Endividado em mais de meio bilhão de reais, o Cruzeiro repassou a um terceiro R$ 800 mil referentes à venda de Mayke para o Palmeiras em outubro de 2018. O clube transferiu o dinheiro ao empresário Carlos Alberto Isidoro, o ex-jogador Carlinhos Sabiá – que não é representante de Mayke, nem possuía registro de intermediário na CBF no momento em que recebeu a comissão.
Mayke foi emprestado pelo Cruzeiro ao Palmeiras em 2017, durante a administração de Gilvan de Pinho Tavares, em acordo que tinha um ano e meio de duração e valor de compra estabelecido em 4 milhões de euros. Se o Palmeiras quisesse comprar o atleta em definitivo, precisava apenas pagar a quantia fixada no contrato de empréstimo.
Mayke é representado legalmente e perante a CBF por dois empresários, Giuliano Bertolucci e Fábio Mello, ambos devidamente registrados no sistema da entidade. Bertolucci também tinha 30% sobre os direitos econômicos de Mayke. Os 70% restantes pertenciam ao Cruzeiro.
No segundo semestre de 2018, o Cruzeiro precisava de dinheiro para quitar compromissos urgentes e estava disposto a vender Mayke por menos do que 4 milhões de euros. Bertolucci então procurou Alexandre Mattos, diretor de futebol do Palmeiras, e propôs a compra com desconto, porém com pagamento imediato para resolver o problema cruzeirense. Carlinhos Sabiá fez contato com o Palmeiras para tentar intermediar a operação, e o Palmeiras o informou que a negociação acontecia com outros empresários – Bertolucci e Mello.
Itair Machado foi o dirigente responsável pelo contrato em que o Cruzeiro cede R$ 800 mil a Carlinhos Sabiá pela venda de Mayke para o Palmeiras — Foto: Reprodução
A transferência foi sacramentada em 28 de setembro, e o Cruzeiro ficou com R$ 8 milhões líquidos (equivalentes a cerca de 2 milhões de euros). O clube decidiu então repassar 10% deste valor a Carlinhos Sabiá. O primeiro pagamento de R$ 400 mil em nome do empresário aconteceu em 29 de setembro, e o segundo, também de R$ 400 mil, foi realizado em 19 de outubro. Ambos os valores constam em contrato para pagamento de comissão assinado apenas em 28 de outubro. Este contrato é assinado pelo vice de futebol Itair Machado.
Carlinhos Sabiá não negociou o jogador como pessoa física. A comissão foi paga à empresa Jeo Rafah Sports, cujo único proprietário é Felipe Costa Isidoro, filho de Carlinhos. No momento da transferência, a Jeo Rafah não tinha registro no sistema de intermediários da CBF – assim como também não tinham nem Carlinhos, nem Felipe enquanto pessoas físicas. O pedido de cadastro da Jeo Rafah foi solicitado à entidade apenas em 1º de novembro, depois que ela já tinha recebido e formalizado a comissão sobre a transferência de Mayke.
Em conversa de quase meia hora com o GloboEsporte.com, Carlinhos deu explicações sobre os negócios que possui no futebol – além de ter recebido comissão do Cruzeiro no caso de Mayke, ele é representante de Lucas Mineiro e Bruno Silva. Perguntado sobre o registro da Jeo Rafah no sistema da CBF, ele garantiu que a empresa estava regularizada.
– Uma coisa eu te garanto: quando o Cruzeiro me pagou a comissão do Mayke, ela já estava registrada. [...] O Itair me credenciou a intermediar o negócio com o Palmeiras. Eu tenho registrados os documentos. Eu fui, intermediei e ganhei a minha comissão. Coisa normal.
Jeo Rafah Sports, empresa que Carlinhos Sabiá abriu em nome do filho, tem sede registrada na residência da sogra do empresário — Foto: Rodrigo Capelo
A reportagem também questionou o registro da Jeo Rafah Sports, feita em nome do filho, com endereço na residência da sogra de Carlinhos.
– A minha empresa é séria, cadastrada na CBF. Coloquei no nome do meu filho porque estou trazendo meu filho para trabalhar comigo. Eu estou com 60 anos, entendeu? Então por isso que coloquei no nome dele. Mas a empresa não tem nada, é séria, registrada na CBF.
Procurado pelo GloboEsporte.com, o Cruzeiro confirmou que credenciou Carlinhos Sabiá a atuar como intermediário na transferência de Mayke e afirmou que ele estava registrado.
– A relação com o empresário Carlinhos Sabiá é estritamente comercial, assim como dele com vários outros clubes do país. Na atual gestão do Cruzeiro, apenas dois contratos foram firmados sob sua prestação de serviços, através de empresa por ele administrada e devidamente registrada na CBF. O primeiro negócio foi a transferência do atleta "Bruno Silva" junto ao Botafogo FR, em que atuou como representante do atleta. No segundo negócio foi concedida a ele uma autorização para representar o Cruzeiro na captação de proposta para transferência do atleta "Mayke", que acabou se concretizando com sua transferência ao Palmeiras, oportunidade em que atuou como intermediário.
Sobre empresários não registrados na CBF – como é o caso de Carlinhos Sabiá, de Cristiano Richard e da madeireira AV & S Consultoria Desportiva, aos quais o Cruzeiro também fez pagamentos no ano passado – o clube informou que a prática se estende desde a gestão passada e que nem sempre consegue checar dados dos empresários.
– Na gestão do ex-presidente Gilvan de Pinho Tavares, o Cruzeiro firmou vários negócios e contratos com empresários não registrados na lista de intermediários da CBF, tendo sido inclusive notificado por aquela entidade, tendo apresentado sua justificativa. Em alguns casos ocorridos na atual gestão que foram detectados estão sendo objeto de regularização, tendo o Cruzeiro notificado as empresas para devidas providencias junto à CBF. Em algumas circunstâncias negociais não é possível a verificação antecipada e imediata das empresas prestadoras de serviços, e eleitas pelo próprio atleta para representá-lo, inclusive pela dinâmica em que as negociações ocorrem. Entretanto, tão logo verificada qualquer irregularidade, o Cruzeiro imediatamente providencia sua correção com a notificação da empresa ou outras providencias que considera cabíveis – escreveu o clube em nota à reportagem.
*Globo Esporte
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