
Há corridas eleitorais que revelam muito mais do que a simples disputa por um cargo. O que está acontecendo em Mato Grosso do Sul é um desses casos emblemáticos, em que a movimentação dos nomes diz mais sobre o momento político nacional do que sobre as ambições regionais. A disputa pelas duas cadeiras do Senado virou uma espécie de ímã irresistível, atraindo desde figuras tradicionais da política estadual até personagens novos, surgidos no rastro do bolsonarismo.
O número de pretendentes causa estranhamento à primeira vista. De um lado, nomes consolidados como Nelsinho Trad, com recall eleitoral robusto, e Vander Loubet, que tenta ocupar um espaço relevante no campo lulista. De outro, a centro-direita apresenta Verruck, secretário de Estado que passou de técnico respeitado a nome competitivo, entrando no jogo justamente por enxergar um momento político único. E nesse tabuleiro ainda circula Gerson Claro, que busca viabilizar-se num ambiente cada vez mais congestionado.
No campo da direita, a turbulência é ainda maior. O PL virou palco de fricções públicas depois do movimento de Valdemar da Costa Neto, que acolheu Capitão Contar como pré-candidato ao Senado, apesar de Reinaldo Azambuja já estar posicionado pela própria sigla. Esse gesto abriu uma fissura e expôs a disputa interna por protagonismo entre diferentes alas do partido. É um cenário em que cada líder tenta assegurar território antes que a casa exploda.
Sufocada dentro do PL, Gianni Nogueira passou a negociar com o Novo, tentando não perder completamente o ar no ambiente polarizado. Sua movimentação é mais uma evidência de que a direita sul-mato-grossense vive uma fragmentação real, onde ninguém quer ficar sem legenda nem espaço. Para agravar o quadro, Eduardo Bolsonaro entrou no debate sugerindo Marcos Pollon como nome do bolsonarismo raiz para enfrentar a disputa. Essa interferência reorganiza grupos, fortalece a linha mais ideológica e reacende um tipo de disputa que parecia arrefecida desde 2022.
No meio de todo esse barulho, Simone Tebet surge como figura que equilibra a corrida. As pesquisas recentes mostram que ela está tecnicamente empatada com pelo menos outros três nomes, demonstrando que o eleitorado não está decidido e que ninguém tem vitória garantida. Sua presença impede que a eleição seja tratada como uma guerra exclusiva da direita e amplia a complexidade do tabuleiro.
A questão central, no entanto, continua sem resposta adequada nos discursos oficiais:
por que tantos políticos — inclusive alguns com pouca experiência — miram ao mesmo tempo as duas cadeiras do Senado?
O prestígio e os benefícios do cargo fazem parte da explicação, mas não são suficientes. O Senado, por tradição, já é destino natural para quem quer encerrar a carreira com pompa. Contudo, o momento brasileiro amplifica o valor dessas vagas de maneira inédita.
Nos últimos anos, tornou-se evidente que o real centro de poder institucional migrou para o Judiciário. O Supremo Tribunal Federal assumiu protagonismo absoluto nas decisões mais sensíveis do país, ocupando um espaço que antes era dividido com o Executivo e o Congresso. Esse arranjo gerou tensões, desconfianças e um sentimento difuso de que o equilíbrio entre os poderes está longe do ideal.
E qual instituição poderia, ao menos em tese, reequilibrar essa balança?
O Senado.
É o Senado quem sabatina ministros, aprova ou rejeita nomes para o STF, e possui a prerrogativa de abrir processos de impeachment contra integrantes da Corte. Essas atribuições, que por décadas permaneceram quase simbólicas, ganharam peso num Brasil onde o debate sobre ativismo judicial virou parte da rotina.
O problema é que a atual composição do Senado demonstra grande vulnerabilidade: muitos de seus integrantes respondem ou já responderam a processos no próprio Supremo. Isso cria uma dependência tácita e uma dificuldade objetiva de confrontar os ministros quando necessário. A consequência é que todos sabem da importância institucional do Senado, mas poucos conseguem exercê-la plenamente.
Nesse cenário, as eleições de 2026 tornaram-se cruciais. O próximo Senado terá peso direto no futuro da democracia brasileira, no ritmo das reformas, na recomposição das forças políticas e na definição dos limites institucionais entre os poderes.
É exatamente por isso que tantos parlamentares de Mato Grosso do Sul — alguns com trajetória consolidada, outros com carreira recém-iniciada — estão brigando com unhas e dentes por essas vagas. Eles sabem que o Senado deixou de ser apenas um cargo honrado. Tornou-se o centro de gravidade da política nacional.
Aqui, a disputa em MS não é exceção. É símbolo. É reflexo. É metáfora do Brasil que tenta descobrir quem manda, quem deve ser contido e quem precisa ser lembrado de seus limites.
O eleitor sul-mato-grossense terá diante de si uma escolha que ultrapassa simpatias partidárias e afinidades regionais. A decisão determinará como o estado participará do novo arranjo institucional do país. E, sobretudo, definirá se as cadeiras serão ocupadas por representantes preparados para o desafio ou por aventureiros guiados apenas pelo desejo de projeção pessoal.
As regras do jogo mudaram. E todos perceberam. Por isso correm tanto. Por isso disputam tanto. O Senado, a partir do próximo ciclo, será mais do que um cargo. Será o palco onde o Brasil decidirá quem, afinal, está no comando.
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