A onda histórica de calor que atinge Campo Grande prejudica todos. Mas, se enfrentar um calorão de 40ºC dentro de casa ou escritório, com ar condicionado ou ventilador, já é desafio, imagine a situação na rua, tendo o asfalto como cama e uma ponte como teto. O Jornal Midiamax conversou com que vivem às margens do Córrego Segredo, na Avenida Ernesto Geisel.
A maioria deles está em situação de rua por envolvimento com o vício das drogas e do álcool. Entre um relato e outro sobre estratégias para driblar o calorão na rua, algumas personagens revelam passados que surpreendem.
De uma vida estável com família, casa e uma carreia bem sucedida, para uma moradia embaixo da ponte, é atual vida de um morador de rua, que preferiu se identificar apenas como Léo, de 39 anos.
Ele conta que tudo começou em São Paulo, onde cresceu e se formou em telecomunicações na Unicamp. “Trabalhei na implantação da tecnologia GSM (Global System for Mobile Communication), em grandes empresas como Oi e Claro aqui precisava de mão de obra e fui transferido para Campo Grande”.
Já na Capital, veio o término do casamento, Léo encontrou refúgio nas drogas e mora na rua há cerca de dois anos. “Na separação perdi minha família e bens, foi o fundo do poço, e me afundei nas drogas”.
Ele divide moradia com um amigo, que conheceu nessa realidade. “Mesmo nessa situação, quero estar perto de alguém que carregue valores e o mínimo de caráter que acredito”, disse ele. Os dois fabricam copos para sobreviver, vendendo cada exemplar por R$ 5,00, com isso, eles compram comida, e sustentam seus vícios.
“Não me orgulho como vivo, mas da minha conduta, sei que posso dormir sem medo de alguém vir me matar durante a noite, porque não roubo de ninguém”.
O colega de moradia também compartilha uma trágica história de vida, Gilmar, de 34 anos, mora na rua há mais de duas décadas, desde o assassinato de sua mãe. “Eu tinha 11 anos, vi meu padrasto atirar na minha mãe e ela agonizar no chão, na minha frente, fiquei sem reação”. Conforme ele, o crime acontece em dezembro de 1999, na Vila Eliane.
Depois de identificar o autor do crime, na delegacia, ele foi encaminhado para um abrigo, mas fugiu pouco tempo depois, vivendo desde então na rua. “Nunca roubei, sempre trabalhei, mas tudo o que aconteceu comigo foi graças ao pessoal da ponte”, desabafou.
Voltando ao assunto inicial da matéria, os moradores contam o que fazem para sobreviver em dias tão quentes. Para matar a sede, eles conseguem usar a torneira de um posto de gasolina da região, e compram gelo de garrafa pet, no bairro mesmo, para diminuir o calor.
A situação com a água também se repete, com Vania Regina, de 42 anos, ela e o marido estão juntos há 14 anos e moram às margens do córrego. Para sobreviver, ela vende goma no semáforo por R$ 1,50 e o marido comercializa copos e cinzeiros artesanais.
Para amenizar o clima devastador, ela coloca um balde de água com gelo dentro do seu barraco, mas para se refrescar, a única solução é tomar banho fazendo da canalização que desagua no córrego um chuveiro.
Durante as vendas debaixo do sol que faz a sensação térmica superar os 40ºC, a solução dela é molhar as costas, enquanto vende e lida com os perigos do trânsito. “Fiz uma cirurgia na perna e manco até hoje, estava vendendo goma na pista e motoqueiro não respeitou o semáforo”, desabafou.
Mesmo em um contexto delicado, Léo, que você conheceu no início da reportagem, ainda procura uma perspectiva de vida melhor. Ele e o amigo prometem a si mesmos que daqui 30 dias vão se internar para tratar o vício e, quem sabe, sair das ruas. Eles também contam com o apoio da organização sem fins lucrativos Anjos da Rua, que oferece o mínimo de apoio para pessoas como eles.
“Estou pensando em me internar, procurar ajuda para voltar para vida em sociedade. Porque aqui não vivemos, só sobrevivemos”. – Léo, 39 anos
*MIdiamax
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