Considerada por muitos anos como uma das únicas capitais do Brasil sem favelas, ao menos pelo que diziam os governantes, Campo Grande voltou a ficar “largada” e as invasões de áreas públicas retornaram com toda a força. Não há um levantamento oficial de quantas áreas são consideradas favelas, mas em todas as regiões da Capital é possível encontrar uma comunidade formada por barracos de madeira e lona em áreas invadidas e irregulares.
A Prefeitura de Campo Grande não possui atualmente um novo projeto de desfavelamento da cidade e nem há previsão para que isso ocorra em um curto prazo de tempo. “Tem invasão para todos os cantos da cidade, mas ninguém quer que saia na mídia que a primeira Capital sem favela, tem favela novamente. Não é uma situação considerada descontrolada, mas a partir do momento em que a administração pública faz vistas grossas e até cria um vínculo com a comunidade, como ocorreu na Cidade de Deus, o impacto social está feito”, afirmou Patricia Souza de Oliveira, presidente da Ucaf (União Campo-Grandense de Associação de Moradores em Favelas, Assentamentos Urbanos e Rurais do Município de Campo Grande).
Ainda conforme Patrícia, a ação realizada pela prefeitura, para transferir a favela Cidade de Deus, localizada no Dom Antônio Barbosa –região sul da cidade–, para quatro outras áreas da cidade é um retrocesso. “Isso se fazia há 30 anos, dando kit barraco para as famílias e assentando elas em outras áreas. Uma solução seria retomar dezenas de casas em conjuntos habitacionais que estão vazias e abandonadas. Não sabemos se resolveria no total, mas amenizaria e daria para fazer uma medida paliativa para as outras famílias. Há muitas áreas públicas só criando mato e poderiam ter casas também. Porque se for assentar, que seja com condições. Só assim para sair desse parâ- metro de ‘favelismo’”, disse.
A falta de organização na ação da prefeitura também chamou a atenção da presidente da Ucaf. “Faltou organização. Deviam fazer antes essas casas e não construir com as famílias já instaladas no local sem estrutura nenhuma. O impacto social na comunidade local também é grande. Nem sempre tem infraestrutura de saúde e educação, por exemplo. Com a chegada de mais gente, prejudica a qualidade de vida de toda a sociedade”, concluiu. Transferência da Cidade de Deus para região do Mário Covas revolta Um exemplo é a favela do Mário Covas – região sul de Campo Grande.
A comunidade, invasora de uma área pública, existe há pelo menos quatro anos e alguns dos primeiros moradores já foram contemplados com casas populares da Emha (Agência Municipal de Habitação), mas outras famílias passaram a ocupar os espaços deixados pelos que se mudaram. Todos alegam terem sidos esquecidos pela administração municipal. “Esqueceram a gente aqui. A última vez que alguém da prefeitura passou aqui e fez alguma coisa já faz um ano e oito meses. Todo mundo tem cadastro há anos e nunca é contemplado com uma casa ou terreno. Eu tenho câncer e tenho a imunidade baixa. Tenho que ficar limpando tudo aqui sempre e fica complicado manter tudo limpo em uma favela. Tenho a ajuda da minha nora e do meu filho sempre”, disse Delci Maria Luiza Pereira, 43. Atualmente, conforme alguns moradores, cerca de 37 famílias moram na comunidade. Vários animais peçonhentos aparecem nos barracos, relatam famílias. “Já matamos cobra de todos os tamanhos, aranhas enormes, escorpiões”, comentou a auxiliar de cozinha Leidiane Figueiredo da Silva, 22.
Sem previsão de serem transferidos paras novos conjuntos habitacionais populares, e indignados com a mudança de algumas famílias da Cidade de Deus, para um terreno a menos de 100 metros da favela instalada no bairro há quatro anos, que “poderia ser para eles”, algumas famílias já perderam as esperanças. “Se pelo menos dessem alguma satisfação para nós. Nem temos mais esperança do jeito que estão as coisas”, disse o marido de Leidiane, Jean Carlos Martinez, 23.
Barracos foram demolidos, mas parte da Portelinha ainda resiste
Mais uma prova de que a situação está descontrolada é a favela Portelinha, na região do bairro Estrela do Sul – no norte de Campo Grande. Famílias foram contempladas com casas nos residenciais Ary Abussaf e Gregório Corrêa em novembro de 2014 e no dia 6 daquele mês, os barracos da favela foram demolidos para dar lugar a uma avenida. Restaram apenas três moradias improvisadas, que até hoje não foram retiradas de lá e famílias também não têm perspectiva de serem sorteadas para morarem em um imóvel construído por programa social. O mato tomou conta do terreno e já chega a quase dois metros de altura. Moradores do entorno reclamam da sujeira e temem que a área seja usada como esconderijo para bandidos. (LA)
Projeto para acabar com as ocupações irregulares está fora dos planos da Emha
O diretor-presidente da Emha, Dirceu Peters, afirma não ter em mente, a curto prazo, um projeto de desfavelamento da Capital e nem possui um levantamento completo de quantas comunidades existem na cidade. “O que ocorreu com a Cidade de Deus foi uma questão judicial. Para essa administração, não temos nada planejado em relação a outras favelas. O que temos são projetos de regularização fundiária”, disse o diretor-presidente, sem detalhar. (LA)
(Fonte: O Estado Online)
Mín. 14° Máx. 30°