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Análise: A estratégia invisível que pode reposicionar a direita em 2026
A saída de Michelle Bolsonaro do jogo eleitoral pode ser menos uma desistência e mais um movimento calculado para fabricá-la como fenômeno inevitável
06/12/2025 14h29
Por: Tribuna Popular Fonte: Álvaro Pereira FIlho
Michelle Bolsonaro em manifestação na Esplanada dos ministérios em Brasília — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Há momentos na política em que a impressão inicial é enganosa. O espectador vê caos, hesitação, improviso. Mas quem conhece o subterrâneo sabe que, em algumas ocasiões, o gesto mais estranho é justamente o mais estratégico. A saída repentina de Michelle Bolsonaro da rota presidencial parece um desses casos.

A leitura superficial é simples. Tiraram uma candidata que crescia, tinha apelo entre mulheres e surgia como a maior novidade do campo conservador desde 2018. Seria, teoricamente, um erro primário. Mas a política raramente opera no terreno do óbvio. E, se observarmos o movimento com a frieza de quem enxerga o tabuleiro inteiro, o gesto deixa de parecer uma gafe e começa a parecer engenharia.

Em política, não se remove alguém em ascensão sem motivo. E o motivo, neste caso, pode ter sido justamente o efeito que estamos vendo: a transformação de Michelle em um símbolo.

Não é a primeira vez que o Brasil assiste a um fenômeno nascer da sensação de injustiça. O eleitor não reage a cálculos, reage a sentimentos. Ao retirar Michelle no auge, o establishment conservador acionou sem querer – ou talvez de forma muito consciente – um gatilho emocional que vale mais do que qualquer marqueteiro milionário: a impressão de que “roubaram” sua ascensão.

Esse tipo de sensação cria um personagem maior que o próprio jogo, porque não depende de partidos, não depende de estruturas e não depende sequer de campanha. É um crescimento orgânico, quase biológico. E, nesse terreno, Michelle prospera de um jeito que nenhum Flávio, nenhum Tarcísio e nem mesmo Bolsonaro pai podem disputar.

A jogada, se realmente foi pensada, tem lógica. Tirar agora permite que a base sinta falta. Falta vira narrativa. Narrativa vira comoção. E comoção vira inevitabilidade. Em vez de disputar espaço com outros nomes da direita, Michelle passa a disputar espaço com apenas um adversário: o próprio sistema que a retirou.

E poucos personagens no Brasil ascenderam tão rápido quanto aqueles que pareciam estar do lado errado da porta.

Se a direita realmente imaginou esse cenário, ela apostou todas as fichas em um processo lento, porém devastador: transformar Michelle, antes uma opção, em uma exigência. A candidata que não precisa ser escolhida, porque já está sacramentada emocionalmente na cabeça do eleitor.

O cálculo é arriscado. Colocar alguém no limbo político pode enterrá-lo. Mas, em casos raros, cria lendas. E Michelle parece caminhar não para ser lembrada como a candidata retirada, mas como a candidata que o sistema tentou impedir.

É isso que transforma uma figura pública em fenômeno. E fenômenos não enfrentam eleições. Fenômenos enfrentam história.

Se essa engenharia for real, não estamos diante de um vacilo estratégico, mas da mais ousada construção narrativa da direita desde 2018. A pergunta não é se Michelle será candidata. A pergunta é por quanto tempo conseguirão fingir que ela não é.