Renato Augusto já estava atrasado para o treino do Corinthians – para desespero da assessoria de imprensa do clube – mas insistia em dar boas respostas e atiçar a curiosidade dos repórteres do ge. Quando avisado de que a entrevista precisava ser encerrada, o meia abriu um sorriso e brincou:
– Se deixasse, a gente ficava aqui umas três horas, fala aí!
Com desenvoltura e inteligência iguais às demonstradas dentro de campo, Renato Augusto transitou por diferentes temas ao longo da conversa, que foi realizada virtualmente e durou cerca de meia hora. Ele admitiu ter se surpreendido com o desempenho que teve na volta ao Brasil após cinco anos e meio, analisou as críticas sobre o técnico Sylvinho e projetou o Corinthians brigando por títulos em 2022.
Também comentou o sonho de vencer a Copa Libertadores, competição que ele tem engasgada após duas eliminações com o Timão – a primeira delas com arbitragem extremamente polêmica de Carlos Amarilla, em duelo contra o Boca Juniors, pelas oitavas de final de 2013:
– Os dois (anos) me doeram, mas 2015... Bom, em 2013 nós fomos assaltados. Não teve o que fazer. O de 2015 a gente fez um jogo muito ruim no Paraguai (contra o Guaraní) e, em casa, tivemos muita dificuldade. Ficou uma... A gente sabia que poderia chegar longe. Ficou mágoa. É o meu sonho (conquistar a Libertadores), nunca ganhei. Se eu tiver chance, com certeza vou me doar ao máximo para trazer esse título – declarou o camisa 8.
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Aos 33 anos, Renato Augusto também falou sobre a chance de disputar a próxima Copa do Mundo, admitiu ter torcido para o Flamengo na final da Libertadores e atribuiu uma nota para o início da segunda passagem dele pelo Timão. Você confere a entrevista na íntegra abaixo e assiste aos principais trechos no vídeo que abre esta matéria.
O torcedor corintiano esperou por muito tempo o seu retorno. Ao longo destes cinco anos e meio longe do clube, você sempre soube que voltaria?
– Na verdade, eu não sabia se teria oportunidade de voltar, sabemos que no futebol as coisas passam muito rápido. O clube às vezes não está precisando de um jogador da sua posição, às vezes está precisando. Eu realmente não sabia o que iria acontecer. Quando o Duílio me chamou, me mostrou tudo o que achava, passei também pra ele o que eu achava. Ele falou: "Eu quero, preciso de um jogador assim, de grupo, de vestiário, que vai entregar dentro e fora de campo, e você é o cara perfeito para isso." A gente conversou bastante, e eu falei: "Cara, é um clube que eu amo, já conheço, conheço todo mundo que está aqui, do presidente ao roupeiro, com todos eu tinha uma amizade." Quando ele me apresentou a oportunidade, eu não pensei duas vezes.
Você já disse que algumas pessoas falavam que você era louco por voltar ao Corinthians. Quem são elas?
– Alguns torcedores, fãs, torcedores de outros clubes. "Você vai para um time que vai cair". Me chamavam de louco. E hoje a gente terminar a competição já classificado para a Libertadores, em um ano difícil, de muito tempo de inatividade, e o clube teve seu momento difícil. Méritos da diretoria, do presidente, que puderam ajeitar a casa, a parte financeira, como a equipe. Eles se programaram, conseguiram contratar no momento certo, e a equipe conseguiu evoluir. É claro que ainda não é o que a gente espera, sabíamos que não chegaria no nível máximo (em 2021), seria injusto cobrar isso, mas sabíamos da responsabilidade que se carrega vestindo essa camisa. Mas de uma forma geral foi muito positivo. O torcedor quer o título, é claro, mas fecha o ano contente dentro daquilo que tínhamos até o meio do ano. Foi um 2021 de certa forma positivo.
Depois de quase seis anos fora, quais suas primeiras impressões do futebol brasileiro? Mudou muito nesse período?
– Achei aquilo que a gente já sabe, que é um dos campeonatos mais difíceis do mundo, isso é fato. Se você pegar, todo ano tem oito ou dez equipes que podem chegar para ganhar, sempre tem uma surpresa, é um campeonato extremamente difícil. Em alguns momentos, você pega equipes que estão mais prontas, como Atlético-MG ou como Flamengo, que tem o mesmo time há três ou quatro anos. É um nível alto. Fiquei feliz de voltar, jogar no mesmo nível, mesmo com tanto tempo de inatividade, seguir o padrão do campeonato. Espero que no próximo ano a gente possa evoluir ainda mais.
Que nota dá para esse começo de segunda passagem pelo Corinthians?
– A nota é muito pessoal. Se você for assistir a um jogo e falar "dá a nota para cada jogador", ninguém vai dar igual ao outro, porque é uma coisa muito pessoal. Mas foi muito melhor do que eu imaginava, por ter ficado muito tempo sem jogar. Eu tinha medo de voltar para o Corinthians numa situação como essa, você fica com medo de apagar o que já viveu. Eu estava há muito tempo sem jogar, sem treinar com a equipe, não sabia se conseguiria entregar o que o clube estava precisando. Eu estava muito nervoso, não sabia até onde poderia ajudar. Sou muito grato à comissão, a todos os preparadores físicos e fisioterapeutas, ao meu fisioterapeuta pessoal. Eles me deram um suporte para que eu pudesse subir e atingir o nível em que estou hoje. É óbvio que sei que não estou no maior nível que eu posso chegar, isso é óbvio, mas eu consegui chegar num nível em que pude ajudar, crescer e conquistar os objetivos que a gente queria. É difícil dar uma nota, mas, na minha opinião, foi muito melhor do que eu realmente esperava.
Deu para passar de ano?
– Deu para passar direto (risos).
Já que foi melhor do que você esperava, mas não foi perfeito, que tal uma nota 8? O mesmo número de sua camisa.
– Pode ser, pode ser, vamos homenagear o Sócrates também.
Um dos fatores que despertavam dúvidas sobre a sua volta era a condição física. Por mais que viesse treinando, você não disputava uma partida oficial há mais de oito meses.
– É muito diferente (estar jogando). Eu treino em casa, tenho minha academia, fui treinar em campo. Mas treinar com a equipe é diferente de tudo. Por mais que você fique mantendo a forma, não é igual. Fisicamente, eu não atingi meu nível máximo e eu sabia que não iria atingir. Mas eu atingi um nível que eu pudesse me sentir bem em campo e entregar aquilo que o clube precisava. Acho que só com uma pré-temporada, iniciar uma temporada e crescer jogo a jogo para atingir esse nível. Aqui a gente tinha pouco tempo. Não fiz pré-temporada, cheguei aqui e já tinha jogo. Você jogava, descansa pro outro, joga, descansa para o outro... Não tem sequência de treino, e vestindo essa camisa você sempre tem que entregar algo em nível alto.
– Esse foi um grande desafio, entregar nível alto de jogo de três em três dias, quatro em quatro dias. Você só descansa e joga. Esse foi um desafio que deu certo, mas temos que nos preparar mais para o próximo ano, que deve ser mais desgastante do que esse, pois tem Copa do Mundo no fim do ano, você vai ter que enxugar as datas, jogar cada vez mais próximo um jogo do outro. Vou me preparar fisicamente para aguentar a maratona.
Legenda: Renato Augusto em treino do Corinthians — Foto: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians
Muitas vezes o Corinthians informa que você não participa dos treinos, fica na parte interna do CT. Como funciona e por que você faz esses trabalhos especiais?
– Em alguns momentos eu vou fazer algo diferente do time não é porque eu quero ou acho bonito fazer diferente, é realmente porque precisa. Mas isso eu já faço há muito tempo, desde a minha primeira passagem a gente fazia algo assim. Como o Sylvinho já me conhecia, eu tive mais facilidade. Às vezes você vai explicar para o treinador, e ele fala "pô, não quer treinar." Principalmente lá fora. Às vezes na China eu tinha que fazer meu trabalho específico e até eu provar para ele (o treinador) que ia trabalhar mais que os outros... No início o cara ficava "não, não pode". Depois ele falava "vai, Renato, faz o que você precisa, eu preciso de você no domingo".
– O Sylvio já me conhecia e eu tive uma facilidade grande com o Flavinho, preparador físico, a gente teve uma troca legal, foi interessante, eu consegui dosar da melhor maneira. Em alguns momentos, eu vou deixar de ir para o campo, mas para fazer outro trabalho focando mais para o jogo. Não que naquele momento eu esteja tentando não treinar, pelo contrário. Por isso que às vezes aparece lá (no boletim informativo do Corinthians) que o Renato não foi a campo. É tudo bem planejado com treinador, preparador físico, fisioterapeutas, médico, para que não ocorra algo que a gente não quer, como uma lesão. Tudo é bem planejado, estudado para que as coisas aconteçam.
Ainda sobre isso, sabemos que o Tite gosta muito do seu futebol e pensa em te levar de volta à Seleção, mas ele entende que você precisa "tirar a China do corpo". Você já conseguiu fazer isso nesses quase quatro meses?
– Eu acho que esses meses agora foram importantes para a próxima temporada. Se eu chegasse em janeiro, até faria a pré-temporada, mas ainda não teria uma carga pronta, como tenho agora. Tive três ou quatro meses de carga, para agora iniciar uma pré-temporada. Esse ano de 2021 foi muito importante para me preparar para 2022, poder jogar em alto nível, poder contribuir e, ao mesmo tempo, me preparar para o próximo ano. Agora é me preparar bem e me focar para 2022.
Falando no ano que vem, estar novamente na Copa do Mundo é uma motivação a mais?
– Antes disso quero chegar no meu nível máximo, nos meus 100% e entregar isso dentro do clube. Depois que eu entregar isso dentro do clube, vai me credenciar a ter oportunidades. Primeiro, eu penso em fazer um grande trabalho aqui e depois a gente vai ver se eu vou ter oportunidade ou não. Só vou ter oportunidade se estiver bem no clube. Não adianta eu olhar para lá no horizonte se tem uma pedra aqui na frente, eu vou tropeçar. Então, vou primeiro pensar aqui na frente, passar cada obstáculo, a cada jogo crescer, para lá na frente, se tiver oportunidade, teve. Senão, vou continuar trabalhando da mesma forma para ser campeão aqui. A gente sabe que com essa camisa a gente carrega algumas obrigações, o torcedor busca título, quer o título, quer o time jogando, e a gente tem que fazer o máximo para que isso aconteça.
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Você diz que olha primeiro os objetivos de curto prazo, mas ir ao Catar não é uma meta que você tem?
– Todas as vezes que eu fiz metas e objetivos para frente nunca deu certo, tudo aconteceu diferente, percebi isso no futebol. Jamais pensei que fosse jogar na Alemanha. Saí da Alemanha, nunca pensei que fosse parar no Corinthians, e aí vivi o maior momento da minha carreira, da minha vida. Depois, nunca imaginei e fui parar na China. Ganhei uma Olimpíada, fui jogar uma Copa do Mundo... Você tem que se preparar, não pode mirar uma oportunidade, tem que se preparar para a oportunidade que vem. Eu tive um treinador que falava assim: a sorte é o preparo mais a oportunidade. Às vezes falam: "Você teve sorte". Não, o cara não teve sorte, ele estava preparado e teve a oportunidade. Se ele não tivesse preparado, a oportunidade ia chegar e ele ia perder. Então, você tem que estar preparado. Se vier a oportunidade A, pega a A. Se vier oportunidade B, pega a B. Você tem que estar preparado para qualquer situação para quando aparecer a oportunidade você agarrar e seguir.
Quem era esse treinador?
– O Lucho (Nizzo), ele foi meu treinador sub-15 ou sub-17 da Seleção. Ele falava muito isso, sempre tinha umas... Ele falava "vocês têm que estar preparados, são jovens, daqui a pouco vai aparecer uma oportunidade no profissional. Se não estiver preparado, vocês vão perder". Ele sempre falava isso, e isso sempre ficou marcado para mim. É uma coisa que eu carrego para a minha carreira e a minha vida.
Legenda: Renato Augusto marcou quatro gols neste retorno ao Corinthians — Foto: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians
Vamos jogar uma "bombinha" para você. Para quem você torceu na final da Libertadores: Palmeiras ou Flamengo?
– Cara, contra o Palmeiras, principalmente. Mas é claro que acabei torcendo para o Flamengo. Era meu arquirrival contra um time que tenho um carinho imenso, saí da arquibancada para o campo, foi onde iniciei a carreira. Tenho um carinho eterno. É óbvio que não iria torcer para o Palmeiras.
E como foi voltar a jogar no Maracanã?
– Para mim, é um jogo especial, mas não sei. Como o Maracanã mudou muito, esse formato novo... Por ter sido torcedor de arquibancada, o antigo me dava algo maior. Esse novo virou uma arena, não parece que é o Maracanã. Foi um jogo difícil, contra um time que é um dos dois ou três melhores da América do Sul.
Com os reforços que chegaram, é possível o Corinthians bater de frente com Flamengo, Atlético-MG e Palmeiras em 2022?
– Isso é o que a gente espera: títulos. Mesmo nível ou acima deles. Passo a passo, vamos crescendo ao longo da temporada. O Brasileiro e Libertadores acabam só no final do ano. É crescer e ver até onde é possível chegar. A ideia é fazer um ano bem melhor do que esse, que já foi interessante terminar entre os cinco primeiros. Espero que a gente possa crescer.
Há pouco, em uma resposta, você falou que o Duílio contava com você também fora de campo. Pode explicar melhor?
– O Duilio falou que queria um cara igual a mim. Disse: "seja você". Não faço nada que tenha que mudar. Eu sou eu. Gosto de estar ajudando principalmente quem está subindo ao profissional. Molecada que às vezes fica mais nervosa em campo, gosto de conversar fora. Ele queria alguém que fizesse o que eu já fazia aqui em 2013, 2014 e 2015. Eu gostei da forma como falou comigo, foi sincero em todas as situações. Até mesmo no lado financeiro do clube. A gente conversou, foi rápido e já tinha resolvido. Sei da minha importância dentro e fora do campo e procuro ajudar a todos. Cada um precisa se ajudar. Aprendo muito com eles. Ser um espelho, ajudar em algumas coisas. Quem ganha é o clube e o grupo.
Você parece ter se entrosado rápido com o elenco, inclusive os mais jovens.
– A gente acaba se conhecendo há tempos, os mais experientes. Com os mais jovens comecei a ter agora, quando cheguei. Incrivelmente, a gente criou um laço de amizade bem legal. Porque eu não sabia como lidar, estava há muito tempo fora, a diferença de idade é muito grande. O Fábio (Santos) foi importante para mim, porque ele me ajudou a ter contato melhor com eles, e tenho hoje um contato espetacular com os meninos. Nunca fui de rede social, estou entrando aos poucos. Sou mais antigo, então a gente conversa bastante e cria um laço bem legal.
Também temos visto sua sintonia com a Fiel, até mesmo durante aquela invasão de campo num clássico contra o Santos, quando você tirou uma selfie com um torcedor. Como tem sido isso para você?
– Desde que surgiu a possibilidade de voltar, recebi um carinho absurdo. Na rua, rede social, tudo. Muito diferente. Então, isso foi aumentando conforme os jogos foram acontecendo. Quando voltou o público na Arena, eles estavam carentes, e nós também. Foi uma química natural. Todo mundo estava com saudades do estádio cheio. O torcedor entendeu que o time precisava dele e abraçou de um jeito que, mesmo com dificuldades, fez total diferença em casa. Por já ter identificação, essa volta do público mexeu ainda mais comigo e as coisas aconteceram. Esse ano foi especial, a volta foi especial e espero levar isso para o ano que vem e ainda mais.
Porém, parte da torcida tem criticado bastante o técnico Sylvinho. O que pensa dessas cobranças?
– É difícil, porque quando cheguei o time estava em processo de transição, no campeonato mais difícil do mundo. Time adaptando, aí chegam jogadores, alguns já jogam, outros, não. Há dificuldade para encaixar. E torcedor quer ganhar, existe a cobrança, é o Corinthians. Existe essa pressão, mas com as coisas acontecendo, emplacando vitórias, isso traz o torcedor de volta para o apoio do Sylvinho. Já aconteceu com outros, olha o Tite, queriam o Tite fora, e hoje é um dos maiores da história do clube. Treinador tem altos e baixos, e jogador também, mas jogador vai para o banco quando está em baixa, o técnico não. O mercado está difícil para achar técnicos de alto nível. Temos um cara que vai crescer muito, é estudioso e inteligente, ainda está no começo da carreira. Tem o apoio do clube e dos jogadores e, com vitórias, terá do torcedor. Esperamos que isso aconteça logo no início da temporada.
Para encerrar, ensina como fazer tanto golaço, no ângulo (risos).
– Não sei te explicar, não sei mesmo, mas é algo que passei a me cobrar muito quando fui para a China. Chutar mais no gol, entrar na área, pisar na área. Uma coisa que eu fui me cobrando, porque lá você é o estrangeiro e precisa de algo diferente, não adianta ser igual ao chinês. Comecei a fazer mais gols, chegar mais perto. Arriscar a finalização. Vai sair (o gol) em alguns momentos e em outros vai entrar. Fui feliz e espero levar isso para o ano que vem.
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