Na primeira gaveta da mesa onde acumula seus documentos pessoais, a Juíza Lívia Borges Zwetsch guarda um presente que apesar de singular, possui grande significado. Em uma folha comum de ofício, alguns rabiscos e pinturas traduzem a gratidão de uma menina de apenas 9 anos pelo carinho recebido durante o período em que ela e seus três irmãos estiveram acolhidos na Casa Lar da Comarca, todas vítimas de negligência dos pais. “Juíza muito obrigado por nos dar uma chance”, dizia a frase escrita pelas mãos da menina que sofreu na pele a negligencia dos pais.
Os caminhos da Magistrada e dos quatro irmãos que residiram por mais de cinco meses no local se cruzaram depois que as crianças precisaram ser acolhidas na Casa Lar. As denúncias davam conta de que os pequenos, com idades entre 1 ano e meio e 9 anos, estavam expostos a riscos e sujeira, não compareciam às aulas. Mas a história que abre esta reportagem é apenas mais uma entre as centenas de histórias tristes e semelhantes de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Felizmente, graças ao esforço da Justiça, do Ministério Público e da rede de atendimento à infância e juventude, os quatro irmãos voltaram ao convívio familiar após os pais terem sido conscientizados e cumpridos as exigências para assegurar a segurança e o bem estar dos filhos. “Os pais ficaram muito assustados no início, quando a justiça determinou o acolhimento das crianças. Porém, somente esse medida extrema era necessária para assegurar a dignidade dos menores, expostos à situação de risco no local e pela forma com que vinham sendo criados. Na Casa-Lar elas receberam todos os cuidados, e muito amor dos cuidadores e da equipe. Para obter a guarda dos filhos novamente, os pais precisaram reestruturar suas rotinas, sua casa, sua vida... e para isso foram auxiliados pela assistência social do fórum, do município, e também pelo Conselho Tutelar", conta Lívia que não esconde seu lado humano e sua doação total à causa. Desde que assumiu a Comarca em Santa Rosa do Sul, Lívia conseguiu zerar o número de crianças abrigadas. A Casa Lar da comarca dificilmente acolhe por muito tempo crianças ou adolescentes, pois a Juíza prioriza o seu bem-estar e os processos que definem a vida destas crianças - normalmente representação ajuizada pelo Ministério Público visando à aplicação de medidas de proteção em favor dos menores - são logo julgados. “Hoje, felizmente não tenho nenhuma criança ou adolescente disponível para adoção, e nem processos de destituição do poder familiar em andamento. Os menores que atualmente estão acolhidos aguardam a reestruturação da família, o que espero que em breve aconteça”, afirma a juíza que se preocupa em visitar com frequência a casa de acolhimento e não raras vezes leva as crianças para atividades de lazer e recreação. “Tenho um carinho enorme por elas, pois sei da realidade difícil que as crianças enfrentam. São crianças e adolescentes na maioria muito dóceis e carinhosos, é muito fácil ficar encantada” conta emocionada ao olhar para uma das várias cartinhas que já recebeu como presente.
Adoção
Embora o tempo de espera para concretizar uma adoção ainda seja para muitas pessoas uma realidade, o processo de adoção no Brasil e no Estado já revela um novo cenário. Nesta semana, quando se comemora o Dia Nacional da Adoção (25 de maio), Lívia destaca duas mudanças fundamentais. A primeira, a criação e implantação, no ano de 2009, os Cadastros Estaduais e Nacional de pretendentes à adoção e de crianças e adolescentes em condições de serem adotados, em 2009. Como destaca, “os cadastros surgiram com o objetivo de unificar as informações das Varas de Infância de todo país, aproximando crianças que aguardam por uma família em abrigos e pessoas que tentam uma adoção, mesmo que separados por milhares de quilômetros”. A segunda, a maior flexibilização dos perfis de crianças e adolescentes aceitas pelos pretendentes à adoção, o que aumenta em muito a chance de uma adoção bem sucedida:“Aos pouco está mudando o perfil das pessoas que buscam adotar. Há poucos anos, bebês negros ou crianças com mais de três anos já eram consideradas crianças de difícil colocação em família substituta. Hoje evoluímos um pouco, mas ainda os pretendentes preferem crianças recém-nascidas ou bebês até dois anos. A partir dos nove ainda temos uma dificuldade quase intransponível de encontrar pretendentes, mas aos pouquinhos os perfis buscados pelos pretendentes têm se aproximado do perfil das crianças acolhidas. Isso é um grande avanço”, ressaltou Lívia.
Conforme detalha a juíza, hoje o processo de habilitação para pretendente à adoção está completamente sistematizado. O interessado deve solicitar junto à Vara da Infância e Juventude da Comarca de onde reside sua habilitação, apresentar os documentos exigidos e realizar um curso de preparação. Deferida a habilitação, o pretendente é inscrito no cadastro da comarca, no cadastro estadual (CUIDA) e no cadastro nacional (CNA), e a partir de então aguarda sua convocação, que segue a ordem cronológica da inclusão nos cadastros.
Sobre a ordem de convocação dos cadastros, Livia revela "A partir de um estudo realizado, constatei a impropriedade dos cadastros de adoção existentes nas comarcas, os quais foram instituídos no Estado através de um Provimento da Corregedoria-Geral de Justiça no ano de 1995, e vêm seguindo desde sempre essa conformação, como hoje consta do Código de Normas. Hoje, no entanto, entendo que não existe mais motivos para a existência desses cadastros locais, pois há tecnologia suficiente para aglutinar os dados todos no cadastro estadual, priorizando a ordem cronológica de habilitação para a convocação dos postulantes, conformando o instituto às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Na prática, isso conferiria oportunidade e chances iguais de adotar entre os pretendentes de comarcas do interior e aqueles de grandes centros urbanos, pelo menos na ordem de convocação."
Espera esbarra em vários fatores
Consciente de que muitos casais que estão à espera de uma adoção ainda reclamam da demora nos processos, a juíza explica que isso ocorre por esbarrar em vários fatores. Um deles, segundo Lívia, é o fato de o Brasil não ter uma cultura de adoção que torne a criança/adolescente a real prioridade de políticas públicas. Além disso, de acordo com ela, as redes de proteção à criança e ao adolescente, que são administradas pelas prefeituras municipais, ainda são deficientes, os membros dos Conselhos Tutelares têm boa vontade, mas não tem treinamento adequado, e as Varas de Infância e Juventude muitas vezes não possuem equipe técnica completa (assistentes sociais e psicólogos) e servidores em número suficiente para atender a demanda. “Nossa educação pública ainda não atende todas as crianças na fase da pré-escola e ensino fundamental e, mesmo quando atende, ainda não está estruturada para reconhecer uma situação de violência para aquela criança. Enfim, são muitos os problemas que ainda precisamos resolver para modificar o quadro atual – exemplificou.
Quem pode ser adotado?
Questionada sobre se todas as crianças em abrigos podem ser adotadas, a assistente social da Comarca de Santa Rosa do Sul, Priscila Moreira Fabre, explicou que a lei determina que as crianças/adolescentes sejam colocadas para adoção somente quando esgotadas todas as possibilidades de mantê-las na família biológica, com os pais ou com parentes próximos. Ela faz um alerta e afirma que não existe nenhuma outra forma de registrar ou adotar uma criança que não seja através do juizado da infância. “Nenhuma criança pode ser registrada simplesmente por ter sido encontrada “abandonada”. O registro de criança alheia como própria é considerada crime, punível com prisão, e pode levar à anulação do registro de nascimento. Além disso, ao proceder ilegalmente, sempre existirá o risco de a mãe biológica vir futuramente requerer direitos sobre a criança, não cabendo àqueles que a registraram ilegalmente nenhum direito sobre ela”, esclareceu a profissional que há mais de 10 anos se dedica à causa.
Dica para os pretendentes
Para finalizar, a Juíza fez uma observação para os casais ou pessoas que pretendem adotar uma criança e afirmou que é fundamental dizer que a adoção não é filantropia, não é caridade. Sendo mais específica, ela ressaltou que processo não significa ajudar alguém, “tirar uma criança da rua” ou “dar amor a quem não tem”. Finaliza: "Adotar é entregar-se sem medo e por inteiro à maternidade ou à paternidade. Adoção é, em essência, um ato de amor".
FILA DE ESPERA Número de pretendentes na fila de adoção na Região
PRETENDENTES: 3271 CRIANÇAS ACOLHIDAS: 1597 (masc: 780/ Fem: 817)
Araranguá: 44 pretendentes Fem:16
Mas:1
Ambos sexos: 27
Sombrio: 21 pretendentes Fem: 02
Mas:02
Ambos sexos: 17
Santa Rosa do Sul: 17 pretendentes Fem: 7
Ambos :10
Turvo: 14 pretendentes Ambos: 9
Fem:4
Mas:1
Meleiro: 05 pretendentes Ambos:03
Fem:1
Mas:1
Por
Saulo Pithan Fonte:
revistaw3