Não deu nem tempo de fazer churrasco de abóbora, digo, de picanha, para comemorar a tornozeleira eletrônica no ex-presidente Jair Bolsonaro e a esquerda, empolgada com a cena transmitida em rede nacional e replicada pelas redes do governo federal com a campanha “Sextou com S de Soberania”, foi dormir com outro “S”: de Sem Visto. Os Estados Unidos cancelaram os vistos de entrada de ministros do Supremo Tribunal Federal, de aliados do governo e até de familiares. Uma resposta seca, direta e simbólica. É o primeiro passo concreto que pode levar à aplicação da Lei Magnitsky, usada para punir autoridades que violam direitos humanos e perseguem adversários políticos.
A canetada americana, como sempre silenciosa, foi mais eficiente que qualquer discurso no Senado. O recado não poderia ser mais explícito: o mundo está vendo o que se passa no Brasil. O Judiciário brasileiro, que nos últimos anos transformou-se numa espécie de governo paralelo, agora colhe os frutos de sua arrogância institucional. Moraes e companhia se comportam como se o Brasil fosse um feudo togado, onde ordens judiciais não se discutem, apenas se cumprem. Lá fora, no entanto, essa onipotência perde força. Em Washington, a toga pesa pouco.
A ironia trágica, dessas que mereceriam um roteiro de cinema, vem com o nome e sobrenome de uma jovem advogada: Luna van Brussel Barroso. Filha do atual presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ela pode ser deportada dos Estados Unidos caso a Lei Magnitsky avance. A mesma toga que comemorou publicamente “derrotamos o bolsonarismo” e imortalizou o “perdeu, mané” pode agora ser punida pela maior democracia do mundo por perseguição política institucionalizada.
Enquanto o governo brasileiro gasta dinheiro público para fazer vídeo comemorando tornozeleira, o Departamento de Estado americano age com discrição e objetividade. Não faz post, não solta vídeo, não publica card animado. Apenas age. E quando age, coloca autoridades brasileiras em seu devido lugar. A revogação dos vistos é uma advertência. Não é política comum. É sinal de alerta diplomático. É como o ruído de motor no horizonte antes da tempestade.
A Lei Magnitsky não foi aplicada ainda, mas esse movimento de cancelamento de vistos é o primeiro degrau dessa escada íngreme. Se confirmada, a aplicação da lei pode resultar em sanções severas: bloqueio de bens, congelamento de contas, restrição de movimentação, além da destruição da reputação internacional de qualquer autoridade envolvida.
O mais grave é que o governo brasileiro, em vez de tratar o episódio com sobriedade, segue empurrando o país para o constrangimento. Em vez de diplomacia, aposta na lacração. Em vez de ponderação, promove o espetáculo. E enquanto os ministros do STF celebram com seus apoiadores o controle absoluto sobre o destino político do país, perdem, um a um, o respeito das nações democráticas. Como confiar num tribunal que se transforma em protagonista político, legislador improvisado e censor midiático?
O episódio é mais que um puxão de orelha. É um espelho. O Brasil se olha e não gosta do que vê. Temos uma Suprema Corte que se comporta como partido político, um Executivo que age como torcida organizada e um Legislativo acovardado, refém dos próprios esqueletos judiciais. A separação de poderes virou ficção. A institucionalidade virou peça de marketing.
E nesse teatro cínico, o brasileiro comum é o que mais perde. Não apenas porque assiste à destruição da imagem do país lá fora, mas porque sente na pele os efeitos de uma justiça que escolhe quem punir. A democracia se esvai quando o poder se concentra sem freios. E o mundo, ao contrário do que pensam os iluminados de toga, está observando atentamente.
O Brasil não precisa de deuses vestidos de preto. Precisa de instituições que respeitem a Constituição, de juízes que se contenham nos limites da lei, de um governo que compreenda a gravidade do que representa uma sanção internacional. E precisa, sobretudo, de humildade para reconhecer que há algo profundamente errado quando uma nação estrangeira precisa ensinar a um país soberano o que é justiça.
Talvez seja hora de abandonar a comemoração precoce. A tornozeleira de Bolsonaro virou troféu político, mas o preço de exibi-la está chegando alto. A começar pela perda do direito de ir e vir dos próprios ministros. E se continuar assim, o próximo “perdeu, mané” não será um meme. Será uma constatação amarga de um país que perdeu o rumo, a credibilidade e a vergonha.
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