Em 2011, Marcôndes de Assis, aos 73 anos, partiu desse mundo e deixou para sempre a vida de boiadeiro. Personagem querido na cidade de Bonito, a 297km de Campo, ele permanece vivo na memória da mulher e dos filhos, assim como os famosos causos que contava e os dez mandamentos do tereré que criou e seguia quase como religião.
Durante mais de 40 anos, Marcôndes desbravou as estradas de Mato Grosso do Sul e outros estados conduzindo e colocando ordem nas comitivas de gado. Aos 15 anos, ele começou na profissão que seria uma das suas grandes paixões, motivo de alegria e cenário para as histórias que narrava com gosto. Em 2003, o boiadeiro precisou se aposentar devido a idade e a saúde, porém não largou os costumes e o cavalo que era um dos grandes companheiros em vida.
Magali de Assis Silva, de 49 anos, é uma das filhas que leva no coração a saudade e incontáveis memórias afetivas do pai. Apesar de ter falecido em 2011, ela comenta que sente como se tivesse recebido a notícia há pouco tempo. “Em três de julho faz onze anos, mas é como se fosse hoje, porque pensa em um pai bom e maravilhoso. Eu sonho com ele sempre de tanto que peço a Deus para ver ele”, afirma.
Ao decorrer da entrevista, Magali transitou entre diversas emoções, desde a tristeza à felicidade em falar do pai. No dia que soube que ele sofreu um infarto fulminante, ela relata que precisou ser segurada para não cair em prantos. “Quando meu marido atendeu o telefone eu já sabia, eu queria sair gritando, fiquei doida sai gritando e precisou de uns três, quatro homens para me segurar”, expõe.
Por ser muito amado e prestigiado em Bonito, o boiadeiro recebeu diversas homenagens póstumas e um funeral com honras. Além dos familiares, diversos moradores acompanharam o cortejo que contou com um tocador de berrante e um grupo composto de cavaleiros. Sobre a ocasião, a filha faz um resume. “Foi uma coisa triste e bonita”, conta.
Na cidade, de acordo com Magali, o pai sempre chamava a atenção pela elegância que tinha. Independente de onde ia, Marcôndes usava botas com esporas, bombacha, guaiaca e chapéu. Por gostar muito de vermelho, o boiadeiro mantinha a cor em algumas das peças que vestia.
Narrador de histórias - Além da elegância, Marcôndes era conhecido pelos causos que contava para os amigos e familiares. Em casa, a filha guarda dois livros que reúnem as icônicas histórias, sendo que um deles foi todo ilustrado por crianças. Magali destaca que o pai tinha um jeito único na hora de narrar as situações. “É cada coisa que meu pai falava, mas o jeito que ele se expressava era interessante. Mesmo que não fosse engraçado, ele fazia ser pelo jeito e simplicidade”, frisa.
Um desses causos é sobre um menino que após ser engolido por uma sucuri conseguiu ser resgatado. “Ele falava que na hora que abriu a sucuri, o menino estava lá dentro de joelhos e disse: “Bença, padrinho”. Meu pai era demais”, ri.
Quem recorda outro caso famoso é Marly Martinez, de 81 anos, que ficou 33 anos casada com Marcôndes. “Ele fala que teve uma enchente no Pantanal e que se montou numa Ema. Diz que pegou no pescoço dela, a direcionou para um galho seco e se salvou”, fala.
O casal se conheceu em Bonito durante uma festa de rodeio e, desde então, ficaram juntos até o fim. Assim como a filha, Marly tem sonhos recorrentes com Marcôndes. “É difícil a noite que eu não sonho com ele”, expressa. Após o falecimento do marido, ela se mudou para Campo Grande onde vive com a filha.
Fã de tereré, o homem chegou a criar dez mandamentos para serem seguidos ao pé da letra. Entre algum deles, estão: “Amar o tereré sobre todas as coisas; não mexas na bomba; nunca peças para colocar açúcar na água; não digas que o tereré é anti-higiênico, não deixes um tereré pela metade; não te envergonhes do ronco da bombilha no fim do tereré; não derramar a erva sagrada; não durmas com a guampa na mão; não alteres a ordem em que o tereré é servido e tomar tereré todos os santos dias”.
Homem simples, ele foi eleito o condutor de boiada número um do município. No diploma de consagração pública, ele foi descrito nas seguintes palavras: “Pessoa de alma nobre, moral imbatível e merecedora deste reconhecimento”. O instrumento de trabalho, que era um chicote de prata com anéis de ouro, é guardado por Magali e Marly junto com o último berrante que ele usou.
Seja pelas histórias, memórias afetivas e os instrumentos únicos, Marcôndes segue presente no cotidiano da esposa e os filhos. O legado do boiadeiro segue imortalizado nos recortes de jornais, livros e matérias feitas para a televisão.
O homem de coração alegre, sempre disposto a dividir o tereré, conversar com quem encontrava nas ruas de Bonito e participar das festas de laço, é descrito como uma pessoa única pela filha. "Não tinha ninguém igual ao meu pai, ele subia e descia Bonito cumprimentando as pessoas. Meu pai era um homem simples demais da conta, isso que tenho orgulho", conclui.
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