O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes deu voto favorável nesta sexta-feira (29) para que a Corte amplie o entendimento sobre o chamado foro por prerrogativa de função – popularmente conhecido como foro privilegiado – , que estabelece quem pode ser (e por quais motivos) investigado, processado e julgado no STF.
Segundo o voto de Gilmar, o foro privilegiado deve ser mantido mesmo em julgamentos de casos após o fim de mandatos de políticos.
A regra atual sobre o foro, válida desde 2018, determina que, para que o processo ocorra no STF, é preciso que o crime tenha sido cometido no exercício do cargo e tenha relação com a função ocupada.
Neste cenário, se o agente público perder seu mandato, o processo sai do STF e vai para a primeira instância. A única exceção é para quando o caso já estiver na fase final de tramitação.
O julgamento em questão, que envolve um habeas corpus apresentado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), está marcado para sessão virtual, entre 29 de março e 8 de abril. No formato, não há debate entre os ministros.
Em seu voto, o ministro Gilmar mendes disse: “Estou convencido de que a competência dos Tribunais para julgamento de crimes funcionais prevalece mesmo após a cessação das funções públicas, por qualquer causa (renúncia, não reeleição, cassação etc.)”.
“Proponho que o Plenário revisite a matéria, a fim de definir que a saída do cargo somente afasta o foro privativo em casos de crimes praticados antes da investidura no cargo ou, ainda, dos que não possuam relação com o seu exercício; quanto aos crimes funcionais, a prerrogativa de foro deve subsistir mesmo após o encerramento das funções.”
Gilmar Mendes defendeu em seu voto a aplicação imediata da nova interpretação de aplicação de foro privilegiado aos processo em curso, “com a ressalva de todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior”.
A discussão envolve a possibilidade de ser fixada a competência do Supremo em situações de troca sucessiva de mandatos eletivos, mesmo que um dos cargos não tenha, especificamente, foro no STF.
Se aprovado por maioria, a nova regra será desfavorável ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), processado pelo Supremo por falsificação de cartão de vacina.
Um dos argumentos da defesa de Bolsonaro é que o tema não está relacionado ao exercício de seu mandato.
É também esse argumento utilizado pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que tem caso analisado na Corte.
Zambelli se envolveu em uma discussão na rua e perseguiu, com uma arma em punho, um homem pelas ruas de São Paulo nas vésperas das eleições presidenciais.
O deputado federal pelo Rio de Janeiro Chiquinho Brazão (sem partido), acusado de ser um dos mandantes da morte da vereadora Marielle Franco – assassinada a tiros, junto ao seu motorista, Anderson Gomes –, também tem caso discutido no STF, mas era vereador na época do crime, em 2018.
No habeas corpus, a defesa do senador Zequinha Marinho pede que uma ação em que ele é réu na primeira instância seja transferida para o STF.
O argumento é que Marinho não deixou de ocupar cargos com foro privativo, de forma ininterrupta, e que os fatos pelos quais responde na Justiça foram cometidos durante seu mandato de deputado e em função dele.
Zequinha Marinho foi deputado federal por dois mandatos seguidos, entre 2007 e 2015. Foi vice-governador do Pará de 2015 a 2018 até assumir como senador, para o período 2019-2027.
Ele foi denunciado em março de 2015, quando era vice-governador, pelo crime de concussão (exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida).
Os fatos são relacionados ao mandato de deputado. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), ele teria exigido que funcionários em cargos comissionados de seu gabinete na Câmara depositassem mensalmente 5% de seus salários nas contas do seu então partido, o PSC, sob pena de exoneração.
Ao se tornar vice-governador, o caso foi remetido do STF para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que aceitou a denúncia.
Tribunais de segunda instância são os responsáveis por processar e julgar os vice-governadores.
Depois do entendimento fixado pelo STF em 2018, o TRF-1 enviou o caso para a primeira instância da Justiça do Pará. Depois de questionamento da defesa de Marinho, a ação foi remetida para a Justiça Federal do Distrito Federal – onde está até hoje.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra o pedido do senador.
Em parecer, Paulo Gonet disse que os fatos narrados na denúncia foram praticados quando o ele exercia o cargo de deputado federal, “havendo, portanto, interrupção no mandato parlamentar, uma vez que José da Cruz Marinho [Zequinha Marinho], antes de ser eleito para o cargo de senador da República (2019/2027), foi eleito vice-governador do Pará (2015-2018)”.