Talvez aquele jeitão sério, introspectivo e calmo demais da arquibancada engane quem não conhece bem Carlos Amadeu. O ex-lateral do Bahia e do Galícia, de 53 anos, passa para o interlocutor, de fato, a leveza de espírito de um bom baiano. Mas na beira do campo essa impressão provavelmente se dá por uma das duas coisas:
Nascido em Salvador, fã de Daniela Mercury, Ivete, Bel Marques, Durval Lélis, Gil, Caetano, o treinador da seleção brasileira sub-20 estreia no hexagonal do Sul-Americano do Chile, nesta terça-feira, às 18h30, em Rancagua, no estádio El Teniente, contra a Colômbia.
O Brasil vai a campo com Phelipe, Emerson, Vitão, Walce, Carlos; Luan, Gabriel Menino, Bahia; Marquinhos Cipriano, Rodrygo e Lincoln. Lesionado, Papagaio está fora da partida. Ramirez está suspenso por dois cartões amarelos.
O SporTV transmite a partida entre Brasil x Colômbia ao vivo, às 18h30. O GloboEsporte.com acompanha o jogo em tempo real, direto do estádio El Teniente, em Rancagua
Foi ao telefone que Amadeu percebeu de vez a deficiência auditiva. Antes, apesar do que a mãe do treinador já dizia, ele seguia a vida normalmente, inclusive no futebol. Desde 2012 passou a usar os aparelhos. Num lado, tem 30% apenas de audição, no outro, não escuta praticamente nada.
Amadeu com a esposa Dora e os filhos Ricardo, de 28 anos, e Matheus, 14 — Foto: Arquivo pessoal
Os aparelhos são quase imperceptíveis. São como duas pequenas cordas conectadas ao tímpano. Amadeu leva o assunto com bom humor e brinca com a "vantagem" que leva pela falta de audição em meio ao caos de gritos, xingamentos e, muita, muita corneta nos estádios.
- Ô, às vezes é muita vantagem (risos). Quando a coisa está pegando lá em cima, eu desligo aqui e fico numa paz. Houve um jogo (na preparação) em Minas e a torcida estava muito nervosa atrás de mim. Parecia que estava estrondando meu ouvido. (Faz o gesto no ouvido) Eu desliguei, fiquei numa paz. Tão bom (risos), uma tranquilidade - conta o treinador.
Amadeu comanda a seleção sub-20 desde a demissão de Rogério Micale. Pela sub-17, foi campeão invicto sul-americano e terceiro colocado no Mundial — Foto: Thiago Crespo
- Outro dia encontrei Evaristo de Macedo (técnico campeão pelo Bahia, em 1988), na reunião de treinadores, da CBF. Ele me olhou e falou “Amadeu, eu lembro de você. Você era meu lateral-esquerdo, aquele que só tomava nas costas” - conta, aos risos.
De família de classe média, o pai de Amadeu trabalhava na Petrobras e a mãe, em casa, fazendo costura de vestidos. São sete irmãos, dois viraram professor - além de Amadeu, outro abriu escolinha de natação, em Candeias, na Bahia. (Ah, outros dois também têm problemas de audição, assim como o pai de Amadeu, que está "surdinho", aos 84 anos).
Os poucos registros de Amadeu como jogador: no Galícia, foi treinado por Abel Braga — Foto: Arquivo pessoal
O lateral Amadeu passa pelo marcador: filho do treinador cuida do acervo sobre o pai, que foi campeão brasileiro em 1988 pelo Bahia — Foto: Arquivo pessoal
Campeão baiano (foto) e brasileiro pelo Bahia em 1988: as lesões o perseguiram na fase mais vitoriosa da carreira — Foto: Arquivo pessoal
Amadeu está na CBF há quatro anos. Foi campeão sul-americano invicto em 2017 e terceiro colocado no Mundial. Antes, dirigiu por quase seis anos o Vitória - foi campeão da Copa do Brasil sub-20 em 2012 - e também foi técnico do Bahia. Nos dois clubes da Bahia teve períodos curtos no profissional. Não é algo que ele veja como essencial para sua carreira.
- Tive duas experiências no profissional, no Bahia e no Vitória. Tive outros convites, mas pensava que a base me dava mais do que eu queria no profissional. Que te exige resultado imediato, uma coisa que não condiz com o que penso. Penso em trabalho construído a médio e longo prazo. Prefiro às vezes ganhar menos para ter trabalho de início, meio e fim, do que ganhar mais e ficar meses. Isso não me atrai muito - conta Amadeu. que estava no profissional do Vitória quando assumiu a sub-17 na CBF.
Com a medalha no peito, Amadeu comemora o título de campeão da Copa do Brasil sub-20, em 2012, pelo Vitória — Foto: Arquivo pessoal
A estabilidade que Amadeu propaga na base, porém, passou longe de Alexandre Gallo, Emerson Ávila e Rogério Micale, todos demitidos após insucessos com o sub-20 na Seleção. Amadeu pondera, lembra que foi terceiro colocado no Mundial, que Tite caiu nas quartas e cita seu auxiliar Paulo Victor - vice no Sul-Americano sub-17. Todos continuaram.
Perguntamos se o novo coordenador da base Branco lhe deu como meta o título do Sul-Americano ou se a CBF, atráves do presidente eleito Rogério Caboclo, passou um objetivo claro para ele. A resposta tem dois lados, como um meme de internet: a expectativa pela análise ponderada com a conta dos problemas na montagem do grupo, e realidade do "perdeu, adeus".
- Algumas coisas não precisam ser ditas. Vivemos do que a gente produz. Não adianta achar que vamos ficar aqui na seleção sem resultado. Nem em clube. Mas tem que entender o que é o resultado. É só a conquista do título, a classificação? Ela é a formação? Tem vários tipos de resultado. Tem que entender as dificuldades, os entraves e avaliar isso. Para onde vou, levo a mala na mão em qualquer situação. Nossa cultura é resultadista - diz Amadeu.
Amadeu trabalha com a formação de atletas, seja no campo ou no futebol de salão, desde 1992. Faz as contas e põe quatro gerações de jogadores que passaram pelas suas mãos. No Vitória, treinou Vampeta, o falecido Alex Alves, entre outros. Na seleção, recentemente, esteve com Vinicius Junior e Paulinho.
- Sou altamente nervoso (risos). Essa semana eu estava conversando com eles (jogadores) e perguntei: "vocês me acham calmo?" Teve um que falou “mais ou menos”. Sou de família extremamente temperamental, mas fui me educando, me conhecendo e buscando entender o meu temperamento. Procuro trabalhar a respiração, os mantras que tenho para me dar segurança, tranquilidade para conviver nesse mundo - reflete.
A escolha da profissão virou sustento de vida ainda com a bola nos pés, mas, para Amadeu, ser professor antes de tudo é ter a missão de educar e preparar os "meninos", como chama tantos jogadores que conheceu nesses anos todos. Ele ainda sente frustração por cada atleta que trocou a bola pelo caminho da droga e do crime. E fica feliz de lembrar daqueles que nunca entraram em campo como profissional, mas se encontraram em outras profissões fora do futebol.
Apesar do mau futebol na primeira fase, a confiança no título e no crescimento deste Brasil sub-20 norteia o pensamento de Amadeu. Ele cita o falecido piloto Ayrton Senna ("O brasileiro só aceita o primeiro lugar") e reforça a convicção na evolução do time no torneio sul-americano.
- Precisamos ser mais ousados, mais brasileiros. Hoje, não existe mais tanta diferença no futebol. Antigamente a gente brincava que era todo mundo igual, todo mundo japonês. E quem não jogava nada era americano. O mundo está muito próximo, as informações chegam em tempo real. A miscigenação, a migração deixou de ser privilégio do Brasil. E o conhecimento também. Precisamos entender isso. A gente ainda tem diferencial muito grande. Se formos organizados, nos fortalecermos, se tivermos início, meio e fim, podemos nos manter como uma grande seleção.
*Globo Esporte
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