O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa condenou o ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado Cícero Antonio de Souza à perda da aposentadoria e, junto ao espólio do falecido conselheiro José Ancelmo dos Santos, ao pagamento de R$ 7,5 milhões em ressarcimento aos cofres públicos, indenização por danos coletivos e multa civil. Ambos foram considerados culpados pela prática de ato de improbidade administrativa na contratação fraudulenta de uma empresa de limpeza.
O MPE apontou o desvio de R$ 19,378 milhões por meio do contrato com a Limpamesmo Conservação e Limpeza Ltda, mas o titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, calculou que o total do prejuízo foi de R$ 3.529.892,69.
O promotor Adriano Lobo Viana de Resende denunciou o trio pelo superfaturamento de R$ 3,443 milhões entre 2003 e 2010, o pagamento de R$ 14,812 milhões para apoio administrativo, atividade que não estava prevista no contrato. Também houve o pagamento de R$ 1,035 milhão por notas fiscais vencidas e R$ 82,2 mil de notas de terceiros.
De acordo com a ação de improbidade, a Limpamesmo Conservação e Limpeza, em nome da viúva Eliete Silva, assinou o contrato em janeiro de 2003. Apesar do valor do contrato ser superior a R$ 1 milhão, o TCE-MS, na gestão de José Ancelmo, adotou a modalidade carta convite, para valores de até R$ 80 mil. O contrato foi sendo prorrogado e sofrendo reajustes até passar de R$ 32,3 mil para R$ 136,4 mil por mês.
As defesas dos conselheiros alegaram que houve um acordo firmado entre o TCE-MS e o MPE por meio de uma TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para que a corte de contas não efetuasse mais contratação terceirizada de mão de obra para prestação de serviços em sua atividade-fim para rejeição da denúncia.
Em sentença prolatada na segunda-feira (8), o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, define que a modalidade de licitação escolhida pela presidência do TCE-MS para seleção e posterior contratação de empresa prestadora dos serviços de conservação e limpeza, a Limpamesmo Conservação e Limpeza, era flagrantemente incongruente com o valor do contrato posteriormente firmado de R$ 1.023.984,00.
Além disso, o “contrato n.º 001/2003 foi irregularmente prorrogado muito além do prazo máximo previsto na legislação de regência aplicável à época”, apesar de alerta feito por parecer jurídico, cita o magistrado. O contrato durou ao todo “13 longos anos”, sendo que do período de 2011 a 2016 “a avença continuou em vigor sem fundamento em qualquer termo aditivo que o prorrogasse formalmente, como se observa ao se compulsar o referido processo administrativo”.
“Tais irregularidades, ressalte-se, ganham contorno ímpar na presente hipótese, haja vista que se mostram inaceitáveis no caso em exame pelo fato de que os requeridos José Ancelmo dos Santos e Cícero Antonio de Souza (então Conselheiros do TCE/MS), que realizaram o procedimento licitatório, assinaram o respectivo contrato e seus aditivos e autorizaram os pagamentos indevidos de nota fiscais de terceiros, tratavam-se de pessoas que atuam justamente na fiscalização de licitações deflagradas e contratos firmados no âmbito dos respectivos entes federativos deste Estado e sua adequação à legislação de regência (à época Lei n.º 8.666/1993), detendo, portanto, indiscutíveis conhecimentos técnicos específicos sobre o assunto”, descreve Ariovaldo Nantes Corrêa.
O magistrado destaca que embora a empresa Limpamesmo Conservação e Limpeza tenha recebido valores “extremamente elevados” do TCE-MS, não possui sequer uma sede estruturada e condizente com o seu faturamento milionário, sendo que suas sócias sequer foram encontradas para receberem citação no processo, e estão atualmente em local incerto e não sabido. “Circunstâncias que, se somadas aos apontamentos feitos acima, reforçam a suspeitas que pesam sobre os atos ilegais imputados aos requeridos José Ancelmo dos Santos e Cícero Antonio de Souza”, diz o juiz.
O titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos informa que as ilegalidades denunciadas pelo MPE “sequer são negadas nas defesas apresentadas pelos requeridos espólio de José Ancelmo dos Santos e Cícero Antonio de Souza”. E classifica que o ocorrido foi “mais do que um mero erro decorrente de imperícia, tratando-se, isto sim, de um ato consciente e deliberado dos agentes públicos no intuito de frustrarem a licitude de processo licitatório e liberarem/aplicarem irregularmente verba pública em prejuízo aos cofres públicos, configurando na hipótese, portanto, ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário previsto no artigo 10, caput, da Lei n.º 8.429/1992”.
Ariovaldo Nantes Corrêa definiu que as circunstâncias acima, somadas às provas juntadas com a inicial e mencionadas na sentença, “são mais do que suficientes” para se chegar à conclusão de que as ações de José Ancelmo dos Santos e Cícero Antonio de Souza foram praticadas com dolo, incidindo na prática do ato de improbidade.
“Em relação ao requerido José Ancelmo dos Santos, o dolo fica evidente na incongruência referente à modalidade licitatória escolhida, ao superfaturamento do valor inicial do contrato sem qualquer justificativa, ao reajustamento durante o período em que teve vigência formal em completo descompasso com a previsão contida em seu instrumento, além de haver efetuado pagamento de notas fiscais de terceiros estranhos ao contrato e ao seu respectivo objeto em favor da empresa Limpamesmo Conservação e Limpeza Ltda”, relata o magistrado.
“[…] enquanto o requerido Cícero Antônio de Souza renovou o contrato n.º 001/2003, que foi prorrogado muito além do prazo máximo previsto na legislação de regência aplicável à época (máximo de 60 meses prorrogáveis por mais 12 meses/ art. 57, II e §§ 2º e 4º, da Lei n.º 8.666/1993) desconsiderando parecer jurídico juntado no Processo TC AF/MS 0020/2003, até o ano de 2011, sendo que do período de 2012 a 2014 a avença continuou em vigor sem fundamento em qualquer termo aditivo que o prorrogasse formalmente”, complementa.
“Ademais, some-se a isto tudo a contratação com uma empresa que, apesar de receber valores milionários, não possui sequer uma sede estruturada e condizente com o seu faturamento milionário, sendo que suas sócias e gerente sequer foram encontradas”, argumenta o juiz. “[…] sendo aparente a situação de uma empresa fantasma ou de fachada, não resta dúvida que os requeridos espólio de José Ancelmo dos Santos e Cícero Antonio de Souza agiram para concluir e manter a contratação da referida empresa causando o prejuízo apontado linhas atrás”, prossegue.
Em um parágrafo da sentença, de 58 páginas, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa isenta o ex-presidente do TCE-MS Waldir Neves Barbosa de qualquer responsabilidade.
“Cabe aqui destacar que a conclusão relativa ao prejuízo aos cofres públicos, todavia, não é possível se estabelecer em relação ao requerido Waldir Neves Barbosa, haja vista que, como acima discorrido, para configuração do ato de improbidade previsto no artigo 10 da LIA, necessário que haja efetiva e comprovada perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades tuteladas (caput do referido dispositivo), contudo, como adiante se verá, as perdas patrimoniais reconhecidas na presente ação não se deram no período de atuação do mencionado agente público (2015/16), tendo em conta que os prejuízos que restaram comprovados aos cofres públicos ocorreram em período anterior ao que ele assumiu como presidente do TCE/MS (fls. 3.627-8), ainda que ele tenha efetivamente mantido a contratação da mencionada empresa e efetuado diversos pagamentos entre os anos de 2015/16”, descreve.
Sobre os danos causados pelos réus espólio de José Ancelmo dos Santos e Cícero Antonio de Souza ao erário denunciados pelo MPE, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa considerou que o prejuízo aos cofres públicos durante o período em que o contrato vigorou formalmente (até o ano de 2011) foi no valor total de R$ 3.443.670,69, que corresponde à diferença entre o que foi efetivamente pago à empresa Limpamesmo Conservação e Limpeza e o que deveria ter sido pago, caso fosse aplicado o reajuste de forma correta (isto é, com base no índice de correção do salário mínimo).
O magistrado cita que também foi apurado prejuízo ao erário pelo pagamento de notas fiscais de terceiros, estranhos ao contrato em exame, feitos em favor da empresa Limpamesmo, cuja cifra atingiu o valor de R$ 86.222,00.
“Quanto aos pagamentos feitos pelo Tribunal de Contas do estado de Mato Grosso do Sul de notas fiscais vencidas (documento inábil), que atingiriam o montante de R$ 1.035.574,00 (fl. 490), por outro lado, em nada representa real dano ao erário, haja vista se tratar de mera irregularidade”, relata o juiz.
Em relação aos pagamentos de notas fiscais relativas a serviços estranhos ao objeto do contrato n.º 001/2003 (área meio ou área fim do TCE/MS), que alcançaram o montante de R$ 14.812.974,35 e ocorreram entre os anos de 2012 e 2016 causando o escalamento no valor mensal do contrato pago pela prestação dos serviços, o magistrado decidiu que não é possível concluir que representaram dano ao erário.
As rés Eliete da Silva e Eliza da Silva foram absolvidas porque não houve provas de que elas teriam induzido ou concorrido dolosamente para a prática do ato de improbidade em questão, nem que houve participação ou benefício direto delas enquanto sócias da pessoa jurídica Limpamesmo Conservação e Limpeza.
O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa condenou o conselheiro Cícero Antonio de Souza à cassação de sua aposentadoria; suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 10 anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano (R$ 3.529.892,69) e, por fim, ao ressarcimento do dano causado ao erário, sendo que a cota parte que cabe a ele nessa devolução aos cofres públicos será apurada em sede de liquidação de sentença por arbitramento, com juros e correção monetária.
Ao espólio de José Ancelmo dos Santos, foi determinada a obrigação de ressarcir o dano causado ao erário, sendo que a cota parte que cabe a ele nessa devolução aos cofres públicos será apurada em sede de liquidação de sentença por arbitramento, também com juros e correção monetária.
Cícero Antonio de Souza e o espólio de José Ancelmo dos Santos também foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos fixados em R$ 250 mil para cada um, com incidência de juros de mora pela Taxa Selic e correção monetária a partir da publicação da sentença, também pela Taxa Selic.
A cassação da aposentadoria do conselheiro Cícero Antonio de Souza somente será efetivada após o trânsito em julgado do processo, ou seja, quando não restarem mais possibilidades de recurso. De acordo com o Portal da Transparência do TCE-MS, a remuneração dele foi de R$ 48.122,31 no mês de junho.
A defesa do conselheiro Waldir Neves Barbosa, representada pelo advogado André Borges, celebrou a absolvição e afirmou que Cícero Souza irá recorrer.
“Waldir Neves foi absolvido de maneira adequada. Cícero de Souza irá recorrer, demonstrando que tudo fez para regularizar a mão de obra terceirizada do TCE, mediante acordo com o Ministério Público”, declarou André Borges.