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‘Homem, este chão me pertence’: ataque de felino a caseiro vira poesia e gera comoção

Poema redigido em homenagem ao caseiro Jorge Ávalo, de 60 anos, morto por uma onça-pintada no Pantanal de Mato Grosso do Sul, está comovendo as redes sociais

23/04/2025 às 08h36
Por: Tribuna Popular Fonte: Midiamax
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‘Homem, este chão me pertence’: ataque de felino a caseiro vira poesia e gera comoção

A história do pantaneiro atacado pelo felino em um pesqueiro ás margens do Rio Aquidauana ganhou um outro tom nas palavras de um escritor que vive na cidade homônima. Assim como o caso, os versos ultrapassaram as fronteiras do Estado e emocionaram internautas de todo o país.

O responsável pela poesia que já se tornou um viral na internet é o escritor Carlos Gentil Vasconcelos. Em tributo ao caseiro, Carlos compartilhou em seu perfil nas redes sociais um texto em que reflete sobre a relação de Jorginho com a onça e simula um diálogo entre o felino e a vítima, questionando se ele não poderia ter se tornado um guardião do local onde tudo aconteceu.

Além de escritor, Carlos também é biólogo, professor, pesquisador e ecologista, e já atuou em pesquisas na região do Pantanal do Rio Negro, justamente a área onde o caseiro vivia há 20 anos e foi morto pelo animal. Com lugar de fala e conhecimento da causa, Vasconcelos deu a seu texto o título de “O Encontro de Jorge e a Onça”, e sensibilizou a web pela forma como descreveu o fato, considerado extraordinário.

Confira o poema na íntegra:

“O Encontro de Jorge e a Onça”

No coração quente do Pantanal,
o céu se tingia de fogo ao entardecer,
e o Sr. Jorge, de boné desbotado e alma tranquila,
tomava seu tereré à sombra do ipê-amarelo,
sentado na varanda onde o rio passava calmo.

Era homem de fala mansa, olhar atento.
Sabia decifrar pegadas no barro
e escutava o canto dos bichos como quem lê poesia.

Naquela tarde, ela apareceu.
A onça-pintada, a senhora da mata.
Olhos de âmbar, corpo de ouro e sombra.
Parou diante dele como se viesse cobrar algo antigo.

— Homem… este chão me pertence.
Antes da tua casa, teus bois, teus trilhos…
Eu era o pulso da vida aqui.
Caço pra manter o ciclo.
Sou equilíbrio, sou alerta.
Mas teu mundo aperta o meu.

Jorge suspirou, puxou um gole longo de tereré,
e respondeu com respeito:

— Dona Onça, não sou invasor.
Tô aqui faz vinte anos,
não cerquei teu rio, nem furei tua caça.
Só cuido do que posso.
Divido, não domino.

A onça o fitou fundo,
e pareceu aceitar.
Virou-se e sumiu no mato
como se nunca tivesse estado ali.

A partir daquele dia,
contam que Jorge virou mais guardião que morador.
Protegia árvores, soltava animais presos,
alertava os vizinhos:
“A floresta tem dono, e não sou eu.”

Mas os anos passaram.
E numa manhã de cheia,
encontraram a porta de sua casa aberta,
o tereré ainda gelado na guampa,
o boné pendurado num prego.

Nada fora levado.
Só Jorge havia sumido.

As marcas no chão eram claras:
pegadas de onça, duas — uma maior, outra menor.
Como se duas rainhas tivessem se cruzado ali.

Alguns dizem que foi a mesma onça,
vinda cobrar o que Jorge prometeu.
Outros falam de uma nova,
sem pacto, sem memória, sem piedade.

Mas ninguém ousa falar de tragédia.
Porque no Pantanal,
quando um homem como Jorge parte assim,
em silêncio e com marcas de bicho,
vira parte da lenda.

E à noite, quando a lua reflete no brejo,
dá pra ouvir o rugido ao longe.
E quem conhece a mata diz:
“É só a onça… ou talvez o velho Jorge, ainda vigiando.”

Carlos Gentil Vasconcelos, biólogo
Autor de Zé Caré em busca do rabo perdido

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