Um alerta no aplicativo do celular informou a Lenine de Oliveira Rocha Júnior que o nível de glicose de sua filha, Eduarda de Oliveira, de oito anos, estava alterado. A menina foi trazida até o pai, que aplicou imediatamente o medicamento necessário para estabilizar o quadro. A cena, acompanhada pelos participantes da audiência pública Tecnologia e Dignidade no Tratamento do Diabetes, realizada na tarde desta quarta-feira (3) no plenarinho Nelito Câmara, da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS), evidenciou a urgência do tema.
A rápida solução só foi possível graças ao monitoramento contínuo proporcionado pelo sensor que Eduarda utiliza — uma tecnologia capaz de emitir alertas em tempo real e evitar episódios graves de hipo ou hiperglicemia. A segurança possibilitada à Eduarda e sua família pelo sensor de glicose poderá se estender às cerca de 300 mil pessoas com diabetes tipo 1 de Mato Grosso do Sul. Foi discutida na audiência a implantação de um programa estadual para oferecer, gratuitamente, a tecnologia aos pacientes com diabetes em todos os municípios do estado. Mato Grosso do Sul será, assim, o pioneiro no país nessa iniciativa.
Proposta pelo deputado Paulo Corrêa (PSDB), 1º secretário da ALEMS, em parceira com o vereador por Campo Grande, Ronilço Guerreiro (Podemos), a audiência reuniu especialistas, gestores públicos, representantes de entidades e pacientes para discutir o uso da tecnologia como política pública de saúde de Mato Grosso do Sul. No encontro, foi debatida a incorporação dos sensores de glicose, dispositivos capazes de monitorar continuamente os níveis glicêmicos sem a necessidade de múltiplas picadas nos dedos. O equipamento, aplicado sob a pele, mede a glicose no fluido intersticial e envia as informações para um leitor ou aplicativo no celular, permitindo previsões de variações, alertas de riscos e maior segurança no tratamento.
“A gente tem que olhar a diabetes como um programa especial da saúde”, afirmou o deputado Paulo Corrêa ao final da audiência. Com reunião já agendada para fevereiro, Mato Grosso do Sul poderá iniciar o trâmite necessário para a efetivação da política pública para o fornecimento de sensores digitais de monitoramento de glicose já no próximo ano, como informou o parlamentar.
O deputado lembrou que o debate teve início na Câmara Municipal de Campo Grande, com o vereador Ronilço Guerreiro, e ganhou força na audiência desta tarde. Segundo o parlamentar, o apoio da Secretaria de Estado de Saúde também é importante para fortalecer a construção do projeto.
Ao fim do encontro, ficou encaminhado, conforme sistematizou deputado Paulo Corrêa, que o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Mato Grosso do Sul (Cosems/MS), em conjunto com especialistas que participaram da audiência, levantará números precisos de pacientes e de valores necessários para a implantação do programa. O vereador Ronilço propôs implantar em Campo Grande um projeto piloto, uma vez que já tem perto de R$ 500 mil em emendas dos vereadores para os custear a iniciativa.
A mesa de autoridades foi composta pelo deputado Paulo Corrêa; pelo vereador Ronilço Guerreiro; por Andreia Ferreira da Costa, coordenadora da Coordenadoria de Doenças Crônicas da Secretaria de Estado de Saúde (SES); pelo defensor público Mateus Augusto Sutana e Silva; por Bárbara Medeiros Dantas, gerente técnica de Doenças Crônicas da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) de Campo Grande; e por Ricardo Ayache, presidente da Cassems.
O debate foi subsidiado por quatro palestras que contribuíram para o aprofundamento de aspectos médicos, sociais e econômicos relativos a diabetes.
Diagnóstico correto e monitoramento contínuo são essenciais
A endocrinologista Bianca Rahal Paraguassú, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia – Regional MS, explicou as diferenças entre os tipos de diabetes e ressaltou a importância do diagnóstico adequado para orientar o tratamento. Ela destacou que o diabetes tipo 1, mais comum em crianças e adolescentes, pode levar rapidamente a quadros graves como cetoacidose diabética, enquanto o tipo 2, mais prevalente em adultos, costuma ser silencioso e, por isso, difícil de detectar precocemente.
Bianca enfatizou que manter a glicose próxima do normal é fundamental para prevenir complicações cardiovasculares, renais e neurológicas. Por isso, defendeu a incorporação dos sensores de monitoramento contínuo como ferramenta indispensável para melhorar o controle da doença e reduzir riscos associados à hipoglicemia e hiperglicemia.
Controle seguro em crianças depende de acesso à tecnologia
A endocrinologista pediátrica Ana Carolina Pereira Meneguite apresentou evidências sobre o tratamento do diabetes tipo 1 em crianças e adolescentes, reforçando que a meta terapêutica ideal é manter a hemoglobina glicada abaixo de 7%. Segundo ela, alcançar essa faixa reduz significativamente danos cognitivos e o risco de complicações futuras, mas exige acompanhamento rigoroso e ajustes frequentes no tratamento.
Ela destacou que os sensores de glicose são decisivos para dar segurança às famílias, especialmente durante a noite, quando episódios de hipoglicemia são mais difíceis de perceber. A tecnologia também permite identificar tendências e prevenir alterações abruptas, o que, para Ana Carolina, justifica que o acesso aos sensores seja incorporado como parte essencial da política pública para crianças e adolescentes com diabetes tipo 1.
Sensores ampliam autonomia e qualidade de vida das famílias
A nutricionista e educadora em diabetes Walkíria da Cruz Vieira Soares relatou o impacto prático dos sensores na rotina dos pacientes. Ela explicou que os dispositivos enviam leituras contínuas ao celular, reduzindo drasticamente a necessidade de picadas diárias no dedo e oferecendo previsibilidade sobre variações da glicose. No entanto, lembrou que o custo médio mensal de cerca de R$ 560 dificulta o acesso para grande parte das famílias.
Walkíria também apresentou dados sobre o diabetes no Estado, que pode afetar direta e indiretamente quase 900 mil pessoas. Estudos, segundo ela, mostram melhora significativa nos índices glicêmicos após três meses de uso dos sensores e redução do risco de internações. Para a especialista, a tecnologia representa não apenas mais segurança clínica, mas também alívio emocional para pais e cuidadores.
Cenário estadual e estimativa de custos para o programa
O tesoureiro e secretário da Associação de Diabetes Mellitus Tipo 1 de Campo Grande, Lenine de Oliveira Rocha Júnior, pai da pequena Eduarda, apresentou um panorama da prevalência do diabetes tipo 1 no Estado, estimada em 5.849 pessoas, incluindo 1.170 crianças e adolescentes. Ele detalhou o custo de um programa estadual voltado ao público infantojuvenil, calculado em cerca de R$ 750 mil por mês apenas com sensores.
Lenine destacou que, no primeiro mês, o Estado teria ainda o custo adicional dos leitores, totalizando aproximadamente R$ 9,38 milhões por ano para atender todos os pacientes jovens. Além dos valores, ele alertou para a necessidade de capacitação de profissionais e suporte técnico contínuo. Para ele, investir em sensores significa garantir dignidade, autonomia e mais segurança às famílias.
Serviço
Confira nos links as apresentações dos palestrantes:
O evento contou com cobertura da Comunicação Institucional da ALEMS. Confira, no vídeo abaixo, a reunião na íntegra:
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