Promessas de ganhar "céus e Terra" nunca se consumaram no último relacionamento amoroso, e sim, se transformaram no medo que se prolongou por cinco longos meses na vida de uma jovem de 25 anos, que acredita ter passado perto de virar a terceira vítima de feminicídio, na última semana, em Campo Grande.
O episódio aconteceu na quinta-feira (21), quando o ex-namorado invadiu sua casa. "Deixei meus filhos na escola de manhã, coloquei uma panela no fogo e sentei numa cadeira na varanda. Quando vi, ele estava atrás de mim e puxou meus cabelos", conta a mulher, que pede para ter o nome preservado.
Em seguida, o nariz e a boca foram tampados pelas duas mãos do homem. "Ele queria me sufocar. Resolveu me soltar quando mijei na roupa", relata. A vítima foi segurada com força pelo braço, enquanto foi agredida no rosto e teve piercings arrancados com força.
Depois, o agressor a soltou e foi até a sala e os quartos. Levou o celular da jovem e despejou no chão produtos de higiene e cosméticos. "Quebrou tudo, todas as coisinhas que estavam no guarda-roupa. Isso porque outro dia ele já tinha invadido minha casa e levado minhas roupas", ela diz, dando exemplo do que mais o homem fez por ódio à sua vaidade.
Por fim, ele saiu e trancou a mulher dentro da casa. Ela conseguiu escapar e pediu ajuda para chamar a polícia.
A mulher continua contando que, meses antes, o ex já a violentava física e psicologicamente. "Ele já me bateu. Ultimamente não dormia, ficava me vigiando até de madrugada. Pulou o muro da minha casa com um capuz preto, todo vestido de preto. Meu filho viu e ficou apavorado. Eu não saía mais de casa para nada", diz.
A residência foi invadida outras vezes, ela relembra. Foi quando ele quebrou a geladeira, rasgou pneus das bicicletas das crianças e cortou o fio de internet.
O agressor é conhecido pelo apelido de "Gibi", tem 40 anos e trabalha como motoboy, segundo a jovem. Ele já havia sido denunciado em dezembro do ano passado por violência doméstica, pouco depois de ela terminar o relacionamento. A jovem está sob medida protetiva desde então.
Não adiantou - As últimas agressões se deram após seis idas à delegacia para pedir mais efetividade na medida protetiva e a prisão ao agressor, segundo a jovem.
"Já começou errado porque colocaram o endereço dele para monitorar a medida protetiva e não o meu. Voltei depois, pedi para mudar porque ele continuava aparecendo, mas não sei se mudaram. Da última vez que fui denunciar as perseguições, esperei atendimento por mais de duas horas e acabei desistindo quando vi que estavam fazendo uma confraternização na delegacia", afirma.
Mais um boletim de ocorrência foi registrado na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) na quinta-feira, depois da agressão na varanda. A mulher não sabe se ele foi procurado pela polícia e teme que a encontre primeiro.
Ela ainda reclama o tratamento recebido na delegacia enquanto registrava a ocorrência. "Falaram que eu tenho que tomar mais cuidado com quem eu me relaciono. Senti como se estivessem com o ego lá em cima em relação a mim", fala.
"Armadilha" - A jovem chorou durante todo o relato à reportagem, ainda muito abalada. Embora saiba que não é culpada pela violência que sofreu, sente medo de ser julgada e se pergunta como foi cair "nessa armadilha".
"Não desconfiei que ele era um homem assim. Ele insistia muito no começo para ficar comigo e eu fui aceitando por achar que finalmente alguém iria me valorizar e que poderia estar perdendo essa oportunidade", fala.
O relacionamento durou sete meses. "Eu fiquei quatro anos solteira antes, para evitar problema e acabei caindo nessa armadilha", lamenta.
A mulher trabalhava como atendente de comércio até o início do namoro. Com torturas psicológicas passando a fazer parte da relação, surgiu uma depressão e ela acabou largando o emprego. "Tomava tanto remédio que eu ficava abobada. Até banho ele já chegou a me dar. Aí é que fui ficando mais dependente. Só que eu fiquei doente justamente por causa dele e não percebia", diz.
Outras vítimas - Uma prima da mulher expôs o rosto do suspeito e as agressões em publicação num grupo do Facebook na semana passada. Pouco depois, várias mensagens começaram a chegar de outras possíveis vítimas.
"Umas 20 mulheres me procuraram e contaram que ele já foi violento com elas, um monstro. A ex-mulher dele, inclusive, veio falando que sofreu por 10 anos na mão dele. Até uma filha mandou mensagem contando quem o pai é", afirma a prima.
Polícia Civil - A assessoria da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul foi questionada sobre o cumprimento da medida protetiva, o atendimento prestado à jovem e se localizou o suspeito.
"A vítima foi atendida todas as vezes que foi até à Delegacia, as medidas protetivas estão válidas e se ela novamente for vítima de descumprimento de medida protetiva ou qualquer outro crime, deve procurar a delegacia de polícia imediatamente. Todo procedimento foi feito e o agressor acusado está ciente e notificado das medidas", respondeu em nota.
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