Em Mato Grosso do Sul, a escassez também acontece, sem qualquer nome na Assembleia Legislativa, raros cargos em Câmaras Municipais e somente dois prefeitos. Realidade para ser refletida neste 20 de novembro, Dia Consciência Negra, na primeira vez, que a data é feriado nos 26 estados, no Distrito Federal e nos 5.570 municípios.
Nas eleições de 2024 nos 79 municípios do Estado, apenas 62 pretos foram eleitos, entre os 1.005 vitoriosos do último pleito sul-mato-grossense. Sendo que, fora Selvíria, administrada por Jaime Soares Ferreira, o outro lugar onde há prefeito, que se autoidentifica neste fenótipo, é Antônio João, cidade com o comando de Marcelo Pé, filho de uma ex-faxineira da Prefeitura.
“A reflexão que fica é sobre as pessoas acreditarem no seu potencial e fazerem a sua trajetória, sem pensar em barreiras, pois hoje há mais possibilidades de Inclusão. Claro que há muito a melhorar, contudo existe oportunidade para quem corre atrás. Antes de gerir a minha cidade, fui quatro vezes vereador, o que, pelos serviços prestados me credenciou a ocupar esse cargo hoje. A população olha isso na hora de escolher e na política todo espaço é muito disputado”, pontua Marcelo Pé.
Nos 60 restantes da lista, apenas dois vereadores na Capital, ambos já com reeleição no currículo e aprendizados em momentos de superação na carreira política.
“A diferença em ser um político negro é que você precisa provar todos os dias que é capaz. Pressão que acontece por conta do preconceito velado, a nossa sociedade possui em várias camadas. Não é explícito, direto, mas ataca, na ironia, na desconfiança e impede que muitos pretos tenham oportunidades mais claras nas eleições ou nas Prefeituras, em cargos de Secretariado”, diz
“Além da barreira imposta pelo racismo estrutural, tem ainda a questão social, a origem de periferia, situação de muitos de nós, portanto mudanças de verdade só com uma estrutura de acesso mais digna”, explica Junior Coringa (MDB), que junto do mandato parlamentar responde pela Presidência do MDB Afro de Mato Grosso do Sul.
Da mesma Legislatura, a sua segunda na vida pública, Ronilço Guerreiro (Podemos), destaca que a bandeira pela causa deve estar associada a várias lutas direcionadas à Consciência Negra.
“Foi a minha caminhada que me fez ser vereador de Campo Grande, não cheguei lá por ser negro. Porém, exercer essa representatividade me orgulha muito e me dá também uma responsabilidade enorme de lutar por melhores condições sociais e políticas ao preto. Precisamos, todos juntos, trabalhar pelo avanço na igualdade de oportunidades, equidade de acessos e, sobretudo o respeito. Existe sim o racismo estrutural, problema que deve ser enfrentado diariamente e o meu mandato tem nas suas prioridades o combate ao racismo”, relata.
Com uma trajetória ascendente na política, em cargos como vereador (1993-1995), deputado estadual (1995-1999) e deputado federal (1999-2003), Ben Hur Ferreira analisa avanços neste sentido ocorreram, porém ainda como muito a se desenvolver.
“Ainda distante de uma democracia racial, que é um sonho o qual jamais podemos desistir, considero que houve muita transformação em quatro décadas. A própria data do dia 20 simboliza isso e serve como marco de conscientização, respeito e posicionamento“,
avalia Ben Hur.
“Na minha atividade política sempre lutei por essa bandeira, mas não falando apenas para convertidos, o assunto deve ser universal, pois o racismo estrutural está em todo lugar, nas instituições, em costumes arcaicos e na cultura da sociedade que precisa amadurecer conceitos. O Brasil tem problemas graves de subrepresentações e temos que mudar isso juntos”, fala o autor da Lei Federal n°10.639/2003, que tornou obrigatório nas escolas o ensino quanto a cultura afro-brasileira.
No Mato Grosso, onde a prevalência do público está nas que superam a média nacional, apenas um chefe de Executivo Municipal é preto, no comando da pequena Poconé, de 31 mil habitantes. Singularidade apresentada, com o prefeito Dr. Jonas, médico de 48 anos, uma exceção, infelizmente, entre as 142 cidades do estado vizinho. Universo não muito diferente do panorama brasileiro atual, em que um a cada dez municípios sequer possuem vereadores negros.
Na gestão de cidades do país, 33% das prefeituras tem pretos no governo, de acordo com dados da Justiça Eleitoral. Conforme a Folha de São Paulo, no monitoramento do GPS Partidário, o raio-x desse extrato de gestões possui na maioria das vezes, projetos pragmáticos, sendo 49% de administradores municipais ligados ao Centro.
Panorama que mostra quanto a “consciência negra” transcende espectros ideológicos. Em centros maiores regionais a quantidade é recorde de prefeitos pretos: oito no total, distribuídos em Aracaju, Boa Vista, João Pessoa, Maceió, Manaus, Rio Branco, Salvador e Teresina.
Número que cresce, na hipótese de entendimento mais amplo quanto a uma distribuição de recursos e estrutura que superem o ponto de partida previsto na Resolução nº 23.605 de 2019, do Tribunal Superior Eleitoral. Regra que estabelece, por ora, a obrigatoriedade de, pelo menos, 30% do FEFC (Fundo Especial de Financiamento de Campanha) ser destinado a mulheres ou negros.