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Parque do Jalapão tem recorde de visitação em ano de disputa política e concessão cancelada; entenda a polêmica

Principal atração turística do Tocantins, parque estadual ia passar à iniciativa privada. Processo foi cancelado após afastamento de Mauro Carlesse em meio à compra suspeita de fazenda na região.

14/01/2022 às 10h10
Por: Tribuna Popular Fonte: g1
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Divulgação -
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Principal ponto turístico do Tocantins, o parque estadual do Jalapão, que abriga dunas de areia e cachoeiras idílicas, teve recorde de visitação em 2021, ano em que esteve no centro de uma polêmica.


Segundo balanço divulgado nesta quinta-feira (14), as atrações geridas pelo governo estadual receberam 55.579 pessoas no ano passado, maior público desde 2014, quando os números começaram a ser compilados. Veja a tabela:

Nesse período, a região testemunhou um interesse crescente no turismo, que culminou com um plano para conceder a administração do parque à iniciativa privada em um processo cheio de controvérsias.

Aprovada em uma tramitação-relâmpago no ano passado na Assembleia Legislativa, a sua concessão acabou cancelada pelo governador em exercício, Wanderlei Barbosa (sem partido), no fim de novembro, às vésperas do processo de impeachment do titular, Mauro Carlesse (PSL).


O projeto era uma das prioridades da gestão Carlesse. Quando foi afastado do cargo pela Justiça, uma das suspeitas envolvia justamente a compra de uma fazenda no Jalapão.


Avaliado em mais de R$ 2 milhões, o imóvel teria sido adquirido, segundo o Ministério Público Federal, em nome de um "laranja" um dia antes de Carlesse anunciar a liberação de dinheiro público para a construção de um aeródromo na região. A transação suspeita é um dos elementos citados pelos procuradores no pedido judicial que levou ao afastamento do governador. Em sua defesa, Carlesse nega qualquer irregularidade e diz que o projeto do aeródromo é de 2001. (leia mais abaixo)


O perímetro do parque fica dentro da chamada região do Jalapão, que é bem maior e alvo de cobiça tanto pelo seu potencial turístico quanto pela sua localização geográfica, na fronteira do Matopiba (acrônimo que reúne as siglas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), área onde houve forte expansão agrícola.


Além do processo conturbado, que gerou críticas por ter deixado de fora as comunidades locais, a discussão em torno da concessão jogou luz sobre problemas antigos e sem solução para os quilombolas, como a ausência de infraestrutura, a falta de regularização fundiária e o acesso por estradas em condições precárias.


Nesta reportagem, você vai ler sobre:


  • O que previa o contrato de concessão
  • A tramitação-relâmpago do projeto
  • A disputa política e o afastamento do governador
  • As comunidades deixadas de fora do debate
  • Os problemas sem solução à vista que atingem os quilombolas

O que previa a proposta de concessão

O parque estadual, que atrai milhares de turistas por ano para as suas dunas de areia, a cachoeira da Velha e a serra do Espírito Santo, é administrado hoje pelo governo do Tocantins, sob as regras do Naturatins, órgão ambiental ligado ao estado.


Erguidas em meio à vegetação do cerrado, as dunas são desenhadas pela força do vento e são uma marca do Jalapão. A origem da sua formação ainda é objeto de pesquisas, mas os guias da região costumam dizer aos turistas que a areia vem da erosão ao longo do tempo da serra do Espírito Santo, que fica bem próxima dali.


Já a cachoeira da Velha é uma potente cascata em meio ao rio Novo. O local não permite banho por causa da forte correnteza, mas tem um mirante para contemplar a queda d'água.


A ideia do governo era passar a gestão do parque para a iniciativa privada por 30 anos. Quem fosse assumir a concessão teria que investir R$ 31,6 milhões no período. Entre as obras obrigatórias, estavam a construção de torres de observação, lanchonetes, sanitários, ciclovias, estacionamentos e um centro de visitantes.


O objetivo, segundo o governo, era sanar problemas como a falta de estrutura para atender os turistas e a precariedade das estradas internas.


Alinhamento: EsquerdaTamanho: Original

O governo chegou a produzir um estudo preliminar, que sugeria a construção de resorts no parque, bangalôs na área das dunas e passeios de balão e quadriciclo na região.


As discussões do que seria ou não autorizado na versão final do projeto, porém, ainda estavam em andamento, já que dependiam da autorização dos órgãos ambientais. Estas discussões seriam feitas nas audiências públicas, que acabaram não acontecendo.


O documento inicial previa que as comunidades quilombolas, que vivem do turismo na região, se tornassem parceiras do projeto, recebendo parte do valor dos ingressos que a concessionária cobraria para realizar as visitas aos locais.


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Não havia ainda previsão de valor para os ingressos uma vez que nenhuma empresa tinha manifestado publicamente interesse em participar do edital.


Atualmente, a entrada nas atrações que ficam no parque é gratuita, mas só pode ser feita com guias cadastrados pelo governo.


As agências costumam vender pacotes que incluem também passeios fora do parque, como os fervedouros, a cachoeira do Formiga e a Pedra Furada. Como estão localizados em áreas particulares, com regras próprias de funcionamento, esses não passariam pela concessão.


Formados em nascentes de córregos, os fervedouros são pequenas piscinas naturais famosas tanto pela coloração azul da água como pelo fato de ser impossível afundar nelas, por causa da pressão da água que jorra do lençol freático. A tonalidade azul e cristalina também é o que atrai turistas para a cachoeira do Formiga. Outro cartão postal é a Pedra Furada, que, invariavelmente, garante um pôr do sol dourado e emoldurado pelas rochas e pela areia.


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Antes um rincão praticamente desconhecido do Brasil, o turismo é uma atividade que cresceu rapidamente no Jalapão nos últimos 20 anos. A região ganhou projeção nacional entre 2017 e 2018, quando o parque foi cenário da novela da Rede Globo "O Outro Lado do Paraíso".


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Tramitação-relâmpago do projeto

O projeto de concessão estava planejado para se tornar uma espécie de vitrine da gestão de Mauro Carlesse. O texto foi apresentado em junho do ano passado. Em agosto, o então governador mobilizou a sua base de apoio na Assembleia Legislativa para aprovar a lei, mesmo sob protesto dos moradores.


O governo insistia que a lei em discussão iria apenas liberar a realização de estudos, mas uma reportagem do g1 e da TV Anhanguera mostrou que já havia um projeto praticamente pronto antes mesmo da votação.


Em uma tramitação atipicamente célere, o projeto foi discutido em apenas uma sessão, que teve tumulto e bate-boca. O então secretário da Indústria do Tocantins, Tom Lyra, chegou a comparar os manifestantes ao grupo terrorista Talibã. Quando foi votado, passou em três comissões e em dois turnos no plenário no mesmo dia.


Em 24 horas depois da aprovação, a lei, que também tratava da concessão de outros três parques, foi sancionada por Carlesse e o texto passou a valer em definitivo.


O afastamento do governador e a disputa política

Em outubro de 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu afastar Carlesse do cargo de governador por, entre outras acusações, suspeita de pagamento de propina relacionada ao plano de saúde dos servidores estaduais.


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A decisão em que foi pedido o afastamento dele revelou detalhes de uma investigação da Polícia Federal que respingaram no já polêmico projeto de concessão do Jalapão.


Os policiais descobriram uma movimentação financeira suspeita envolvendo a compra de uma fazenda justamente na região do Jalapão por uma empresa da qual Carlesse era sócio.


A aquisição do imóvel foi concretizada dia 27 de julho deste ano pela empresa Maximus’s Participações. O contrato foi assinado por Erick de Oliveira Araújo, que havia assumido como diretor-presidente no lugar de Carlesse, que deixou o quadro societário no mesmo dia em que Araújo virou sócio.


No dia seguinte à compra, o então governador assinou o repasse de recursos públicos para construção de um aeródromo em São Félix do Tocantins, cidade vizinha a Mateiros, município onde fica o parque, e uma das bases para turistas que visitam a região do Jalapão.


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O caso ainda corre na Justiça e, recentemente, a defesa de Carlesse apresentou uma série de documentos neste processo que ainda estão sob análise.


No recurso ao STJ, Carlesse alega que se afastou do comando da empresa quando assumiu o governo e que a compra da fazenda foi realizada pela nova gestão e não pelo governador. Diz ainda que a empresa Maximus's Participações tem como negócio a venda de gado e que os recursos usados têm origem nestas transações.


Sobre o aeroporto em São Félix, informou que se trata de um projeto previsto desde 2001 e que tem como objetivo o incentivo ao turismo, sem correlação com o imóvel adquirido pela empresa.


A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Erick de Oliveira Araújo.


Com o afastamento de Carlesse, o vice, Wanderlei Barbosa, assumiu o governo e tomou a frente do processo de concessão.


A primeira audiência pública para discutir com a comunidade detalhes da concessão só aconteceu no fim de novembro, três meses após a aprovação pela Assembleia Legislativa.


Wanderlei, que rompeu politicamente com Carlesse, foi pessoalmente à audiência, realizada em Mateiros, anunciar que a iniciativa seria cancelada. Ele alegou estar ouvindo a comunidade, que ainda protestava contra o projeto. 

Alguns dias após o cancelamento da concessão, a Assembleia Legislativa do Tocantins abriu um processo de impeachment contra Carlesse com base na mesmas acusações que levaram ao seu afastamento judicial.


Wanderlei Barbosa herdou praticamente toda a sua base de apoio no Legislativo e agora prepara um projeto de lei para alterar a lei em vigor, tirando o Jalapão da lista de parques que poderão ser concessionados.


Procurado pelo g1 para explicar como fica a situação da região, o governo não quis dar entrevista e disse apenas que está "readequando" os projetos. Tampouco informou a data em que o novo projeto de lei deverá ser apresentado.


O governo do Tocantins e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que fez parte dos estudos para a concessão, negociam o valor da multa que terá que ser paga pelo cancelamento.


Comunidades deixadas de fora do debate

O projeto de concessão do parque, que fica na zona rural do município de Mateiros, provocou controvérsia desde o início. Isso porque a lei aprovada era pouco clara a respeito dos limites do que poderia ir parar nas mãos de quem ganhasse a concessão. O texto citava que entrariam na concessão "áreas adjacentes" ao parque, mas sem especificar as fronteiras.


Na região do Jalapão, vivem diversas comunidades quilombolas, que são formadas por descendentes de escravos. O seu número é incerto, já que nenhuma delas tem o território regularizado. Dez são reconhecidas pelo governo estadual e estão representadas em associações, mas a quantidade seria maior.


Em grande parte, os seus habitantes vivem do turismo, como guias, artesãos ou donos de pequenas pousadas. Um dos temores do processo de concessão era o de que não conseguissem competir com grandes empresas e perdessem o seu sustento. Ou ainda que a falta de documentos de posse pudesse levar à expulsão deles de seus territórios.


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Além disso, a falta de participação das comunidades nas discussões sobre a concessão acendeu um alerta amarelo e gerou desconfiança na população.


"Esse projeto de concessão foi feito atrás dos panos e ninguém tinha conhecimento sobre ele por se tratar de uma população mais carente de informação. Eles estavam fazendo algo que não estava bem claro para a população e o medo era de os empresários locais falirem por causa do projeto", diz Uilan Ribeiro Machado, mais conhecido como Will Jalapoeiro, de 23 anos.

Nascido e criado em Mateiros, ele trabalha como guia turístico.


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O ponto de vista é compartilhado pela empresária Luzia Tavares, que tem uma pousada na região e recebe até 40 turistas por vez na alta temporada.


"Se acontecesse da forma que estava, para nós, de Mateiros, seria horrível. Praticamente, a cidade de Mateiros iria ser engolida por esse processo", diz.

O Ministério Público Federal chegou a entrar com uma ação para tentar anular a lei da concessão para exigir que a comunidade fosse ouvida.


"A ação visava exclusivamente garantir o direto das comunidades quilombolas à consulta prévia em relação ao projeto de concessão das atividades turísticas. Não questionamos o projeto em si, apenas o procedimento que o estado adotou para a sua implantação", explica o procurador da República Álvaro Manzano.


Autora de um livro sobre os conflitos territoriais existentes na região, a advogada e pesquisadora Jéssica Painkow também criticou a ausência de participação da comunidade.


"Esse projeto de concessão específico, eu acredito que não seria bom por conta dos vários erros que já vinham compondo a minuta e o termo de concessão. A forma como ele foi imposto foi errada. A forma como ele segregou algumas pessoas, foi errada", avalia ela.

Problemas que atingem os quilombolas

As contrapartidas exigidas da empresa que assumisse a concessão eram voltadas para a exploração do turismo no Jalapão, sem prever nenhum tipo de benfeitoria para as comunidades locais - a única menção seria uma eventual participação no valor dos ingressos.


Durante o processo, a discussão passou longe de antigos problemas enfrentados pelos jalapoeiros, como são chamados os moradores da região: a falta de infraestrutura básica para a população e o risco de invasões por falta de demarcação dos territórios.


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A falta de demarcação é reflexo de como as famílias chegaram ao local. Muitas vieram fugindo da escravidão. Com o tempo, continuaram sem conseguir regularizar a situação porque a região foi por décadas castigada pela pobreza. Antes de se tornar um destino turístico cobiçado, o Jalapão era parte do que ficou conhecido como "corredor da miséria" nos anos 1990.


Até hoje, a região ainda não tem estradas pavimentadas - o primeiro trecho de asfalto, que terá 50 km de extensão, está em obras desde julho de 2021, ainda sem previsão de entrega. Também não há um hospital público de grande porte e todos os doentes graves precisam ser levados para Palmas. As cidades do Jalapão não têm nenhuma biblioteca pública.


Não havia previsão de investimentos no processo de concessão, mas a expectativa era que, com o aumento do fluxo de turistas, fosse possível viabilizar também investimentos públicos por parte das prefeituras, que passariam a ter mais receita.


O procurador da República Álvaro Manzano ressalta a necessidade de mais atenção do poder público "tanto na preservação do parque como também no desenvolvimento da infraestrutura necessária para o turismo nestas atividades".


Para a pesquisadora Jéssica Painkow, apenas a regularização fundiária dos moradores pode trazer a segurança jurídica para que as comunidades se desenvolvam.


"Tem anos que o processo de regularização das comunidades quilombolas da região está paralisado. E, igual veio esta lei que prevê a concessão, podem vir outras. E, enquanto os moradores não tiverem uma regularização, uma titulação do território deles, eles sempre vão acabar correndo estes riscos", afirma.

Para a especialista, um projeto de concessão poderia dar certo se fosse feito em parceria com a comunidade, concedendo as atrações aos próprios moradores e viabilizando os investimentos através de financiamentos.


"Se for ter uma concessão, ela deveria ser dada às pessoas que estão lá. O investimento deveria ser feito com as pessoas locais, nos empreendimentos locais. Com políticas públicas que desenvolvam a questão do turismo".


Enquanto as soluções não chegam, a população consegue, por ora, respirar um pouco mais aliviada.


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"Foram meses bem aflitos. Foram várias tentativas da população em ir em Palmas conseguir resposta do governo. Essa decisão de cancelamento nos deixou surpresos e alegres. Hoje, os donos de agências, empresários locais e comunidades quilombolas dormem mais tranquilos. Estava na audiência pública e teve muita gente que chorou de emoção", relembra Will Jalapoeiro.


"A gente estava esperando que ele [o governador em exercício] nos ouvisse para mudar algumas coisas. O cancelamento era um sonho, mas estávamos desacreditados de que aconteceria. Foi bom demais. O sentimento é de alívio. É como se tirasse a corda do pescoço, porque era assim que estávamos nos sentindo", afirma Luzia Tavares, dona de pousada.


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