O Conselho Municipal da Saúde quer debater com o presidente da Santa Casa de Campo Grande, Esacheu Nascimento, sua ameaça de abandonar o Sistema Único de Sáude (SUS) se os valores da tabela não sofrerem reajustes.
A declaração de Nascimento foi dada nesta semana. Segundo ele, há dez anos que não há alteração no repasse de verbas do Governo federal à instituição mantedoura do principal hospital de Campo Grande.
"São dez anos que trabalhamos com a mesma taxa, e olha o que aconteceu durante esse tempo: reajuste salariais, inflação de medicamentos, água, luz, e estamos mantendo o mesmo valor", disse, ao portal 'Top Mídia News', no último domingo (13).
O Conselho, por meio de sua corrdenadora Maria Auxiliadora Ribeiro Vilalba Fortunato, vem "evitar o caos", segundo seus integrantes.
O objetivo principal é tranquilizar a população, que já sofre com a falta de leitos. "Ele não pode simplesmente fazer ameaças desse tipo, envolvendo tantas pessoas, funcionários, seria trágico para Campo Grande", disse uma pessoa do Conselho, que preferte não se identificar.
Alternativas seriam propostas pelo Conselho a Nascimento, sob risco de ação judicial caso recuse o diálogo e leve a medida à tona.
"Ele já recusou uma de nossas propostas, de entregar a administração da Santa Casa inteira ao SUS, como é feito com o Hospital Regional, o que faria o hospital perder o rótulo de sociedade beneficiente", completou a funcionária.
"Nós estamos nos virando, fazendo uma gestão, temos uma sala de controle. Essa posição do Governo do Estado sobre essa taxa é bem-vinda e ele tem autonomia junto ao Governo Federal para essa atualização. Vivemos em um subfinanciamento do SUS, então tem que rever essa taxa, existe a necessidade de atualização desses valores, não só de agora pra frente, mas para reaver esses déficits que se acumularam durante esses dez anos", completou o presidente da Santa Casa na mesma entrevista.
CRISE SEM FIM
Com dívida de R$ 210 milhões que se arrasta há mais de cinco anos, a Santa Casa de Campo Grande pode ter acesso a mais um empréstimo, por meio da Medida Provisória 859/2018, em votação na Câmara Federal, que garante socorro às santas casas e aos hospitais filantrópicos de todo o Brasil, com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Desde 2013, a Santa Casa da Capital está mergulhada em dívidas com agentes financeiros, em decorrência de empréstimos cujos valores só aumentam.
Tal situação pode ser confirmada nas mais recentes demonstrações contábeis do hospital, publicadas no Diário Oficial de Campo Grande (Diogrande). Os documentos mostram que, no dia 20 de dezembro de 2013, a entidade realizou um empréstimo com a Caixa Econômica Federal de R$ 80 milhões, a uma taxa de juros efetiva mensal de 1,21%, com prazo de amortização de 84 meses.
Em 31 de março de 2017, um novo empréstimo foi feito pelo hospital com a Caixa Econômica Federal, de R$ 100 milhões, a uma taxa de juros efetiva mensal de 1,75% e prazo de amortização de 120 meses. O dinheiro serviu para quitar empréstimos que já haviam sido feitos com o banco Santander e cujos valores não foram mencionados.
Em 30 de novembro de 2017, a entidade optou por realizar um novo empréstimo na Caixa Econômica, desta vez, o montante foi de R$ 30 milhões, a uma taxa de juros efetiva mensal de 1,53%, com prazo de amortização de 120 meses. Somados, os valores ultrapassam R$ 210 milhões, e ao fim de 2017 a dívida do hospital com os bancos estava em R$ 177.776.985.
O Correio do Estado questionou a Santa Casa sobre o que motivou os empréstimos e ainda a destinação do dinheiro, mas até a publicação desta reportagem não houve retorno.
Uma fonte ouvida pela reportagem, que faz parte da administração do hospital, mas pediu para não ser identificada, explicou que “após a intervenção pública, que durou oito anos, o hospital foi devolvido para a Associação Beneficente de Campo Grande (ABCG) com uma dívida monstruosa de aproximadamente R$ 160 milhões.
Nos primeiros anos do retorno da entidade, [a dívida] baixou para R$ 77 milhões e, no meio de 2015, estava em R$ 35 milhões. Na intervenção, usaram o hospital para financiar a saúde pública com a capacidade de endividamento da Santa Casa. O correto é negociar a dívida, pegar mais dinheiro não adianta”, considera.
MEDIDA
Na prática, o texto da nova MP, que está na pauta de votações da Câmara Federal, complementa outra medida, a 848/18, que cria linha de crédito de R$ 4,7 bilhões para o setor.
Segundo a nova MP, as aplicações do FGTS nessa ajuda ocorrerão até o fim de 2022. O risco das operações de crédito ficará a cargo dos agentes financeiros – Caixa, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O Conselho Curador do FGTS poderá definir o porcentual da taxa de risco, limitado a 3%, que ainda será acrescido à taxa de juros e não poderá ser superior à cobrada da modalidade pró-cotista dos financiamentos habitacionais, que beneficia trabalhadores com conta no FGTS. A linha tem juros mais baixos do que os praticados no mercado, hoje está entre 8% e 9% ao ano, na Caixa.
Segundo a justificativa da medida, muitas instituições já estão em situação insustentável e acumulam dívidas na ordem de R$ 21 bilhões. “[Essas instituições] exercem papel fundamental e estratégico na assistência à saúde, uma vez que representam 31% do total dos leitos do Brasil e são responsáveis por quase metade das cirurgias do SUS”.
PROBLEMAS
No final de dezembro, com tantos problemas financeiros, a Santa Casa ainda atrasou o pagamento do 13º salário de médicos e funcionários, diminuindo o número de atendimentos rotineiros e de emergência.
O procurador do Trabalho em Mato Grosso do Sul, Paulo Douglas Almeida de Morais, ajuizou pedido para bloquear R$ 2.692.942,87 da Santa Casa, para assegurar o pagamento em atraso dos médico. Se somado ao valor da multa por descumprimento do acordo, o valor da penhora pode chegar a R$ 6.352.942,87.
Na mesma ação, o integrante do Ministério Público do Trabalho cobra R$ 3.660.000,00 referentes às multas resultantes do descumprimento de acordo firmado entre a instituição e o hospital no ano passado. O acordo previa a multa diária de R$ 1,5 mil por médico, para cada dia de salário atrasado. Como o pagamento dos 305 profissionais do hospital está atrasado há oito dias, o valor da multa atingiu a cifra milionária.
Inadimplente com seus funcionários, a Santa Casa pressiona os entes governamentais para o repasse dos recursos a que tem direito, que também estão em atraso. O procurador do Trabalho, porém, frisa que a relação de trabalho é entre os médicos o hospital, e não prefeitura, governo do Estado e União. “Embora não desconheça a competência da Santa Casa para com os repasses financeiros governamentais, essas circunstâncias já sabidas por todos, inclusive pela administração do hospital, devem ser objeto de medidas administrativas que evitem o descumprimento das obrigações trabalhistas, notadamente do pagamento de salários, uma vez que desse inadimplemento pode decorrer a paralisação do serviços e, aí sim, prejuízos concretos não só para os trabalhadores mas também para toda a sociedade”, observou Paulo Douglas.
*Correio do Estado
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