Uma das demandas das empresas é pagar parcelas futuras por meio de prejuízo fiscal e de precatórios.
Mensagens
As empresas viram na Operação Spoofing uma brecha para a derrocada dos acordos. A investigação prendeu o grupo responsável pela invasão dos celulares de membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, incluindo o ex-procurador Deltan Dallagnol, que coordenava o grupo de trabalho, e o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), que foi titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, berço da investigação. As conversas hackeadas constam como provas da investigação.
Fontes ligadas às empresas ponderam, no entanto, que nem todas poderão tirar proveito das conversas. A avaliação é de que o material só será útil se houver indícios de coação nas negociações. Caso contrário, poderia se tornar um tiro no pé.
Toffoli herdou do acervo do ministro aposentado Ricardo Lewandowski a reclamação na qual as provas da leniência da Odebrecht foram anuladas. Antigo relator do caso, Lewandowski tomou posse ontem como ministro da Justiça (mais informações na pág. A8). A decisão do ministro poderá ser usada pelas defesas de outros réus da Lava Jato para questionar ações abertas a partir de provas usadas no acordo de leniência.
Ao determinar a anulação completa das provas do acordo de leniência da Odebrecht, o ministro desconsiderou informações do Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht, conhecido como "setor de propinas" da empresa. O Drousys era um sistema para gerenciamento das requisições de pagamentos de propinas a políticos repassadas a entregadores. Listava apelidos, valores e contas.
Na leniência, a Odebrecht admitiu pagamento de propina no exterior, entregou recibos de doações feitas ao Instituto Lula e informações que apontavam pagamento indevido para obtenção de contratos para obras da Transpetro e da hidrelétrica de Belo Monte.
A decisão monocrática de Toffoli que anulou as provas da leniência da Odebrecht foi citada no relatório produzido pela Transparência Internacional, divulgado nesta semana. O documento mostra que o Brasil atingiu a segunda pior colocação da história no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2023, reporte produzido pela entidade desde 1995. Na pesquisa, o Brasil figura na 104.ª posição entre as 180 nações. A insegurança jurídica foi considerada entrave institucional para o combate à corrupção.
A Novonor, antiga Odebrecht, não se manifestou sobre a decisão de Toffoli.