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Menor quantidade de produto pelo mesmo preço: entenda o que é “reduflação”

Segundo especialistas, escalada inflacionária, redução do poder de compra e aumento da pobreza estão por trás de produtos menores em volume, mas com o mesmo valor

27/06/2022 às 09h32
Por: Tribuna Popular Fonte: CNN Brasil
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28/03/2022/REUTERS/Andrew Kelly -
28/03/2022/REUTERS/Andrew Kelly - "A estratégia disfarça a inflação e funciona muito bem se o cliente não perceber", comenta especialista da FGV

De uns tempos para cá, consumidores têm relatado uma frustração em comum: produtos que antes rendiam durante o mês todo estão acabando antes do previsto.


Não se trata, por exemplo, de usar um copo medidor maior para o sabão em pó, ou algumas colheradas a mais na hora de passar o cafezinho de manhã. O consumidor não está consumindo mais — é o produto que está diminuindo de tamanho.


O fenômeno se tornou tão usual que ganhou até apelido: “reduflação“, neologismo que soma “redução” com “inflação” e que tem despertado a ira de consumidores Brasil afora.


“Reduflação é a prática de reduzir o tamanho das embalagens, o conteúdo dos produtos ou a quantidade de unidades sem que uma redução nos preços acompanhe”, explica o administrador Ulysses Reis, coordenador do Núcleo de Varejo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro.


“Na prática, é uma estratégia de vendas maquiada, em que o consumidor acredita estar pagando o mesmo valor, ou até mais em alguns casos mais raros, mas está obtendo uma quantidade menor de produto.”


As reduções seguem a esteira de uma escalada inflacionária que pegou o bolso de muitos brasileiros de surpresa. Segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador que mede a inflação oficial do país, os últimos 12 meses acumulam alta de 11,73% — dado muito acima do teto da meta de 2022, de 5%.


Os salários, na grande maioria das vezes, não acompanham a alta de preços. O resultado é um poder de compra mais enxuto, com consumidores tendo os valores dos produtos como régua, não mais a preferência por uma ou outra marca.


Daí a estratégia de venda “reduflacionária”: para manter a competitividade no mercado, empresas optam por diminuir a quantidade de produto ao invés de elevar o preço.


“A estratégia disfarça a inflação e funciona muito bem se o cliente não perceber”, diz Reis.


“Os consumidores mudaram de hábito de consumo e passaram a substituir os produtos de sempre por marcas mais baratas. Às vezes vão até com o dinheiro contado para ir ao mercado”.


Vale ressaltar que não se trata de uma prática ilegal. “A reduflação é perfeitamente lícita, desde que as empresas explicitem para os adquirentes que houve diferença de conteúdo”, explica Maria Paula Bertran, pesquisadora na área de direito econômico e professora de direito da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (FDRP-USP).


A notificação deve estar em conformidade à determinação do Ministério da Justiça (portaria 81, de 23 de janeiro de 2002) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990).


Como rege a lei, o aviso de que o produto foi reduzido deve estar na embalagem ao longo dos seis meses seguintes ao momento da alteração, em cor de destaque e em tamanho de fonte mínimo 12.


Também deve ser explícita: se um pacote de bolachas, por exemplo, passar a ter 4 unidades a menos, essa informação deve estar clara para consumidor.


O mesmo vale para a composição. Se um suco de uva for adoçado com maçã, por exemplo, ambas as frutas precisam ser ilustradas na embalagem — além de, claro, constarem na descrição detalhada do produto.


Mas, mesmo notificada, a redução normalmente passa despercebida.


“Na prática, o consumidor só percebe que houve redução quando o produto acaba antes do tempo previsto e ele precisa ir mais vezes ao supermercado para abastecer a própria demanda”, comenta Ricardo Hammoud, economista e professor de Macroeconomia no Ibmec-SP.


“No final, ele tem menos dinheiro para consumir outros produtos e serviços. É um fenômeno que vai além do carrinho do supermercado.”


Há ainda outra face do fenômeno: segundo Maria Paula Bertran, a redução do tamanho das embalagens é um retrato da pobreza e da fome no país.


“Outro dia estava no supermercado com a minha filha pequena e ela me perguntou o porquê da dúzia de ovos se chamar assim se só tem 10 unidades”, relata.


Para a pequena Eleonor de 8 anos, herança histórica foi a resposta, mas, para a CNN, Bertran explica que a redução tem um significado mais profundo.


“O brasileiro pode comprar aquilo que cabe no seu orçamento. Nos Estados Unidos, o leite é vendido em galões de 3,8 litros, ou 1,9 litros, mas nenhum consumidor lá vai ao mercado comprar 1 litro de leite como acontece aqui. Uma sociedade pobre tem um orçamento em que não cabe mais do que 1 litro de leite ou 10 unidades de ovos.”


A reduflação, dentro dessa ótica, é um fenômeno contínuo, agravado pela queda no poder de compra. Ela também marcou presença em 2015 e 2016, relembra Hammoud, do Ibmec, quando a inflação estava nas alturas e a economia apresentava um cenário de recessão.


Desde então, o país tem retrocedido no combate à insegurança alimentar e pavimentado o caminho de volta para o Mapa da Fome — ao qual retornou de fato em 2018.


“O consumidor brasileiro é da mão para a boca, mas agora tem uma mão mais curta e uma boca que continua do mesmo tamanho”, diz Bertran.


Com o aumento da fome e a escalada de preços casada à redução das embalagens, vem o lugar-comum: o da crítica à indústria e às empresas, não raro percebidas como se estivessem agindo de má-fé e acusadas de tentativa de engodo.


“Mesmo que a reduflação seja uma prática legal, ela não é totalmente inteligente em termos de imagem da marca e do investimento no relacionamento com o cliente”, afirma Ulysses Reis, da FGV.


“A partir do momento em que o consumidor se sente enganado ou desrespeitado, mesmo que as marcas ajam conforme a lei, a tendência é que ele troque para uma marca concorrente. Cresce a bronca e piora a imagem das empresas no longo prazo.”


Na visão de Bertran, no entanto, o cenário não é tão preto no branco assim. “Acredito que essa seja uma crítica fácil, de que a indústria teria essa conduta de redução sub-reptícia e se aproveitaria da crise para manter a margem de lucros”, comenta a professora.


Em bom português, “o buraco é mais embaixo”. Um estudo de 2014 da plataforma de pesquisas Science Direct, com base em uma sorveteria de Chicago, nos EUA, apontou que os consumidores são até quatro vezes mais sensíveis ao preço do que ao tamanho da embalagem.


Isso significa que, na prática, o consumidor deixa de comprar caso note um aumento de preço, mas não quando a embalagem reduz. “Dentro da lógica de competitividade, as empresas estão fazendo o que elas podem, e não necessariamente sempre saem por cima quando apostam em reduções de volume”, diz Bertran.


“É muito mais caro embalar três embalagens de 1 litro de leite do que apenas uma embalagem de 3 litros, e é muito mais caro transportar esse lote, porque ocupa muito mais espaço. Mas, de novo, o brasileiro só pode comprar aquilo que cabe no orçamento. Por isso a redução acontece também, as empresas têm essa noção de economia comportamental.”


Procurado, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) disse à CNN que a “prática de reduflação, além de abusiva e oportunista, por promover um aumento de preços de forma obscura, confunde os consumidores que já estão fragilizados pela crise econômica e com achatamento do seu poder de compra”.


“Em muitos casos se valem de argumentos como a adequação ao novo arranjo das famílias, entre outros, para agir assim, demonstrando falta de comprometimento e desrespeito com os consumidores.”


Já a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), maior representante do setor, disse à reportagem que as “empresas comprometidas com a transparência devem seguir as regras determinadas pela Portaria nº 392/2021, do Ministério da Justiça, e informar claramente qualquer alteração quantitativa no painel frontal da embalagem, em letras de tamanho e cor destacados, de forma precisa e ostensiva, bem como a quantidade de antes da alteração”.


“A ABIA defende a melhor informação para os consumidores e ressalta que as alterações no conteúdo dos produtos são decisões estratégicas de cada empresa, seja por adequação de portfólio, para atender a demandas específicas de consumo, padronizar a gramatura dos produtos das marcas com o objetivo de manter sua competitividade ou em função de custos de insumos para produção. Tais alterações só configuram prática ilegal quando o fabricante não segue as regras de informar claramente sobre as mudanças, em conformidade com a legislação vigente.”


*Sob supervisão de Ligia Tuon.


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