Colunistas Editorial
A CARNE QUE NUNCA CHEGOU: A PROMESSA QUEBRADA DE LULA E O BRASIL QUE ALMOÇA CARCAÇA
Confira o último editorial do Jornal Tribuna Popular
18/03/2025 09h26
Por: Tribuna Popular Fonte: Álvaro Pereira Filho
Ionara de Jesus passou a buscar alternativas para a carne — Foto: Vinícius Mendes/DW

Há pouco mais de dois anos, o discurso de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado por uma promessa emblemática: “O pobre voltará a comer picanha”. A frase, repetida como um mantra em comícios e entrevistas, resumia a proposta de um governo que se autoproclamava salvador da dignidade alimentar dos mais vulneráveis. No entanto, a reportagem publicada nesta semana pelo G1, intitulada “Brasileiros comem carcaça de frango e espinha de porco para driblar os altos preços dos alimentos”, expõe não apenas a falência dessa promessa, mas também a desconexão entre a retórica oficial e a realidade à mesa das famílias brasileiras. Enquanto o Palácio do Planalto insiste em narrativas ufanistas, o prato do trabalhador transformou-se em um retrato cru da inflação, da ineficiência das políticas públicas e do cinismo de quem prefere slogans a soluções.

A Picanha que Virou Carcaça: O Brasil Real Versus o Brasil dos Discursos

A matéria do G1 revela um cenário estarrecedor: diante do aumento de 28% no preço da carne bovina em 12 meses (segundo dados do Dieese), milhões de brasileiros recorrem a partes antes desprezadas dos animais, como carcaças de frango e espinhas de porco, para garantir proteína barata. Em feiras livres de São Paulo a Recife, açougues vendem pacotes de “ossos para sopa” a R$ 5,00, enquanto a picanha, símbolo máximo da promessa lulista, custa em média R$ 71,00 o quilo — valor inalcançável para 31,7 milhões de pessoas em insegurança alimentar, conforme o IBGE.

Não se trata apenas de um problema econômico, mas de uma quebra de contrato social. A promessa da picanha não era sobre um corte específico de carne; era uma metáfora de acesso à alimentação digna, de redução da desigualdade, de políticas que priorizassem os mais pobres. O que vemos, no entanto, é o governo atual repetindo os mesmos erros de gestões passadas: anúncios grandiloquentes, medidas paliativas e uma incapacidade crônica de atacar as causas estruturais da inflação alimentar.

O Que Falhou? Entre a Teoria e a Prática

O governo Lula atribui a crise aos “herdados do governo anterior” e a “choques externos”. Não há dúvida de que fatores globais, como a guerra na Ucrânia e a alta nos custos de fertilizantes, impactam os preços. Mas a insistência nessa narrativa ignora três falhas graves de sua própria gestão:

. A Armadilha do Assistencialismo sem Estrutura: Programas como o Bolsa Família (rebatizado de Bolsa Picanha nas redes sociais) são essenciais para alívio imediato, mas não resolvem a inflação de ali-mentos. Enquanto isso, o Plano Safra 2025 destinou apenas 15% dos recursos a pequenos produtores rurais, responsáveis por 70% da comida que chega às mesas brasileiras. Sem investimento em tecnologia, logística e crédito para agricultura familiar, a oferta de alimentos básicos continua engasgada.

. A Hipocrisia Tributária: O governo federal reduziu temporariamente impostos sobre a cesta básica em 2023, mas manteve a carga tributária estratosférica sobre insumos como energia e combustíveis — itens que impactam toda a cadeia produtiva. Enquanto caminhoneiros pagam R$ 6,80 no litro do diesel, o preço do frete é repassado ao quilo do arroz e do feijão.

. A Inércia Antimonopólio: Quatro grandes con-glomerados controlam 80% do mercado de proteínas no Brasil (JBS, BRF, Seara e Frangosul). Apesar das denúncias recorrentes de cartelização, o governo não avançou em políticas de concorrência ou regulação de preços. O resultado? Oligopólios ditando valores en-quanto o Ministério da Agricultura emite notas técni-cas otimistas.

A Espinha Dorsal da Crise: Quando o Simbólico Substitui o Concreto

A escolha da picanha como símbolo não foi inocente. O corte, associado a churrascos de classe média e a momentos de celebração, carrega um peso emocional. Mas transformá-lo em bandeira política sem um plano para viabilizá-lo foi um erro estratégico — e, agora, um tiro no pé. Enquanto o governo gasta energia defendendo sua narrativa, a inflação corrói o poder de com-pra, e o Ministério do Desenvolvimento Social parece mais preocupado em distribuir kits de marketing do que em ouvir quem sobrevive com restos de frango.
O paralelo com o primeiro governo Lula é inevitável. Entre 2003 e 2010, programas como o Fome Zero e a valorização do salário mínimo retiraram milhões da miséria. Na época, porém, o contexto era outro: inflação controlada, commodities em alta e uma equipe econômica técnica, não ideológica. Hoje, o mesmo partido repete os mesmos slogans, mas em um cenário de estagnação econômica, juros altos e dívida pública recorde. A picanha virou um fantasma do passado, e o prato do presente está cheio de ossos.

O Custo Humano: Quem Paga a Conta do Populismo Alimentar?

Por trás dos números, há histórias que o governo parece ignorar. A reportagem do G1 entrevistou Maria de Fátima, diarista de 54 anos de São Paulo: “Antes, eu comprava peito de frango. Hoje, só a carcaça. Uso para fazer caldo e misturo com farinha. Meus filhos não sabem o que é um bife há meses.” Como Maria, milhões reinventam receitas para esticar o orçamento. Enquanto isso, o Planalto anuncia “pacotes contra a fome” recheados de verbas para publicidade e eventos midiáticos.

O drama não se restringe às periferias. Pequenos açougueiros, como Carlos Alberto do Espírito Santo, relatam queda de 40% nas vendas: “Antes, o trabalhador comprava 1 kg de músculo. Agora, leva 300g de espinha e pede para moer com gordura.” O ciclo é per-verso: menos consumo desaquece a economia, reduz arrecadação e pressiona ainda mais os preços.

Para Além dos Ossos, a Reconstrução do Pacto Social

O Brasil não precisa de mais promessas — precisa de políticas. A picanha não será acessível com discursos, mas com um projeto nacional que enfrente, de uma vez por todas, as distorções que perpetuam a fome:

. Transparência nos Preços: Criar um observatório nacional que monitore e divulgue em tempo real os custos de produção e comercialização de alimentos, expondo abusos.

. Educação Alimentar: Incluir no currículo escolar disciplinas sobre nutrição e economia doméstica, empoderando famílias a fazerem escolhas conscientes.

. Soberania Alimentar: Reduzir a dependência de importações de fertilizantes e investir em agroecologia, garantindo comida de qualidade e preço justo.

A nós, cabe reforçar: um país que aceita que sua população coma restos não é apenas injusto — é um projeto fracassado. A picanha prometida pode até ser um símbolo, mas a dignidade não é negociável. Se o governo insiste em viver no passado, que o faça sozin-ho. O Brasil não pode esperar.