Bonito, um dos destinos de ecoturismo mais emblemáticos do Brasil, está sofrendo uma transformação alarmante em seu ambiente natural. As águas cristalinas, famosas mundialmente, vêm apresentando sinais de degradação, especialmente durante o período das chuvas. A causa? Um processo acelerado de desmatamento impulsionado pela expansão da agropecuária, principalmente o cultivo de soja.
De acordo com levantamento de organizações ambientais como a SOS Pantanal, MapBiomas e Fundação Neotrópica do Brasil, o município já perdeu cerca de 90 mil hectares de vegetação nativa entre 1985 e 2023. A destruição se intensificou nos últimos quatro anos, com uma média de 1.400 hectares desmatados anualmente. Áreas que antes abrigavam Mata Atlântica e Cerrado agora dão lugar a lavouras e pastagens.
O impacto desse avanço não se restringe à vegetação. Os rios da região têm apresentado alterações preocupantes. Antes transparentes, alguns trechos dos rios Mimoso e da Prata agora ficam turvos em épocas chuvosas. Há registros de assoreamento, diminuição do volume de água e até trechos completamente secos, resultado direto da remoção da cobertura vegetal e da abertura de drenos ilegais, que direcionam sedimentos e resíduos agrícolas para os cursos d’água.
As práticas agrícolas também contribuem para o acúmulo de substâncias químicas nos rios. Um estudo da Fundação Neotrópica identificou, pela primeira vez, vestígios de agrotóxicos em amostras coletadas em Bonito, além de elevadas concentrações de nitrogênio e fósforo, oriundas da adubação e do esgoto.
Enquanto a legislação ambiental exige rigor para proteger biomas como a Mata Atlântica, denúncias apontam que em Bonito o desmatamento ocorre com o simples preenchimento de licenças on-line, sem vistoria in loco por parte de órgãos ambientais. A ausência de fiscalização adequada e o arquivamento de ações judiciais reforçam o sentimento de impunidade. Em 2018, o Ministério Público aplicou multas que somavam R$ 16,8 milhões contra responsáveis pela abertura de 46 quilômetros de drenos, mas as penalidades foram suspensas por decisão judicial. O valor estipulado para a recuperação da área foi reduzido para pouco mais de R$ 3 milhões, com parte sendo custeada pelo poder público.
Além da questão ambiental, os impactos recaem diretamente sobre a economia local. O ecoturismo, responsável por cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) do município, depende da conservação das belezas naturais. Rios transparentes, cachoeiras e trilhas ecológicas são a base da atividade turística. A degradação do meio ambiente ameaça, portanto, empregos, renda e o futuro da cidade.
Diante do cenário, entidades ambientais propõem a criação de um Zoneamento Ecológico-Econômico que delimite áreas prioritárias para conservação, com foco na proteção das nascentes e da biodiversidade. A medida, porém, enfrenta resistência de setores do agronegócio, que já conseguiram barrar, judicialmente, tentativas de criação de novas unidades de conservação.
Com a proximidade da COP-30, evento global sobre mudanças climáticas, a crise ambiental em Bonito levanta uma questão incômoda: como conciliar o desenvolvimento do agronegócio com a preservação de um dos patrimônios naturais mais preciosos do Brasil? A resposta, segundo ambientalistas, passa pela aplicação rigorosa da lei, fiscalização efetiva e vontade política de proteger o que ainda resta das paisagens que colocaram Bonito no mapa mundial do turismo sustentável.