As irregularidades em transações apontadas pelo Grupo Globo envolvendo o Cruzeiro no ano passado podem acarretar sanções ao time mineiro. Atualmente, a legislação esportiva permite que apenas os clubes possuam direitos econômicos de atletas. Entretanto, na reportagem, foi mostrado que o Cruzeiro cedeu parte dos direitos econômicos de 10 jogadores – sendo um deles um menor de 12 anos – ao empresário Cristiano Richard dos Santos Machado.
Em entrevista ao Grupo Globo, o advogado e professor convidado de cursos de pós-graduação e MBA em Direito Desportivo e Trabalhista, Bichara Abidao Neto, explicou como funciona a cessão de direitos de atletas e quais sanções um clube pode sofrer.
- Os direitos econômicos, hoje, podem pertencer ao clube que detém – que detinha – o registro, o vínculo do jogador anteriormente: clube anterior do atleta. E, a partir de primeiro de junho (de 2019), a Fifa vai alterar o regulamento dela. Os atletas deixam de ser considerados terceiros e passam, voltam a ter o direito de possuir os seus direitos econômicos. Mas a Fifa proibiu, a partir de maio de 2015, a participação de terceiros nos direitos econômicos dos atletas. Só os clubes que detinham o vínculo desportivo desses jogadores podiam deter direitos econômicos. A partir de maio de 2015, só eles. E agora, a partir de primeiro de junho de 2019, os atletas voltam a ter esse direito, em função da alteração que a Fifa passou no regulamento dela – explicou Bichara.
Wagner Pires de Sá, presidente do Cruzeiro — Foto: Vinnicius Silva
Em contrato datado de 3 de abril de 2018 e assinado pelo presidente do clube mineiro, Wágner Pires de Sá, com assinatura, como testemunhas, do vice-presidente de futebol, Itair Machado, e do diretor-geral, Sérgio Nonato dos Reis, o clube cedeu, em troca de pagamento de um empréstimo de R$ 2 milhões, firmado em 1º de março do ano passado, parte dos direitos de 10 atletas. Prática proibida.
- Os clubes e os atletas, como eu disse no início, que negociam sem a participação de um agente licenciado, estão sujeitos a sanções disciplinares, como o regulamento de transferências da CBF estabelece para esse descumprimento. Vão de advertência, multa, à suspensão das atividades. O rol é bastante amplo. Tanto para um quanto para o outro. Tanto para o clube quanto para o atleta. O atleta pode ser advertido, multado, suspenso. A punição vai ser a mesma daquele que trata, que negocia com agente que não seja licenciado. As mesmas sanções disciplinares: advertência, multa, proibição de transferência de jogadores, de registro de atletas. O rol é amplo, severo. Se o clube for reincidente, a pena vai ser agravada. Então, a previsão está estabelecida no regulamento.
A cessão de parte dos direitos econômicos ao empresário Cristiano Richard:
Ainda segundo Bichara Abidao Neto, um atleta menor de idade, como é o caso de Estevão William, chamado de "Messinho", não pode também ser agenciado. Potenciais jogadores só podem assinar seus primeiros contratos profissionais a partir dos 16 anos. Antes disso, crianças e adolescentes podem, no máximo, ter contratos de formação, nos quais não há direitos federativos e econômicos. A venda de 20% de "Messinho" não poderia ter ocorrido.
- O atleta menor de idade, se ele não for profissional, não pode ter um agente. Isso está determinado na Lei Pelé e no Regulamento de Intermediários da CBF. Se ele for um atleta menor de idade e já for profissional, ele pode ter um representante. Um agente, mas ele não pode pagar comissão. O agente não pode cobrar comissão dele. Só a partir do momento em que ele alcançar a maioridade. A regra do regulamento hoje é essa. Mas, se ele for amador, não pode sequer ter um intermediário, um agente. O agente, se for licenciado, fica sujeito a sanções disciplinares, se for verificada essa infração. Se não for licenciado, o atleta fica sujeito a sanções disciplinares, por ter se socorrido de um agente não licenciado. O próprio atleta teria aberto um procedimento na CNRD, pra investigar a infração e, eventualmente, punir o atleta.
Toca da Raposa II
Como funciona uma investigação e julgamento sobre a irregularidade?
- Normalmente, a primeira investigação é feita pelo departamento de registros e transferências da CBF. E ela, verificando uma impropriedade por parte do clube ou do atleta, manda o caso para a Câmara Nacional de Resolução de Disputas, a CNRD, que é um órgão da própria CBF, que é quem vai processar e investigar essa infração. E ela determina a sanção – explicou Bichara.
Segundo o advogado, é a Câmara Nacional de Resolução de Disputas, a mesma que analisa o caso da multa dos R$ 10 milhões de Fred ao Atlético-MG, que vai julgar uma eventual situação irregular. O caso não chega à Fifa
- Quem julga isso, por força do Regulamento Nacional de Intermediários da CBF, é a Câmara Nacional de Resolução de Disputas, a CNRD, que é uma Câmara Interna da CBF. Contra as decisões dessa CNRD, as partes podem recorrer ao Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, o CBMA, que é uma câmara arbitral independente da CBF e tem sede no Rio de Janeiro. E o recurso seria julgado, em grau de arbitragem, por esse centro de mediação e arbitragem. Não chega à Fifa, não chega ao governo. Isso é julgado de forma privada por esses órgãos de resolução de disputas.
*Globo Esporte
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