Seja dentro da família ou em redes sociais, os conflitos geracionais eventualmente ficam evidentes entre denúncias de que uma geração não é compreendida pela outra. E uma pesquisa aponta que essas queixas também são vividas no mercado de trabalho.
O relatório “Tendências de Gestão de Pessoas”, produzido pela consultoria internacional Great Place To Work (GPTW), mostra que 51,6% do mercado de trabalho afirma ter dificuldade para lidar com as diferentes gerações e suas expectativas no mundo corporativo.
Contudo, a média é claramente puxada por uma geração específica: a Geração Z. Nascidos entre 1996 e 2010, o match com esses trabalhadores mais jovens não aconteceu para 68,1% dos entrevistados.
A diferença é gritante comparada com os Baby Boomers — a segunda colocada do ranking, composta pelas pessoas nascidas de 1945 a 1964 — que geram entraves para 11,4% do mercado.
De acordo com a pesquisa, “a GenZ tem sido responsabilizada pelas outras gerações pela falta de comprometimento e impaciência na carreira”.
Daniela Diniz, porta-voz da pesquisa, no entanto, pontua que a situação já ocorreu há não muito tempo, quando integrantes da Geração Y (nascidos entre 1981 e 1995 — também chamados de Millenials) começaram a ingressar no mercado de trabalho.
“Ela era tachada de insubordinada, infiel, mimada e descomprometida. Quando ouço e leio hoje tudo que se fala da Geração Z é como um déjà-vu. O fato é que toda geração que entra no mercado do trabalho vai causar um certo barulho”.
Hoje, a geração Y é a segunda mais “aceita” no mercado, com apenas 6,2% dos entrevistados relatando ter queixas.
Para promover um ambiente de trabalho mais harmonioso, a GPTW reforça que as empresas pratiquem o diálogo.
“Ao olharmos para o futuro, vale espiarmos o passado e perceber que as mudanças provocadas pela chegada de novos profissionais fizeram as organizações evoluírem. E este é o momento de aprendermos com a Geração Z.”
A professora da FIA Business School, Lina Nakata, que foi uma das responsáveis pela pesquisa “Lugares Incríveis para Trabalhar”, explica que a GenZ tem uma tendência maior a procurar empresas cujos valores se identifica.
“A Geração Z tem seus propósitos mais claros, evitam trabalhar em empresas que não se preocupam com sustentabilidade ou diversidade, e não querem estar vinculados com empresas antiéticas”, detalha.
“Dessa forma, quando a geração mais jovem entra no mercado de trabalho e encara inúmeras situações, muitas vezes se sentem menos satisfeitos”.
Além disso, Diniz nota uma urgência da nova geração por maior flexibilidade.
“Afinal, é uma geração que entra no mercado de trabalho num momento em que entendemos que é possível trabalhar de qualquer lugar, ter seu próprio ritmo e numa era digital que me permite fazer as coisas do meu jeito e na hora que eu quiser”, diz.
Enquanto isso, ela aponta que “com os mais velhos, o que costuma dificultar é a falta da escuta ativa, que não era algo comum anos atrás, e nem sempre estão dispostos a se abrir para novas ideias”. E é nesse ponto onde as gerações batem cabeça.
Nakata aponta que mesmo que não tenham uma oportunidade próxima, esses jovens tendem a pedir demissão ou realizar o chamado “quiet quitting” (demissão silenciosa), fenômeno quando o profissional vai se afastando “silenciosamente” de suas funções, fazendo o mínimo do que é encarregado.
“A Geração Z está mais propensa a desistir do seu emprego à medida que [os jovens] se sentem sobrecarregados e estressados, com a saúde mental afetada”, conclui a pesquisadora.
O relatório da GPTW aponta que, em 2023, pela primeira vez em sua série histórica, — iniciada há seis anos — a saúde mental foi o principal desafio para a gestão de pessoas no ano, indicada por 36,9% dos respondentes.
A pesquisa revela que 96,9% das pessoas consideram a saúde mental e emocional um tópico importante na gestão de pessoas.
Contudo, a percepção é de que menos da metade (47,2%) das empresas investe em maneiras de tratar seus funcionários, o que, por sua vez, reforça o movimento de saída da empresa.
“Desde o início da pandemia, os casos de ansiedade, depressão, burnout e outras questões mentais passaram a aumentar muito. E isso afetou mais gravemente as gerações mais jovens; os mais velhos já haviam vivido outras crises e problemas e puderam se superar melhor. Com isso, a saúde mental vem sendo também um fator de saída das pessoas das empresas”, explica Nakata
A GPTW reforça que a capacitação dos profissionais é um caminho para quebrar esse tabu nas empresas.
“Muitas pessoas ainda têm dúvidas, e até mesmo preconceitos, sobre o tema que só podem ser combatidos com conhecimento e dados. Já o treinamento de líderes também é fundamental para a construção de uma cultura de saúde mental”, aponta o relatório.
Além de permitir que a empresa como um todo lide melhor com a questão da saúde mental, a capacitação de lideranças permite a maior integração entre as equipes e por tanto entre as gerações. Não obstante, o desenvolvimento de líderes é apontado como prioridade para 2024 por 43,6% dos respondentes.
“Os líderes, independentemente da sua própria geração, também precisam estar alertas e prontos para essa multiplicidade de grupos”, pontua Nakata.
A especialista ainda ressalta que gerações mais experientes resistem em lidar com mais jovens diante das diferenças de valores e visões de mercado.
“Os profissionais mais jovens são entendidos como difíceis porque colocam seus princípios pessoais como muito importantes, e não querem se submeter ao que já é praticado pelas empresas, como sua cultura organizacional, trabalho com sobrecarga e pressão, hierarquia, entre outros elementos”, diz.
Para preparar os funcionários para o conflito e evitar divergências, a especialista em gestão com pessoas, Manu Pelleteiro, defende “uma maior aproximação entre as gerações. É essencial reconhecer as habilidades e experiências únicas que cada grupo traz para a mesa”.
A troca pode ser promovida por meio de “mentorias reversas”, pelas quais, segundo explica Pelleteiro, “os mais jovens podem ensinar habilidades tecnológicas, e os mais velhos podem compartilhar suas experiências e vivências práticas”, quebrando barreiras e estereótipos.
“O estigma de que as pessoas mais velhas são inflexíveis pode dificultar a comunicação e a colaboração intergeracional. No entanto, é importante não generalizar, pois muitos profissionais mais velhos também podem ser adaptáveis e abertos a novas ideias, além da experiência ser um fator que pode colaborar muito ao enfrentar novos desafios”, aponta.
Lina Nakata reforça a ideia da prática de dinâmicas.
“Já vi numa empresa, por exemplo, a aplicação de uma dinâmica tipo escape, em que os desafios eram todos variados, com o objetivo de que cada tarefa só seria resolvida por alguém de alguma geração. Isso mostrava que cada geração tem seu valor e sua solução, sendo muito rico para criar integração e sinergia”, exemplifica.
*Sob supervisão de Gabriel Bosa
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