Há doze anos, Portugal e Cristiano Ronaldo choravam a traumática derrota para a Grécia, na decisão da Eurocopa de 2004, em Lisboa. Mesmo jogando em casa e com uma de suas melhores gerações - Luis Figo, Rui Costa, Pedro Pauleta e um jovem Cristiano integravam o time comandado pelo brasileiro Luiz Felipe Scolari - a seleção lusitana foi superada por uma das zebras mais recordadas do futebol mundial, dando a impressão de que jamais teria uma chance tão clara de conquistar a glória que nem o grande Eusébio conseguira. Pois o destino reservou outra surpresa para Portugal e Cristiano: o título veio em 2016, com uma equipe bem mais modesta, que só venceu um jogo no tempo normal, deu sorte em todos os cruzamentos e superou a favorita equipe anfitriã sem seu único craque, que, ainda assim, foi essencial na conquista - mais pelo que fez fora do que dentro de campo.
A má campanha de Portugal no início do torneio torna a vitória deste domingo - por 1 a 0, com gol do africano Éder, na prorrogação diante da França, no Stade de France, na grande Paris -, ainda mais inacreditável. O time empatou três vezes na primeira fase: 1 a 1 contra a sensação Islândia, 0 a 0 com a Áustria e 3 a 3 diante da Hungria, sempre com atuações abaixo da média. A classificação sem vitória se deu graças ao novo regulamento da Uefa, que classificau os quatro melhores terceiros colocados dos seis grupos, e a um golpe do destino: um gol da Islândia diante da Áustria nos acréscimos. O lance mudou o caminho de Portugal, que, passando em terceiro e não em segundo, "fugiu" do chaveamento que tinha Espanha, Alemanha, Itália e França, as favoritas do torneio.
Assim como seu craque, Portugal cresceu na fase decisiva. Nas oitavas de final, eliminou a favorita Croácia com uma vitória por 1 a 0, gol de Ricardo Quaresma, na prorrogação. Uma vitória nos pênaltis sobre a Polônia após empate em 0 a 0 e uma vitória convincente, a única, diante do surpreendente País de Gales, por 2 a 0, levaram Portugal novamente à decisão. A esta altura, Cristiano Ronaldo já era o grande personagem da Euro, mesmo sem brilhar em campo.
Nas seis partidas, o astro do Real Madrid marcou três bonitos gols (que o transformaram no maior artilheiro da história da Euro, com nove gols, ao lado do ex-jogador francês Michel Platini), perdeu um pênalti e outras tantas chances. Virou notícia também por suas atitudes intempestivas: amaldiçoou a carismática Islândia e deu chilique com um jornalista, cujo microfone atirou em um lago. Cristiano, porém, se mostrou um líder exemplar na partida contra a Polônia, ao incentivar João Moutinho a bater uma penalidade. Cristiano ainda assumiria de vez o papel de "protagonista-ausente" na finalíssima em Saint-Denis.
O próprio jogador afirmara na véspera que a França de Paul Pogba e Antoine Griezmann era a favorita, não só pela qualidade de seus jogadores, mas, sobretudo, por jogar em casa. O favoritismo, porém, atingiu níveis inimagináveis quando Cristiano Ronaldo deixou o jogo com menos de dez minutos, com lesão no joelho, após entrada dura de Dimitri Payet. A vitória passou a ser quase uma obrigação dos franceses, que parecem ter sentido mais a saída de Cristiano do que os próprios portugueses. Assim como em 2004, Cristiano deixou o "relvado" chorando de tristeza, mas aquela não seria sua ultima lágrima no Stade de France.
Sem poder ajudar como melhor sabe, Cristiano se tornou um torcedor a mais, inquieto no banco de reservas mesmo com o joelho imobilizado. Na prorrogação, o craque fez as vezes de auxiliar do técnico Fernando Santos, passando instruções aos colegas e os encorajando nos momentos derradeiros. Na ausência de Cristiano, surgiu um herói improvável: o atacante Éderzito Lopes, mais conhecido como Éder, nascido em Guiné-Bissau, antiga colônia portuguesa na África, que se mudou para Lisboa com apenas três anos. O chute forte do jogador, que ironicamente atua na França, pelo Lille, calou a torcida local e fez explodir os luisitanos, em especial Cristiano Ronaldo, que foi novamente às lágrimas.
Após a partida, o atacante Nani - que, ao lado do goleiro Rui Patrício, do zagueiro brasileiro naturalizado português Pepe e do atacante Quaresma, foi tão importante para a conquista quanto Cristiano Ronaldo - devolveu a faixa de capitão ao craque lesionado, que, enfim, ergueu seu primeiro troféu com a seleção nacional. Aos 31 anos, Cristiano Ronaldo chegou ao ponto mais alto de sua carreira. Mais maduro, conseguiu deixar a vaidade de lado e percebeu que também pode ser fundamental para sua equipe mesmo que os holofotes estavam apontados para outros. Se consolidou como um dos melhores de todos os tempos e caminha a passos largos para alcançar sua quarta Bola de Ouro. Agora, definitivamente, como um herói nacional. Seus detratores dirão que Portugal jogou feio, levou sorte e venceu sem ele. Mas a história sempre dirá que Cristiano foi um grande campeão, inclusive com a equipe portuguesa.
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