A empresa Health Brasil Inteligência em Saúde, investigada em uma série de ações do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) por supostas práticas de superfaturamento, fraudes em licitações e desvio de recursos públicos, tenta agora assumir a administração do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS) pelos próximos 30 anos. A companhia faz parte de um dos cinco consórcios que entregaram propostas para participar do leilão marcado na Bolsa de Valores (B3), previsto para esta terça-feira.
A movimentação reacendeu alertas já acendidos em outras investigações, especialmente porque a Health Brasil possui vínculos societários e comerciais com o grupo empresarial associado a Rodolfo Pinheiro Holsback — nome amplamente citado em escândalos de corrupção em Mato Grosso do Sul ao longo dos últimos anos, incluindo investigações sobre direcionamento de contratos, propina e irregularidades em pregões públicos. Holsback já foi alvo de ações, relatórios e investigações públicas que apontaram seu envolvimento em irregularidades que atingiram diferentes áreas da administração estadual, o que torna sua presença indireta no processo de concessão objeto de preocupação entre servidores, parlamentares e entidades de controle.
A Health Brasil presta serviços ao Governo do Estado desde 2015, incluindo contratos com a Secretaria de Saúde (SES). Mesmo sem contrato formal vigente, a empresa recebe mensalmente R$ 2,69 milhões, sustentada por reconhecimentos de dívida sucessivos.
A companhia tornou-se alvo central da Operação Turn Off, deflagrada em novembro de 2023, que investigou supostas fraudes, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, superfaturamento e lavagem de dinheiro em contratos públicos. A ação resultou em prisões preventivas, dezenas de mandados de busca e apreensão e o indiciamento de empresários e servidores estaduais.
Segundo o MPMS, a Health Brasil teria sido beneficiada por fraude conduzida pela ex-pregoeira da SAD, Simone de Oliveira Ramires Castro, que teria recebido propina dos empresários Lucas Coutinho e Sérgio Andrade Coutinho Júnior para favorecer a empresa em pregões onde outras concorrentes haviam apresentado propostas mais vantajosas.
Outras empresas do mesmo círculo empresarial, como Isomed e Isototal, também foram citadas como parte do esquema, com laudos e materiais hospitalares supostamente superfaturados ou desviados. A Siemens, multinacional fabricante de equipamentos médicos, chegou a desistir de disputar licitações após apontar, documentalmente, indícios de direcionamento para a Health Brasil.
Todas essas empresas aparecem em documentos e contratos que possuem ligação direta ou indireta com o grupo associado a Rodolfo Holsback — figura que, há anos, é apontada em relatórios e operações sobre práticas irregulares na saúde e em outros setores do Estado.
Para disputar a PPP do Hospital Regional, a Health Brasil integra o Consórcio Zhem MS, formado por:
• Engenharia de Materiais (Maceió)
• Zetta Infraestrutura e Participações (São Paulo)
• M4 Investimentos e Participações (Barueri)
• Health Brasil Inteligência em Saúde
O contrato pode render faturamento mensal estimado em até R$ 13 milhões, além de investimentos projetados em R$ 5,6 bilhões ao longo de 30 anos. A concessão engloba serviços essenciais como limpeza, alimentação, lavanderia, portaria, gestão administrativa, manutenção e infraestrutura. A assistência médica permanece sob responsabilidade do Estado.
Caso o grupo seja escolhido, a administração de um dos maiores hospitais públicos do Centro-Oeste ficaria, na prática, sob controle de um consórcio que inclui uma empresa alvo de investigações graves e com ligações societárias comprovadas com grupos que protagonizaram alguns dos maiores escândalos de corrupção de Mato Grosso do Sul.
A presença da Health Brasil na disputa acende um debate sobre governança, transparência e integridade em contratos de grande vulto. Especialistas observam que:
• Empresa investigada por fraudes não deveria comandar concessão bilionária por três décadas.
• A ligação com grupos empresariais historicamente citados em denúncias públicas exige escrutínio rigoroso.
• A PPP do HRMS envolve serviços sensíveis, que demandam alto grau de confiança e conformidade.
Além disso, o processo licitatório será realizado em um momento em que os desdobramentos da Turn Off ainda não foram concluídos e ações tramitarão na Justiça por anos, o que coloca pressão sobre o poder público para justificar tecnicamente a eventual escolha de uma empresa cercada de controvérsias.
A concessão do Hospital Regional é, até aqui, o maior projeto de parceria público-privada da saúde do Mato Grosso do Sul. A decisão do Governo do Estado e da B3 se transformará em um teste de integridade institucional.
Permitir que uma empresa investigada por supostas fraudes milionárias — e vinculada a grupos empresariais já citados em operações e escândalos históricos — administre um hospital que atende 100% SUS pode criar um passivo institucional difícil de justificar, política e moralmente.
Enquanto isso, a sociedade sul-mato-grossense aguarda para saber se prevalecerá a capacidade técnica ou a influência de grupos empresariais marcados por sucessivos episódios de suspeitas e investigações.