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Bioceânica: nova realidade continental derruba galhofas e ceticismo

31/07/2019 às 08h40
Por: Tribuna Popular
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Muito se comenta sobre a iminente materialização de um sonho que atravessou séculos desacreditado – um descrédito debitado no ombro e no currículo das poucas pessoas que o sonhavam, apostando que um dia se tornaria real. Ceticismo, ironias e galhofas – ou a pecha de loucos - eram, quase sempre, as reações de quem ouvia discursos ou lia textos de gente que defendia a rota bioceânica, por meio de investimentos nas fronteiras de Mato Grosso do Sul com Paraguai e Bolívia para colocar o Brasil mais perto do Oceano Pacífico e, por ele, acessar aos grandes mercados mundiais, sobretudo Ásia e África.

Esse raro grupo de “loucos” sonhadores inclui, ao longo da história, dirigentes políticos que, timidamente ou não, acreditavam no sonho. Os ex-governadores Pedro Pedrossian, Wilson Martins, André Puccinelli  e o atual, Reinaldo Azambua, entram nessa conta. No entanto, não há como reduzir a magnitude do foco e do interesse com que dois irmãos porto-murtinhenses, José Orcírio Miranda dos Santos e Heitor Miranda dos Santos, olharam para os horizontes que rasgam chacos e pantanais, deslizam pelos rios, vencem as cordilheiras andinas e demonstram aos sulamericanos de todas as línguas, raças e costumes, que é possível conviver e prosperar juntos, compartilhar direitos e justiça, romper os grilhões da dependência externa e aplicar suas próprias receitas de evolução humana, social e econômica, sem prejuízo da autodeterminação de cada povo.

Assim, nos próximos anos, quando as pessoas, mercadorias, culturas e ideias estiverem percorrendo os corredores plurimodais por hidrovia, ferrovia e rodovia até o Chile, porta de entrada para o Oceano Pacífico, haverá quem se ocupe em conhecer a história deste que é um dos maiores e mais necessários sonhos de convivência integracionista do planeta. A rota bioceânica, com seus dois itinerários a partir de Mato Grosso do Sul – um na fronteira Brasil-Paraguai, a partir de Porto Murtinho, e outro na fronteira com a Bolívia, saindo de Corumbá - tem uma antiga e rica história, cujos capítulos guardam informações nem sempre conhecidas da opinião publica.

PIONEIRISMO

Personagens e fatos que deram origem à ideia integracionista já estavam em cena desde as pioneiras incursões dos grandes navegadores. Homens como o espanhol Álvar Nuñes Cabeza de Vaca, primeiro europeu a aventurar-se pelas águas do Rio Paraguai, e libertários e pensadores latinoamericanos como Simon Bolívar, José de San Martin, José Artigas e Bernardo O´Higgins, não precisaram de modernas cartas hidrográficas e nem de apurada tecnologia para decifrar, reconhecer e dimensionar a grandeza do continente.

Com o passar dos séculos, uma visão cada vez mais contemporânea espraiou-se por todo esse continente, incorporando novas e vitais necessidades, notadamente as de soberania, para que a América Latina se libertasse do jugo invasivo do chamado “primeiro mundo”.  E o antigo sonho, embora muito distante da realidade, voltou à tona. Seus impulsos renovados começaram timidamente, nos anos 1960. Mesmo na escuridão política e institucional da ditadura militar, núcleos da inteligência tecnocrática, em sua maioria, ousaram apontar para um ponto geográfico, o extremo oeste brasileiro, cuja importância não poderia estancar nos limites da segurança nacional, mas evoluir para a estratégia do desenvolvimento.

Em 1965 foi criado o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (GEIPOT). Era fruto de um acordo entre o Brasil e o Banco Mundial para formular e executar a política nacional de transportes  pesquisas do setor. Tornou-se o útero de vários projetos de rodovias, ferrovias e hidrovias.Em 2001 o Geipot saiu de cena com a criação do Conselho Nacional de Integração de Política de Transporte (Conit), até entrar em liquidação em 2002 e depois seria reativado em 2012 ela presidenta Dilma Roussef.

Em todo esse processo, a bioceânica sobreviveu nas gavetas ministeriais como mero e alucinante desenho, projetado para um tempo que ninguém sabia quando. Estava vivo, embora adormecido e amarfanhado nos arquivos planaltinos.Era preciso reanimá-lo, até porque o I e o II PNDs (planos nacionais de desenvolvimento), embora sob a ótica linear e ideológica da segurança nacional, já acusavam a necessidade de melhor e refinar a aproximação entre o Brasil e seus vizinhos sulamericanos.

SOBERANIA



Heitor e os chineses da BBCA. Foto: Giva 

E assim, em meados dos anos 1970, à medida que avançava a resistência política e popular ao regime levantavam-se algumas vozes em defesa da soberania nacional e da América Latina – além do Brasil, outros países do bloco viviam sob ditaduras cruéis. E lá na fronteira, às margens do Rio Paraguai, os irmãos murtinhenses fincavam no solo as bandeiras da democracia, da libertação continental e da rota bioceânica.

“Eu pensava inicialmente na redenção de Porto Murtinho, na criação de novas e sólidas perspectivas de desenvolvimento para uma cidade isolada, de pequenas receita, apesar do exuberante potencial humano e natural”, recorda Heitor . E completa: “Mas eu via que a cidade e toda aquela região não teriam como evoluir sozinhas. Era essencial que toda a geografia brasileira, paraguaia e dos demais vizinhos tivessem uma sincronia de efeito evolutivo, cultural e sócio-econômico. Unidade, integração. E isso se daria com um motivador extraordinário: a capacitação econômica, com agregação cultura e social, por meio de um corredor multimodal até o acesso ao Pacífico, no Chile”.

CONHECIMENTO DE CAUSA



O ex-prefeito Heitor Miranda dos Santos. 

Advogado e estudioso dos grandes temas políticos e sociais, para carregar essa bandeira Heitor adquiriu conhecimentos e recarregou as reservas de educação e paciência para suportar o desdém e outras maldades de quem não lhe depositava fé alguma. Além das bases acadêmicas que o levaram ao quadro de concursados na Procuradoria Estadual de Justiça e das formulações do Geipot, dos PNDs e da incansável busca literária sobre a história das navegações e ocupações regionais, ele ampliou seu campo de informações e interlocução com investiduras profissionais e políticas.

Heitor governou os murtinhenses duas vezes (1989-92 e 2012-16), respondeu pela Superintendência de Ações Estratégicas e Relações Internacionais no governo de Zeca do PT e quando Lula se elegeu presidente foi o único sulmatogrossense convidado para integrar a equipe que fez a transição do governo de Fernando Henrique Cardoso. No grupo , que cuidou da área de infraestrutura, a coordenadora era Dilma Roussef. Contou para sua escolha o então já reconhecido domínio temático, até porque sua presença seria ideal para um processo de transição que, entre as intervenções governamentais, teria nas mãos os estudos e avanços daIniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Irsa), criada por FHC e sustentada depois por Lula e Dilma.

Quando Zeca governou o Estado, de 1999 a 2006, desde o primeiro dia de mandato Mato Grosso do Sul respirou, de uma forma de outra, o oxigênio de confiança com que seu governante tentava abastecer as esperanças da sociedade no futuro inovador do Mercosul com a integração continental. Em dezenas de ocasiões, eventos de todo tipo tomaram as agendas e o interesse do governador quando o assunto era a rota bioceânica. Heitor se esmerou nas articulações, que ocorriam dentro e fora do Brasil. Num dos encontros do Zicosur (Zona de Integração do Centro-Oeste da América do Sul), no Chile, as delegações do continente reconheceram nos discursos oficiais o papel decisivo do governo sulmatogrossense, por meio de Zeca e Heitor, para o avanço concreto de todas as tratativas publicas e privadas direcionadas à rota bioceânica.

Quando administrou Porto Murtinho de 2013 a 2016, Heitor fez do integracionismo uma das marcas de seu governo. Tomou diversas iniciativas. Uma delas foi o encontro reunindo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), professores, alunos e pesquisadores da Uems (Universidade Estadual), UFMS (Universidade Federal) e UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). No conteúdo, um dos apelos vigorosos do prefeito foi a criação e implantação da Universidade Latino-Americana, soprada pelos ventos da integração.

Com tais contribuições, as demonstrações de reconhecimento, poucas em quantidade, sobram em qualidade. O Congresso Nacional é recorrente em alusões ao papel que os defensores deste sonho exercem, especialmente para recuperá-lo. No dia 24 de setembro de 2013, o senador Rubem Figueiró (PSDB) discursou no Senado para exaltar esses protagonismos e comentar o significado de uma expedição que dali a dois dias levaria Heitor e dezenas de empresários e agentes púbicos e privados aos dois caminhos da rota, saindo de Corumbá, pela Bolívia, e regressando pelo Paraguai, com chegada em Porto Murtinho.

Na tribuna da Casa, Figueiró afirmou: “(...)esses projetos sempre contaram com entusiástico apoio do prefeito da cidade de Porto Murtinho, Sr. Heitor Miranda dos Santos, e do então governador José Orcírio Miranda dos Santos, o conhecido Zeca do PT, que não economizaram esforços para sensibilizar as autoridades sobre sua viabilidade, dadas as vantagens estratégicas que apresentam. Trata-se de um trabalho que poderá transformar a região de fronteira de Mato Grosso do Sul com os vizinhos Paraguai e Bolívia, em polos de desenvolvimento econômico, político e social, com inestimáveis ganhos para o Brasil”.

VALOR ECONÔMICO 

A revista publicou matéria em 19 de abril do ano passado, com o título “Chile quer acelerar criação de corredor bioceânico realista”. Na abertura do texto, o jornalista Daniel Rittner, de Brasília, escreveu: “O novo governo do Chile promete trabalhar para a inauguração, em prazo de dói a três anos, de um corredor rodoviário bioceânico que reduzirá em cerca de 40% o tempo consumido no transporte das exportações brasileiras com destino a parceiros comerciais na Ásia. A ideia é ligar o município de Porto Murtinho (MS) aos portos chilenos de Iquique e Antofagasta, passando por Paraguai e Argentina, em um trajeto com quase dois mil km de extensão”.

INVESTIDORES

A multinacional chinesa BBCA está concluindo em Maracaju uma unidade industrial para processar milho e com ele fabricar diversos produtos, do amido a plásticos biodegradáveis. É um investimento que vai chegar a R$ 2 bilhões, quando a fábrica estiver operando a pleno. O primeiro carregamento de milho chega na próxima semana. Maracaju fica a 321,8 km de Porto Murtinho, pela BR-267. Em 2013, já convencidos do potencial da região e com o martelo batido para construir a indústria, diretores da BBCA e do Banco de Desenvolvimento da China visitaram o prefeito Heitor Miranda para tomar informações sobre as condições e possibilidades – custos, distâncias, calado do rio e outros itens – para o escoamento e os negócios utilizando em princípio a hidrovia e, futuramente, rodovia e hidrovia.

Heitor mostrou um vídeo com todos os detalhes e os chineses levaram uma cópia. Agora, já sabem que Porto Murtinho é bem perto e, além do Rio Paraguai, dentro de dois a quatro anos, com o caixa reservado nos dois países, terão pontes e rodovias que estão sendo construídas ou projetadas para esse período.

O que mais chama a atenção em todos os relatos e entrevistas de Heitor Miranda e Zeca do PT sobre a rota bioceânica é o olhar para a amplitude do benefício. Não é um olhar de linha reta e estreita que se fixa apenas na certeza de que a redução de custos tornará o Brasil muito mais competitivo para gerar empregos e potencializar sua economia. A rota, insiste Heitor, “possibilitará que nossos países tenham um percurso seguro para a afirmação de um ciclo de desenvolvimento humano e sustentável, valorizado na unidade dos povos que habitam o continente e nas culturas que o empoderam”.

*MS Notícias

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